PENSAMENTO TRANSDISCIPLINAR: POSSIBILIDADES DE ATRAVESSAMENTOS PARA O ENSINO DE ARTE
TEXTO CURTO DE Noeli Batista dos Santos, Valéria Fabiane Braga Ferreira Cabral e Ronne Franklim Carvalho Dias
Noeli Batista dos Santos – Doutora em Educação e em Média-Arte Digital. É professora na Faculdade de Artes da UFG. Pesquisa processos de formação docente na confluência entre mídia-arte, educação, comunicação e tecnologias.
Valéria Fabiane Braga Ferreira Cabral – Doutora em Arte e Cultura Visual. É professora na Faculdade de Artes da UFG. Pesquisa os seguintes temas: ensino de arte, formação de professores/as e educação à distância.
Ronne Franklim Carvalho Dias – Doutorando em Arte e Cultura Visual e Mestre em Cultura Visual. Docente do Instituto Federal do Amapá. Linha de pesquisa em Educação e Visualidade, com ênfase em desenho, identidade e hibridismo.
Revista Arte ConTexto
REFLEXÃO EM ARTE
ISSN 2318-5538
V.6, Nº16, DEZ., ANO 2019
ARTE E EDUCAÇÃO
RESUMO
O texto discute a ausência de profissionais licenciados nas áreas específicas das artes e como a formação teórico-prática, para o ensino de arte, vem se constituindo pouco dialógica com o contexto de atuação profissional do/da docente. Também aponta a possibilidade de trânsitos entre diferentes áreas, por meio de estudos e da formação contínua, para além das especificidades disciplinares, buscando aquilo que atravessa o “aprender” e o “ensinar” com ações didático-pedagógicas coerentes com o contexto de atuação. Atravessamentos que decorrem de um pensamento transdisciplinar que conduz para saberes compartilhados.
Distâncias entre os espaços formativos e realidades no contexto escolar
O trabalho no campo da formação docente enfrenta desafios contínuos desde as etapas iniciais da graduação até a atuação profissional, denominada formação continuada. As dificuldades enfrentados por estudantes e professores no âmbito acadêmico não são diferentes se comparadas com outros níveis e modalidades de ensino. Ao pensarmos nessas questões, incluindo o desafio que motiva esse diálogo, não podemos deixar de considerar as dificuldades de muitas instituições de ensino (desde as entidades gestoras, como as secretarias de Educação) em constituir um quadro docente que contemple as especificidades relativas ao ensino de arte, sendo elas as artes visuais, as artes cênicas, a música e a dança. Ao mesmo tempo, compreendemos a necessidade de construir um documento que possa garantir aos estudantes do território nacional a oportunidade de conhecer e vivenciar essas especificidades artísticas em seu processo formativo. Porém, como garantir esse estudo na ausência de profissionais licenciados contratados nessas respectivas áreas?
Somos sabedores que mesmo a força de lei em si não é garantia de cumprimento das demandas sociais para a educação. De fato, é preciso toda uma estratégia, desde planejamento à execução, articulando setores normatizadores, administrativos às atividades fins, na ponta de atuação, para pensar a melhor maneira de atender a sociedade, seja através dos direitos dos estudantes, seja através dos direitos dos profissionais da educação.
A solução mais lógica que se apresenta a nós é a garantia de concursos públicos que possibilitem a presença desses profissionais habilitados, em suas respectivas áreas formativas, para a construção de projetos de ensino capazes de articular contextos, conteúdos e aprendizagens. Contudo, apenas a garantia das vagas não tem conseguido preencher o déficit de profissionais qualificados. Somada a essa dificuldade está o alto índice de exoneração de professores ingressantes e iniciantes, muitas vezes, provocado pelo choque entre as distâncias dos espaços formativos em relação às múltiplas realidades presentes no contexto escolar, refletindo uma formação teórico-prática pouco dialógica com o contexto de atuação profissional.
Fazer acontecer para a construção de um pensamento transdisciplinar
Nesse ponto, destacamos um outro desafio; e aqui segue uma nova pergunta: que ações conjuntas entre universidades e institutos poderiam ser viabilizadas ‒ por meio de políticas públicas ‒, para receber, amparar e assegurar a presença desses profissionais em seus legítimos campos de atuação? Sabemos que, por ora, essa questão ainda não tem resposta, mesmo assim, consideramos importante que ela acompanhe nosso exercício reflexivo, visto que os anos iniciais de atuação docente são cruciais para que esses profissionais se sintam pertencentes ao campo de atuação. Cientes das variáveis que envolvem a proposição de uma proposta curricular, mesmo distante das condições ideais, temos o quadro docente formado por profissionais graduados em Pedagogia, os quais, na ausência de profissionais licenciados nas áreas específicas das artes, assumem corajosamente o desafio de “fazer” acontecer. E aqui, em uma perspectiva deleuziana (2011), fazer acontecer é produzir sentidos, uma vez que para esse pensador, o sentido é o próprio acontecimento. E o acontecer, portanto, o sentido, só ocorre no âmbito do encontro entre estados de coisas e corpos. A nós, parece interessante pensar a produção de sentidos no contexto do ensino de arte, mesmo distante dessa “condição ideal” já descrita.
Para além das teorias que abarcam o ensino de arte ‒ entre elas a perspectiva da arte/educação e da educação para a cultura visual ‒, a produção de sentidos, portanto, o acontecimento, requer a ação do encontro. E o que seria esse encontro se considerarmos a perspectiva de propiciar que estudantes tenham contato com as áreas específicas das artes, mesmo na ausência de profissionais licenciados nessas respectivas especificidades?
Essa capacidade de transitar entre diferentes áreas e especificidades, por meio do estudo e da formação contínua, tendo como viés o pensamento didático-pedagógico consistente e coerente ao conteúdo que se pretende abordar para conduzir um trabalho que precisa levar em consideração que no contexto atual, no qual há uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que é o documento normativo de referência nacional, o componente curricular arte propõe a possibilidade de integração das artes. Nesse sentido, exige do/da docente um pensamento convergente, portanto, um pensamento transdisciplinar. Segundo a “Carta de Transdisciplinaridade” ‒ produzida no Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, que ocorreu no ano de 1994 ‒ em seu art. 3, “A transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa” (FREITAS; MORIN; NICOLESCU, 1994, p. 1-2).
Ao pensarmos na produção de sentidos; na construção de conhecimentos; nos parece coerente que o pensamento transdisciplinar ‒ em ação conjunta com ações didático-pedagógicas coerentes com o contexto de atuação e ao universo teórico a ser proposto ‒, ao se abrir para as especificidades disciplinares na busca por aquilo que as atravessa possibilita não apenas o “conhecer”, mas também o “aprender”. É importante ressaltar que essa perspectiva transdisciplinar não se configura em uma abordagem polivalente para o ensino de arte, mas propõe a busca pelos atravessamentos entre uma especificidade. Buscando ainda, uma educação transdisciplinar que “reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos” (FREITAS; MORIN; NICOLESCU, 1994, p. 1-2).
Referências Bibliográficas
DELEUZE, G. Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva, 2011.
FREITAS, Lima; MORIN, Edgar; NICOLESCU, Basarab. Carta de Transdisciplinaridade. Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, Convento de Arrábida, Portugal, 2-6 novembro, 1994.