Ocupação Artística Ouvidor 63 | Apresentação
Texto por Paula Monroy
A relação simbiótica entre modelo cultural1 e espaços habitados é dissociável dentro do que conhecemos como “história da humanidade”. Não obstante, na atualidade, surge uma divergência entre os modelos tradicionais de planejamento urbano e as necessidades da sociedade civil. Esse questionamento emerge perante à ineficiência das políticas urbanas vigentes nos países do sul global, à ascensão das forças de direita que atingem especialmente às Américas e ao cerceamento diante ao campo artístico-cultural no Brasil.
Se consideramos a cidade na sua dimensão sociopolítica, o conflito pode ser entendido como sinônimo de democracia, em que a discordância individual faria parte da convivência entre um grupo determinado de pessoas (WISNIK, 2009). No contexto brasileiro pós-golpe 2016, evidenciamos não apenas como essas divergências se afastam do diálogo construtivo, mas também da ideia de “participação cidadã” em um cenário cada vez menos democrático.
São essas divergências as que adquirem relevância na produção artística contemporânea no sentido do diálogo com o público mediante a provocação. O estranhamento que surge a partir de certa ação no contexto urbano pode, por exemplo, fazer da disciplina artística uma ferramenta não apenas discursiva, mas ativa frente aos problemas de ordem social, institucional e político que a circundam. Em outras palavras: utilizar a mesma arte para discutir sobre o seu próprio lugar em nossa sociedade.
Rua do Ouvidor 63 é o endereço de um prédio de treze andares no centro da cidade de São Paulo que permaneceu em situação de absoluto abandono, desde 2007 até o dia 01 de maio de 2014, quando foi ocupado por um grupo de artista provenientes de Porto Alegre. Previamente, o imóvel foi sede da Secretaria de Estado da Cultura até 1998, ocupação de moradia entre 1998 e 2005 e, finalmente, um espaço vago concedido à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) em 2007. Apresentou-se então a seguinte equação: a inexistência de uma função social em um imóvel com pleno acesso às redes de transporte e serviços, perante à escassez de espaços democráticos para o desenvolvimento artístico-cultural. Dessa forma, o imóvel vazio e paradoxalmente de propriedade pública, tornou-se campo fértil para a experimentação de modos alternativos de vida e produção artístico-cultural não institucionalizados.
Com quatro anos de existência, a Ocupação Artística Ouvidor 63 funciona como espaço de produção e intercâmbio de conhecimento aberto à comunidade, cujo leque de atividades vai desde programas de residência artística até ações efêmeras. Dentro dessas práticas, destaca-se a Bienal de Artes Ouvidor 63, evento correlato à Bienal de São Paulo e cuja segunda edição será inaugurada em setembro de 2018. Sob o título Outros mundos possíveis, o projeto busca abordar a contracultura desde diversos gêneros, priorizando a construção de subjetividades mediante um processo cooperativo entre atores – internos e externos à ocupação – e áreas de conhecimento.
Sem negar a institucionalização como uma via válida para a inserção da arte no sistema, Ouvidor 63 apresenta-se como um movimento que “dessacraliza” a arte e a aproxima ao cotidiano. Para a ocupação, ir além do resultado ou objeto mercadológico para se focar no processo expõe a discussão sobre as formas como são organizados, distribuídos e legitimados os espaços de arte e cultura na cidade de São Paulo.
Notas de Rodapé
1 Marion Segaud (2016, p. 58), em Antropologia do espaço: habitar, fundar, distribuir, transformar, descreve a noção de “modelo cultural”, na relação espaço-sociedade, como a série de ações que são incorporadas em cada indivíduo participante de uma mesma cultura, que vão incidir na qualificação do espaço que habita.
Referências bibliográficas
SEGAUD, Marion. Antropologia do espaço: habitar, fundar, distribuir, transformar. São Paulo: Editora Sesc, 2018.
WISNIK, Guilherme. Estado crítico: à deriva nas cidades. São Paulo: Publifolha, 2009.
Revista Arte ConTexto
REFLEXÃO EM ARTE
ISSN 2318-5538
V.5, Nº14, JUL., ANO 2018
PENSAMENTO E AÇÃO DE SUBSISTÊNCIA
GALERIA ARTE CONTEXTO
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Paula Monroy é arquiteta e pesquisadora chilena formada pela Universidad Mayor (Chile). No Chile, trabalhou no escritório Constructo no desenvolvimento de projetos artístico-culturais como a Semana de la Madera 2013 e o YAP_CONSTRUCTO (Young Architects Program) em parceria com o Museum of Modern Art (MoMA). Foi assistente de pesquisa do programa de mestrado da Facultad de Arquitectura, Diseño y Estudios Urbanos PUC do Chile e docente nas disciplinas de Projeto IV e Composição na Facultad de Arquitectura de la Universidad Mayor. Em 2015, fez parte da equipe curatorial da XIX Bienal de Arquitectura y Urbanismo de Chile, coordenando a seção de Publicações. No mesmo ano, desenvolveu na FAU-USP uma pesquisa docente sobre sistemas de representação e usos urbanos temporários em São Paulo. Atualmente, é profesora assistente da disciplina Estudio Vertical na Escola da Cidade Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (São Paulo) e participa como facilitadora do Laboratório de Curadoria da II Bienal de Artes da Ocupação Ouvidor 63. É fotógrafa de arquitetura e paisagem, com formação na MJ Academy (New York) e no Chile na PUC. Tem estudos de especialização em Arte, Crítica e Curadoria na PUC-SP.