PERSPECTIVAS PARA ALÉM DA VISÃO

Com o tema Perspectivas para além da visão, a 19.ª edição da revista Arte ConTexto destaca a obra da artista Michele Martines. Sua pintura, de tratamento realista com abordagens fictícias do cotidiano, associa o uso de espaços públicos urbanos com uma proposta reflexiva sobre o consumo em sentido ampliado: o fluxo de ocupações desses espaços, as alterações da arquitetura, na sinalética e no mobiliário das cidades. A obra de Martines transcende a visualidade imediata para engajar os sentidos e a mente, levando o público a questionar as realidades subjacentes ao que é visível e a imaginar possibilidades para o futuro. A artista também aborda as inundações decorrentes das cheias do Rio Caí, um assunto que coincidiu com a tragédia climática que atingiu o Estado do Rio Grande do Sul, de onde a artista e a revista Arte ConTexto são originárias.

Com o lançamento desta edição, neste ano de 2024, a revista inaugura no Rio de Janeiro um programa de exposições em parceria com FeVra_Contexturas em arte. Michele Martines ocupa esse espaço até 29 de junho. A exposição viabiliza o contato com possibilidades diversas de se abordar a temática da perspectiva. Nesta edição da revista, Martines também apresenta um texto curto, no qual reflete sobre a utopia da permanência de um núcleo de artes em Montenegro, sua cidade natal.

A 19.ª edição recebeu contribuições de diferentes campos de atuação da arte. Os conteúdos abrangem diversos meios de expressão, partindo das artes visuais, passando pela música, cinema e arquitetura, cada qual nos conduzindo a uma variação de experiências em transitoriedade de linguagens. Na seção de artigos, ​​Maria Paula Piazza Recena e Julio Cesar de Araujo Menezes Filho exploram perspectivas axonométricas de Theo van Doesburg na década de 1920, enfatizando aspectos menos explorados de sua produção. Em outra abordagem, Gabriela de Andrade Rodrigues enfatiza a postura decolonial da artista Camila Soato ao utilizar como referência conhecimentos não legitimados de grupos historicamente colonizados para pautar a própria criação artística.

Na resenha da exposição Casinha de Bianca Knaak, Adriana Hernandez e Aline Nunes compartilham suas impressões singulares, tecendo reflexões profundas a partir de suas experiências subjetivas, “com o olhar de quem vê de fora e se deixa receber por esta casa”.

Na seção texto curto, o quinteto de professores que integra o grupo Iluminura da UFPel discute a interpretação da música antiga predominantemente europeia em contextos territoriais contrastantes e na contemporaneidade. O texto Grupo Iluminura e a Perspectiva da Reconciliação Hermenêutica no Estudo e Performance de Música Antiga resgata sons do passado para o presente, mantendo sua essência histórica, abrindo portas para uma experiência enriquecedora e a exploração de diversas nuances entre dois pontos extremos.

Em seguida, Ivonete Pinto, com Cinemas Periféricos – Olhar o Outro a partir de seu Contexto, aborda a concepção de cinema periférico, considerando o ponto de vista daquele que analisa. A autora encoraja a pensar além da visão do cinema mainstream, levando-nos a explorar novos territórios, imagens e imaginários, o que resulta em uma problematização das potenciais definições desse cinema periférico diverso e possível.

Talitha Motter, pesquisadora e uma das editoras fundadoras da revista, discute as críticas de arte publicadas na Arte ConTexto sob a perspectiva da visualização em rede. A autora recorre a diagramas que destacam visualmente as conexões entre os artistas analisados nos textos e seus autores. Já a contribuição de Fabíola Tasca, Além de todas as perspectivas: caminhar, aborda experiências docentes no ateliê de desenho: percursos e mapas, que se dão a partir da prática da caminhada, trazendo autores que pensam essa ação relacionada ao treino da atenção.

A abordagem das perspectivas não se limitou apenas ao âmbito teórico. Também recebemos conteúdos audiovisuais que exploram aspectos reflexivos e políticos, oferecendo uma profundidade adicional às discussões propostas. Um exemplo notável são os trabalhos apresentados por Dali Wu, que mergulham em questões políticas, demonstrando como a arte pode ser uma poderosa ferramenta de reflexão social.

Essa variedade de abordagens contribui para uma compreensão mais ampla e abrangente das “Perspectivas Além da Visão”, evidenciando que a percepção e a interpretação da realidade podem ser enriquecidas e diversificadas por meio de múltiplas lentes, tanto artísticas quanto teóricas.

Camila Savoi e Renata Santini

REVISTA ARTE CONTEXTO

REFLEXÃO EM ARTE
ISSN 2318-5538
V.8, Nº19, MAIO, ANO 2024
PERSPECTIVAS PARA ALÉM DA VISÃO

Capa: Michele Martines, Vendo a vista, 2019, acrílica sobre tela, 80 x 100 cm (detalhe)

CITAÇÃO

Olhamos de fora e avistamos uma grande janela, com a inscrição CASINHA. A curiosidade convoca a subir a escada estreita que conduz ao espaço expositivo. Uma sala de estar com poltrona de vime, tapete e almofadas acomodadas diante da mesma janela que nos convidava a entrar quando ainda olhávamos de fora. Três paredes brancas preenchidas por caixas e molduras que abrigavam objetos e imagens, de estilos e temporalidades diferentes. Fotografias compostas por luzes e sombras vindas das portas e janelas de uma casa que – ainda – não conhecíamos.

“Receber é fazer lugar: abrir um espaço no qual aquele que vem possa habitar, colocar-se à disposição daquele que vem sem pretender reduzi-lo à lógica que rege em nossa casa” (LARROSA, 2004, p.187). Em linhas gerais foi assim que me senti recebida na casa concebida pela artista Bianca Knaak.

EXPOSIÇÃO CASINHA, DE BIANCA KNAAK — MIRADAS DE DENTRO E DE FORA

Adriane Hernandez e Aline Nunes

GALERIA ARTE CONTEXTO

A Galeria desta edição apresenta trabalhos de cinco artistas que exploram diferentes perspectivas em relação ao nosso cotidiano e à pesquisa de linguagens artísticas. Vitória Guimarães, a partir de uma prática transmídia que vincula a fotografia à palavra, sobrepõe pontos de vista sobre a vivência dos estágios do luto. A artista propõe, dessa maneira, uma leitura do luto que vai além da ideia de morte ou da perda de uma pessoa que nos é próxima. Clóvis Camargo, com suas pinturas, reflete sobre as prisões que criamos para nós mesmos. Na sua série “Sobre Viver”, as flores são apresentadas como símbolo de renovação, antevendo o rompimento dessas barreiras para o desenvolvimento de uma confiança interna. Iuri Dias trabalha com pedaços e cores de madeira para decompor e recompor imagens que fazem referência ao seu entorno pessoal. Assim, ele subverte a ligação habitual da marchetaria com o mobiliário e a decoração, trabalhando com liberdade essa técnica e propondo encontros que podem causar um certo estranhamento. Já as fotografias de Diego Aliados nos remetem ao olhar que transita pela cidade em busca daquelas e daqueles que são esquecidos. Saímos do universo dos retratos turísticos de uma cidade para encontrar aquelas e aqueles que vivem e sofrem as suas injustiças. Finalmente, Gunga Guerra, a partir de sua vivência de diferentes culturas e crises, reabilita a resposta “luta e fuga” que apresentamos diante de situações de perigo. Diante de violências e opressões, nos transmutamos em animais de diversas espécies (e mesmo em toys) para que possamos enfrentá-las ou escapar delas.