ATIVISMO INSTITUCIONAL

VERBETE DE FABRÍCIA JORDÃO

Pesquisadora, crítica e curadora. Doutora e mestre pela ECA/USP. Desde 2010, investiga as relações entre as artes visuais e as políticas de Estado ao longo da ditadura e da redemocratização brasileira. Esse verbete é uma versão bastante resumida da hipótese central de tese defendida no PPAV-ECA/USP (JORDÃO, 2018).

RESUMO

Este conceito se fundamenta na hipótese de que ao longo da redemocratização foi desenvolvido um novo tipo de ativismo artístico, o ativismo institucional. O qual, por ter efetivamente impactado no processo de reformulação institucional e nas políticas voltadas para as artes visuais, se diferencia das estratégias de ativismo comumente associadas ao período da ditadura militar, o frentismo – quando um grupo de artistas se une para problematizar e/ou se opor a uma dada situação – e o ativismo da obra, quando o trabalho artístico é indissociável de seu vínculo com o político. Desse modo, essa estratégia de intervenção artística está diretamente conectada a três questões: a relação das artes visuais com o estado autoritário no pós-1974; o processo de institucionalização das artes visuais ao longo da redemocratização e o desenvolvimento de um horizonte de inteligibilidade para arte contemporânea no Brasil.

Revista Arte ConTexto

REFLEXÃO EM ARTE
ISSN 2318-5538
V.6, Nº15, MAR., ANO 2019
VERBETES DA ARTE

Ao longo dos anos 1970, a precariedade das instituições do meio de arte, bem como o reduzido interesse do mercado em promover e difundir as produções associadas às linguagens contemporâneas fundamentaram uma percepção – por parte de artistas vinculados a essa vertente – de que era preciso criar estratégias para assegurar uma dimensão pública, institucionalizar e inscrever social e historicamente suas produções.

Esse entendimento está diretamente relacionado a conformação de uma nova sensibilidade ético-político-estética no meio das artes visuais. Diferentemente da geração anterior, a qual vivia assombrada pelos fracassos, efeitos residuais e conflitivos da ideologia cepecista e pecebista, os artistas atuantes ao longo dos anos 1970 estabeleceram uma relação menos utópica e revolucionária com a arte em suas conexões com o âmbito político. A militância, o engajamento e a resistência cultural – nos sentidos estritos dos termos – cedem lugar para a atuação e a interferência concreta nos rumos do processo cultural, nas políticas de Estado e nas instituições públicas, em consonância com a crescente politização do espaço artístico, o sistema da arte e o papel de seus agentes e instituições são reexaminados criticamente.

Esse processo foi acompanhado por uma redefinição do lugar social do artista e pela incipiente formação de uma identidade “artista contemporâneo”, a qual, naquele momento, se associava aos artistas que buscavam intervir – estratégica e propositivamente – nos processos e instâncias que determinavam a conceituação, a formação, a produção, a circulação e a inscrição social de seus trabalhos.

O interesse em questões que extrapolavam a obra em si expressaria uma nova sensibilidade política. Se por um lado os artistas se distanciavam do político em sentido partidário, por outro politizavam e compreendiam de maneira interdependente todas as instâncias do circuito de arte. Essa requalificação do fazer político, como parte de uma nova agenda, fomentou reflexões menos diletantes sobre nosso sistema da arte, nossa tradição e modernidade artísticas, as quais, somadas às investidas do mercado na neutralização da produção associada às novas linguagens, instrumentalizaram e mobilizaram determinados segmentos a estabelecer um circuito menos subordinado à ideologia do mercado e que abrisse espaço para o “contemporâneo” nas artes visuais1. A partir de 1974, com o início do processo de abertura política e a tentativa do regime militar de se aproximar dos segmentos artísticos e intelectuais de oposição, observa-se, simultaneamente, uma significativa ampliação dos investimentos no âmbito cultural e o alargamento das possibilidades de participação de agentes do meio cultural politizado nos processos de redemocratização, inclusive ocupando postos decisórios em instituições e órgãos culturais.

Cabe destacar que foi nesse momento – e em consonância com as estratégias de aproximação do regime militar – que as artes visuais receberam, pela primeira vez, um órgão executivo de abrangência nacional para atender suas reinvindicações, o Instituto Nacional de Artes Plásticas da Funarte (INAP/Funarte). Diante desse quadro, ao longo da redemocratização, se fortalece a percepção de que a atuação nos órgãos e instituições “oficiais” – instâncias relativamente descomprometidas com o mercado de arte e com débeis bases institucionais – não só possibilitaria o desenvolvimento e a implementação de políticas culturais para as artes visuais, mas também forneceria os recursos materiais, financeiros e humanos necessários para efetivamente assegurar a institucionalização da arte contemporânea, culminando no desenvolvimento de um novo tipo de ativismo artístico: o ativismo institucional.

Tal atuação diferenciava-se das estratégias de ativismo comumente associadas ao período da ditadura militar, o frentismo – quando um grupo de artistas se unem para problematizar e/ou se opor a uma dada situação – e o ativismo da obra – quando o trabalho artístico é indissociável de seu vínculo com o político. Nesse sentido, propõe-se que foi, sobretudo, por meio do ativismo institucional que diversos artistas visuais, ao converteram instituições e órgãos culturais – das esferas municipais, estaduais e federais – em plataformas de atuação efetivamente impactaram nos processos e reformulações institucionais e nas políticas voltadas para as artes visuais. Especificamente, propõe-se que foi por meio dessa nova forma de ação política nas artes visuais que duas importantes estratégias – mutuamente interdependentes e diretamente conectadas – entraram nas políticas para as artes visuais.

A primeira pode ser pensada como contraponto à crescente presença da ideologia do mercado nas instituições de arte e se expressou na tentativa de estabelecer um circuito que abrisse espaço e fizesse circular a produção contemporânea e que possibilitasse maior autonomia discursiva e teórica para os artistas e críticos associados às linguagens contemporâneas. Essa parece ser a razão institucional de iniciativas como as que culminaram na criação da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (1975), concebida por Rubens Gerchman; do Núcleo de Arte Contemporânea da UFPB (1978), idealizado por Paulo Sérgio Duarte e Antonio Dias; do Setor de Multimídia do NAC/UFRN (1983), fundado por Jota Medeiros; do Espaço Arte Brasileira Contemporânea (Espaço ABC) (1981), idealizado por Paulo Sérgio Duarte; e, como ponto culminante desse processo, a reformulação institucional do INAP, entre 1981-1989, sob, respectivamente, as gestões de Paulo Sergio Duarte, Paulo Herkenhoff, Luciano Figueiredo e Iole de Freitas.

Já a segunda estratégia implementada por meio do ativismo institucional pode ser localizada na tentativa de formulação de um novo paradigma teórico que servisse de subsídio para uma reinterpretação da história da arte brasileira e para refletir sobre a arte que vinha sendo produzida naquele momento. Esse esforço de revisão crítica e autocompreensão estava diretamente conectado com os esforços de reexame crítico do modernismo e reposicionamento do neoconcretismo como paradigma de um pensamento contemporâneo em artes visuais e marco instaurador de um espaço para a contemporaneidade nas artes visuais. Não por acaso, será ao longo dessas gestões que o INAP publicará A querela do Brasil: a questão da identidade na arte brasileira: a obra de Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari – 1922/1945 (1982), de Carlos Zílio, e Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro (1985), de Ronaldo Brito, marcos fundadores dessa virada conceitual.

A partir do exposto é possível argumentar que, nas artes visuais, o espaço para o contemporâneo foi historicamente construído ao longo da redemocratização e como a produção identificada como contemporânea demandou, desde o seu início, sua institucionalização, reivindicando, para tanto, não apenas espaço nas políticas públicas, mas também um lugar na história da arte.

Notas de Rodapé

1  Esforços nesse sentido podem ser localizados, dentre outras iniciativas, na criação do Centro de Experimentação Artística Escola de Arte Brasil (1970-1974), em São Paulo; da revista Malasartes (1975-1976) e da Sala Experimental do MAM (1975-1978), ambas no Rio de Janeiro; do suplemento cultural Contexto, do jornal A República, em Natal; do Centro da Arte Marginal Brasileira de Informação e União (c.1975-), que englobava três capitais nordestinas – Recife, João Pessoa e Natal –; do Nervo Óptico (1976-1978) e do Espaço N.O. (1979-1982), ambos em Porto Alegre.

Referências Bibliográficas

JORDÃO, Fabrícia. As atuações e contribuições institucionais de artistas e intelectuais no campo das artes visuais durante o período da redemocratização brasileira (1974 -1989). 2018. 264f. Tese (Doutorado em Artes Visuais). Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27160/tde-22102018-185518/pt-br.php

Lista de Imagens

1   Da esquerda para a direita: Leonhard Frank Duch, Falves Silva, Jota Medeiros, Unhandeijara Lisboa, Paulo Bruscky integrantes e principais articuladores do Centro de Arte Marginal Brasileira de Informação e União (c. 1976-1978). O CAMBIU surgiu, simultaneamente, na forma de um boletim informativo, uma frente de ação e um agrupamento de produção experimental e agenciamentos artísticos constituído por artistas visuais baseados em três capitais nordestinas: Recife, João Pessoa e Natal. Fonte: Arquivo Leonhard Frank Duch.