Sabemos que o trabalho de William Kentridge, novamente presente na capital do Rio Grande do Sul, tem sido muito bem apresentado através de matérias dos periódicos da cidade, de sítios virtuais das agendas culturais, de blogs ou através do próprio espaço virtual da Fundação Iberê Camargo. Entretanto a Arte ConTexto não poderia deixar de mencionar também essa representação emblemática da arte contemporânea que se encontrou mais uma vez entre nós, na Av. Padre Cacique 2000 (FIC), permanecendo até o dia 26 de maio. O trabalho de Kentridge já havia sido exposto em Porto Alegre na Bienal do Mercosul, em 2007, entretanto, sua atual exposição intitulada Fortuna consiste na primeira grande retrospectiva do artista apresentada no Brasil (na Fundação Iberê Camargo em parceria também com o Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro e a Pinacoteca do Estado de São Paulo), reunindo trabalhos desde 1989 até o período atual.
Seu trabalho, muito bem inserido no circuito artístico do século XXI, presente nos principais centros do mercado de arte e espaços consagrados como as Bienais e a Documenta, funciona como um dos raros exemplos de que a arte contemporânea pode ser para todos. Mesmo quem desconhece as técnicas tradicionais do desenho, os processos de animação de vídeo ou os próprios conflitos sociais e políticos da África do Sul que permeiam o trabalho do artista; mesmo quem desconhece os códigos do contexto artístico contemporâneo e os interesses e signos tratados por William Kentridge, ainda assim se depara com uma linguagem universal na qual a relação de estesia entre obra e observador torna-se constante.
Talvez, tal proeza seja cada vez menos frequente no cenário artístico de hoje, no qual percebemos a necessidade de uma instrução e familiarização prévia com o universo plástico-visual, para que se possibilite ao público a fruição e o entendimento das obras de arte atuais. Porém, Kentridge nos ilustra a possibilidade de unir conceito e visualidade; discurso e estética, apresentando-nos uma poética rica em processo e resultado e, ainda, articulada com seus conflitos pessoais, que estabelecem um diálogo com os indivíduos de todas as localidades. Através de um discurso de fácil acesso e tradução, o espectador estabelece uma aproximação muito mais intensa com as obras, mas não somente; ele se aproxima também do processo criativo do artista, que se evidencia em seus trabalhos finalizados. William Kentridge não esconde seu método artístico; pelo contrário, ele o explicita, apresentando registros e estudos em seus vídeos e desenhos. Permite ao observador o acompanhamento da criação de seus trabalhos e impressiona o público com o persistente e habilidoso sistema de construção de suas imagens. Como ressalta o artista Joseph Kosuth, “os melhores trabalhos de nossa época são aqueles que evidenciam o processo da arte. Esses trabalhos incluem o espectador como parte da conversa, que compartilha o contexto histórico e cultural do artista que realizou o trabalho” (KOSUTH, 1993).
O método de desenvolvimento dos trabalhos de Kentridge pode ser entendido a partir da expressão adotada pela curadora Lilian Tone para nomear a exposição. O termo Fortuna, abordado pelo próprio artista em seus escritos da década de 80, busca refletir o seu processo de criação aleatório, desprovido de planejamentos e projetos prévios, porém, livre e atento às bifurcações que sua poética pode assumir.
Seu processo evidencia sua transparência. Transparência essa percebida ao longo de toda a experiência de absorção de seu trabalho. William Kentrigde defende que “desenhar é pensar alto” e, assim, possibilita a invasão do público-espectador em sua mente, em suas memórias e em seu contexto. Experimentar um trabalho artístico de tão intensa densidade e acessibilidade concomitantes, deve se tornar uma tarefa para todos os porto-alegrenses e visitantes. Kentridge não faz parte de uma maioria, mas evidencia como é possível a existência de artistas que trabalham mais na aproximação entre obra e público do que no amedrontamento que a arte contemporânea muitas vezes provoca nos distantes apreciadores.