A IMPORTÂNCIA DA REFORMULAÇÃO DAS NARRATIVAS DAS COLEÇÕES HISTÓRICAS DE MUSEUS DE ARTE NA CONTEMPORA-
NEIDADE: A EXPOSIÇÃO VERBOAMÉRICA

ARTIGO DE NICOLE PALUCCI MARZIALE

Mestre pelo programa de Mestrado Acadêmico em Estudos Culturais da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, especialista em História da Arte pela Belas Artes – São Paulo.

RESUMO

Este artigo parte da noção de reconfiguração dos objetivos dos museus de arte nas últimas décadas, de modo que, em vários deles, a exposição não mais atua como protagonista, mas faz parte de um processo integrado de atividades que visa atender às demandas do público e de suas comunidades, em que são discutidos temas como gênero e sexualidade, relações étnico-raciais, pós-colonialismo, exclusão social, entre outros. Diante disso, identifica-se a necessidade de que suas coleções, geralmente organizadas sob perspectivas eurocêntricas da história da arte, dialoguem com essas propostas, intersectando-as de maneira transversal, o que requer, por sua vez, a reformulação de suas narrativas no sentido das constelações pós-coloniais propostas pelo curador Okwui Enwezor. A fim de evidenciar tal condição, abordamos aqui o caso da exposição Verboamérica, realizada, entre 2016 e 2018, no Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (MALBA), junto a um programa que envolveu uma publicação e diversas outras atividades.

PALAVRAS-CHAVE

Museus de arte, Coleções de museus, Constelações pós-coloniais, Verboamérica.

ABSTRACT

This paper departs from the understanding of the reconfiguration of art museum’s objectives in the last decades, in which, in many cases, the exhibitions are not the leading figures anymore, but part of an integrated program of activities that seek to meet the needs of the public and the communities, and in which are discussed themes like gender and sexuality, ethnic-racial relations, post-colonialism, social exclusion, and many others. In face of this context, there is the need that the museums’ collections, the majority of which were organized according to Eurocentric perspectives of art history, engage with these propositions, intersecting them transversally, what requires the reformulation of their narratives in the sense of the post-colonial constellations suggested by the curator Okwui Enwezor. In order to demonstrate this condition, we address the case of the exhibition Verboamérica, which took place at the Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (MALBA), between 2016 and 2018, along with a program that involved a publication and many other activities.

KEYWORDS

Art museums, Museum collections, Post-colonial constellations, Verboamérica.

Revista Arte ConTexto

REFLEXÃO EM ARTE
ISSN 2318-5538
V.6, Nº15, MAR., ANO 2019
VERBETES DA ARTE

Em 2005, a artista Carla Zaccagnini participou do projeto Octógono, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, apresentando seu “Projeto Ótico”, instalação que, por meio de um jogo de espelhos estrategicamente posicionados dentro do museu, levava à imagem do quadro “Saudade”, de Almeida Júnior, localizado na sala do acervo, no segundo andar,  até o octógono, localizado no primeiro andar. O trabalho da artista evidencia a importância de valorizarmos as coleções históricas dos museus de arte e, ao mesmo tempo, a necessidade de seus curadores integrarem e adaptarem acervos às necessidades atuais desses espaços e seu público. Partindo dessa premissa, suscitada pelo trabalho de Zaccagnini, o presente artigo pretende, em primeiro lugar, evidenciar uma mudança na configuração e objetivos dos museus de arte nas últimas décadas, na qual, em oposição à configuração tradicional, a exposição não mais atua como protagonista, mas sim faz parte de um processo integrado de atividades que visa atender às demandas do público e de suas comunidades, muitas vezes por meio de processos colaborativos, em que são discutidos temas como gênero e sexualidade, relações étnico-raciais, pós-colonialismo, exclusão social, entre tantos outros. Diante disso, urge que as coleções de museus, em grande parte organizadas a partir de perspectivas eurocêntricas, tenham suas narrativas reformuladas e suas obras ressignificadas, no sentido da constelação pós-colonial proposta pelo curador Okwui Enwezor. Vemos que esse tipo de prática foi considerada por Claire Bishop como uma estratégia de museologia radical, a partir dos casos do Van Abbemuseum (Eindhoven, Holanda), do Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (Madrid) e do Muzej sodobne umetnosti Metelkova (MSUM, Liubliana, Eslovênia). A fim de trazer essa discussão para o contexto latino-americano, abordamos, no presente artigo, o caso da exposição Verboamérica, realizada entre 2016 e 2018 no Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (MALBA), junto a um programa que envolveu uma publicação e diversas atividades.

Diante dos novos formatos de manifestações artísticas, principalmente a partir dos anos 1960, bem como diversas proposições tanto de artistas e curadores para promover reorganizações quanto às estruturas institucionais e a configuração dos espaços expositivos – que até então ofereciam pouca possibilidade de interação por parte dos visitantes –, nota-se um processo contínuo de questionamento acerca da configuração tradicional dos museus de arte.

Essas instituições tinham no colecionismo sua principal preocupação, enquanto os visitantes eram considerados figuras passivas, receptores unilaterais das informações e do conhecimento difundidos pelo museu. Advindo desse processo, temos um modelo que Eilean Hooper Greenhill (2007) chama de “pós-museu”, de modo que, enquanto no museu modernista a exibição é a principal forma de comunicação, abordagem que possui severas limitações, no pós-museu ela atuaria como uma entre diversas formas de comunicação, integrando parte de um núcleo de eventos que ocorrem antes e após sua montagem, e que podem envolver elementos como: o estabelecimento de parcerias comunitárias e organizacionais; a produção de objetos durante programas educacionais, que podem ser incorporadas às coleções; períodos em que grupos específicos da comunidade utilizam os espaços do museu à sua própria maneira; residências de artistas, cientistas e escritores; exibições-satélite, montadas fora do espaço do museu; a realização de discussões, workshops, performances, danças, música e refeições (HOOPER-GREENHILL, 2007).

Para Hooper-Greenhill (2007), a produção de eventos e exposições como parte de uma dinâmica conjunta possibilita a incorporação de várias vozes e perspectivas ao museu, de modo que o conhecimento deixa de ser monolítico e unificado, tornando-se fragmentado e multivocal: não existe uma perspectiva única e necessária, mas sim uma cacofonia de vozes que apresentam uma variedade de visões, experiências e valores. Nesse contexto, a voz do museu se torna uma em meio a muitas. Enquanto o museu modernista era e ainda é imaginado como um local físico específico, o pós-museu deve ser imaginado como um processo ou uma experiência, assumindo formas arquiteturais diversas. Ainda, não se limita a suas próprias paredes, mas sim flui através dos espaços, preocupações e ambições das comunidades1 (HOOPER-GREENHILL, 2007).

No artigo From Being About Something to Being For Somebody, Stephen Weil (2012) destaca, nos últimos cinquenta anos, a tendência ascendente de museus que tiveram um deslocamento da ênfase quanto ao estudo e conservação de sua coleção para a oferta de uma variedade de serviços educacionais ao público. O autor atenta, no entanto, para o entendimento de que as atividades tradicionais de preservação, interpretação e pesquisa não devem ser tratadas como meros aspectos instrumentais e precisam ser valorizadas. Weil (2012) defende a emergência de um novo modelo de museu, uma instituição transformada e redirecionada que, por meio de seus serviços públicos, utiliza suas competências contribuindo positivamente para a qualidade das vidas humanas individuais, bem como para melhorar o bem-estar das comunidades.

Nesse contexto, exige-se que esses novos modelos de museus respondam às necessidades de seus visitantes, abordando, por meio de sua programação, temas urgentes como gênero e sexualidade, identidade, política, emancipação, subjetividade, transformação urbana, etc. A questão que aqui se coloca diz respeito à necessidade de que as coleções históricas também dialoguem com essas temáticas, que devem atravessar todas as atividades da instituição, de modo transversal. Para tanto, deve-se considerar, conforme assinala Okwui Enwezor (2003), como qualquer interesse crítico nos sistemas de exibição de arte moderna ou contemporânea requer que nos refiramos à base fundacional da história da arte moderna: suas raízes no discurso imperialista, de um lado e, de outro, as pressões que o discurso pós-colonial exerce sobre suas narrativas na atualidade.

Desse modo, há que se ter em conta o fato de que o campo constitutivo da história da arte é sinteticamente elaborado, ou seja, uma história feita por humanos. Diante disso, Enwezor (2003) introduz o conceito de constelação pós-colonial, que seria o espaço para a expansão da definição do que constitui a cultura contemporânea e suas afiliações em outros domínios da prática; trata-se da intersecção de forças históricas alinhadas contra os imperativos do discurso imperialista. Desse modo, alude-se aqui à tarefa, entre os curadores de museus, de promover, a partir das coleções que ali estão, a combinação e justaposição de modelos de dentro dos domínios da produção artística, transformando a ordem visual da arte contemporânea em uma ordem mais ampla de conhecimento a respeito da história da arte. Para Enwezor (2003), a constelação pós-colonial busca interpretar uma ordem histórica particular, mostrar relações entre realidades políticas, sociais e culturais, espaços artísticos e histórias epistemológicas, destacando não apenas sua contestação, mas também sua contínua redefinição.

Nessa esteira, Claire Bishop (2013) destaca como um modelo mais radical de museu tem tomado forma: mais experimental, menos determinado por sua arquitetura e mais engajado politicamente com o atual momento histórico. Eles fazem frente a um modelo de museu que Bishop concebe como templo populista de lazer e entretenimento, e cujo desenvolvimento Rosalind Krauss já teria evidenciado em The Cultural Logic of the Late Capitalist Museum, escrito em 1990. No artigo, Krauss destaca como o espírito do livre mercado dos anos 1980 passou a remodelar a noção de museu, que, de guardião do patrimônio público, passa a ser compreendido como entidade corporativa com um inventário altamente comercializável, amparada no desejo por crescimento (KRAUSS, 1990). Bishop (2013) faz referência a três museus na Europa: o Van Abbemuseum, em Eindhoven, o Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, em Madrid, e o Muzej sodobne umetnosti Metelkova (MSUM), em Ljubljana, os quais, para a autora, apresentam alternativas convincentes ao mantra de “maior é melhor” e não falam em nome do “um por cento”, mas sim se empenham em representar interesses e histórias de grupos marginalizados, invisibilizados e oprimidos, de modo que mobilizam o mundo da produção visual para inspirar a necessidade de se colocar do “lado certo” da história.

Para Bishop, cada uma dessas instituições pendurou suas coleções de modo a sugerir uma reformulação da arte contemporânea no que tange a um relacionamento específico com a História, impulsionadas por um senso de urgências políticas e sociais da atualidade e marcadas por traumas nacionais particulares: no caso de Madri, a culpa colonial e a ditadura franquista; a islamofobia e a falência da democracia, no caso de Eindhoven; as Guerras Balcânicas e o final do socialismo, em Liubliana. Conduzidas por compromissos políticos claros, essas instituições distanciam-se, na visão da autora, de um modelo presentista de museu de arte contemporânea – em que os interesses do mercado influenciam no que é exibido –, elaborando uma contemporaneidade dialética tanto como prática museológica, quanto como método arte-histórico (BISHOP, 2013).

Bishop (2013) destaca que, para muitos curadores, o peso histórico de uma coleção permanente pode parecer um encargo que inibe a promoção de “novidades”, tão essenciais para a atração de público. A incessante rotatividade de exposições temporárias é considerada mais empolgante e lucrativa do que a proposta de encontrar novas maneiras de mostrar o cânone. Ainda assim, a autora nota que, atualmente, enquanto museus são forçados a se dirigir a suas coleções devido ao corte de fundos para a realização de exposições temporárias, a coleção permanente pode atuar como uma grande ferramenta dos museus para apostar em um engajamento não apenas com o passado, mas também com o futuro (BISHOP, 2013).

Visando trazer essa discussão para o contexto latino-americano, tratamos aqui do caso da exposição Verboamérica, mostra da coleção permanente do MALBA realizada entre setembro de 2016 e agosto de 2018, com curadoria da historiadora e pesquisadora Andrea Giunta e do diretor-artístico do Museu, Agustín Pérez Rubio. A exposição foi resultado de um amplo projeto de pesquisa que propôs a elaboração de uma história viva da América Latina, expressa em ações e experiências, e também uma história pós-colonial, que assume que a arte latino-americana não deve ser entendida apenas a partir das denominações propostas pela história da arte europeia, mas sim a partir dos nomes que os próprios artistas formularam quando criaram seus programas estéticos (MALBA, 2016a). De acordo com Pérez Rubio, Verboamérica é uma exposição performativa e temporal, que evidencia a crise da noção linear e singular do tempo histórico, de modo que o curador alude ao termo “heterocronia”: um modelo por meio do qual entender um tempo marcado por diferentes linhas temporais que coexistem em fluxo constante; uma ideia que visa abolir a noção de tempo linear e unidirecional da modernidade hegemônica (RUBIO, 2016).  

De acordo com Giunta, os termos-chave da exposição provêm da experiência artística na América Latina: Antropofagia, Indigenismo, Negritude, Martín Fierro, Neoconcretismo, Madi, Perceptismo, Universalismo Construtivo, Muralismo. Provêm também da experiência latino-americana das cidades: cidades reais, sonhadas, utópicas; do trabalho, da exploração e da geopolítica; das margens da cidade, das paisagens reais e imaginadas, e dos excluídos: a prostituição, a pobreza, os corpos insubordinados, descalços do cânone patriarcal que construiu tanto a mulher como o homem. Trata também, de acordo com a curadora, da insurreição negra, indígena e campesina, da reivindicação pela terra e de tornar visíveis as poéticas do indomesticável e as formas da emancipação estética (MALBA, 2016b).

Verboamérica foi organizada de modo a romper com o clássico percurso cronológico que havia marcado as onze exposições anteriores da coleção do Museu, incluindo 170 obras, as quais foram divididas em oito núcleos temáticos:

No princípio apresentou obras localizadas nas extremidades da representação, que investigam estados de imprecisão em que os conceitos visuais estão ainda em gestação e que aludem a momentos inaugurais, de eclosão, do qual fizeram parte de obras de artistas como Carmelo Arden Quin, Lygia Clark, León Ferrari, Lucio Fontana, Gego, Víctor Grippo, Roberto Matta, Emilio Pettoruti, Zilia Sanchez, Ruben Santantonín e Clorindo Testa, entre outros (MALBA, 2016b).

Mapas, geopolítica e poder buscou redesenhar as representações de poder das sociedades latino-americanas para situar, de outro modo, as cidades, os países e, junto a eles, as experiências vividas. Participaram desse núcleo obras de artistas como Fernando Bryce, Rafael Barradas, Augusto de Campos, Geraldo de Barros, Lygia Clark, Emiliano Di Cavalcanti, María Freire, Nicolás García Uriburu, Alfredo Jaar, Guillermo Kuitca, Diyi Laañ, Julio Le Parc, Jorge Macchi, Hélio Oiticica, Lidy Prati, Revista Arturo, David Alfredo Alfaro Siqueiros, Grete Stern, Joaquín Torres García e Gyula Kosice, entre outros (MALBA, 2016b).

Cidade, modernidade e abstração abordou a concepção de uma abstração latino-americana em meio ao desenvolvimento urbano da região no início do século XX. Foram expostas obras de Rafael Barradas, Lygia Clark, Horacio Coppola, Geraldo de Barros, Emiliano Di Cavalcanti, Gyula Kosice, Diyi Laañ, Jorge Macchi, Hélio Oiticica, Grete Stern e Joaquín Torres García, entre outros (MALBA, 2016b).

Cidade letrada, cidade violenta, cidade imaginada tratou do protagonismo da escrita no contexto das cidades, do desenvolvimento de linguagens codificadas e de estratégias de comunicação com o objetivo de escapar ao controle das ditaduras. Este núcleo foi formado por obras de Norah Borges, Mirtha Dermisache, Graciela Gutierrez Marx, Mathias Goeritz, David Lamelas, Margarita Paksa, Liliana Porter, Diego Rivera, Lotty Rosenfeld, Mira Schendel, Remedios Varo e Xul Solar, entre outros (MALBA, 2016b).

Trabalho, multiplicidade e resistência abordou as formas de trabalho características da modernidade, como o trabalho nas fábricas – arenas de desenvolvimento do capitalismo – e como seu crescimento gerou novas formas de exploração dos trabalhadores, diante das quais estes se organizaram não apenas em greves e manifestações, mas utilizando também propaganda, publicações e imagens. Foram expostas, neste núcleo, obras de artistas como: Oscar Bony, Antonio Berni, Antônio Dias, Ana Gallardo, José Gurvich, Magdalena Jitrik, José Clemente Orozco, Amelia Peláez, Taller Popular de Serigrafía e Claudio Tozzi, entre outros (MALBA, 2016b).

Campo e periferia tratou do processo de marginalização e exclusão produzido junto ao desenvolvimento das grandes cidades. Contou com obras de artistas como: Francis Alÿs, Antonio Berni, José Cúneo, Miguel Covarrubias, Kenneth Kemble, Emilio Pettoruti, entre outros (MALBA, 2016b).

Corpos, afetos e emancipação abordou a obra de artistas como  Juan Battle Planas, Antonio Berni, Oscar Bony, Feliciano Centurión, Jorge De la Vega, Paz Errázuriz, Ricardo Garabito, Annemarie Heinrich, Fernanda Laguna, Las Yeguas del Apocalipsis, Liliana Maresca, Anna María Maiolino, Marisol, María Martins, Mónica Mayer, Marta Minujín, Marcelo Pombo, Wanda Pimentel, Marcia Schvartz e Grete Stern, entre outros, que representaram, nas repúblicas latino-americanas, a experiência dos corpos insubordinados – aqueles que não se ajustam aos esquemas estabelecidos pela sociedade, que escapam aos modelos patriarcais e buscam reconhecimento (MALBA, 2016b).

América indígena, América Negra tratou da dupla negação sobre a qual se fundamentou o “descobrimento” da América: a da população originária e a que foi transferida da África para o trabalho escravo nas plantações e minas. Buscou-se contestar a representação tradicional desses povos na história: tanto o indígena idealizado e exotizado, como o afrolatinoamericano ignorado e invisibilizado pela história da arte e que, apenas recentemente, passou a ser contemplado pelos relatos curatoriais. Participaram desse núcleo obras de artistas como:  Claudia Andujar, Miguel Covarrubias, Tarsila do Amaral, Emiliano Di Cavalcanti, Pedro Figari, Anna Bella Geiger, Frida Kahlo, Wilfredo Lam, José Carlos Martinat, Ana Mendieta, Luis Ortiz Monasterio, Héctor Poleo, Cándido Portinari, Jesús Ruiz Durand e Xul Solar, entre outros (MALBA, 2016b).

Nesses núcleos, convivem obras de diferentes períodos históricos e de uma multiplicidade de formatos: pinturas, desenhos, fotografias, vídeos, livros, documentos históricos e instalações. Vale destacar também que 40% dos artistas participantes da mostra são mulheres. Giunta explica que a exposição foi pensada como um novo giro na coleção, para que se pudesse entender de uma nova forma peças que o público já conhecia. Para a curadora, trata-se de dar relevância, importância e centralidade às palavras, aos termos, a todas as nominações que surgem da própria história latino-americana, colocando esses termos no centro da discussão. A equipe curatorial propôs contar histórias, ao invés de realizar uma classificação por anos e estilos: histórias que tenham mais a ver com ter vivido no continente nos séculos XX e XXI e entrado em contato com distintas realidades sociais e culturais (LA CAPITAL, 2016).

Também a museologia da exposição, de acordo com Pérez-Rubio (2016), foi concebida a fim de minimizar as imposições determinadas pelas instituições modernas, de modo que o espaço formulado esteve alinhado ao conceito de “narrativa aberta”. Assim, enquanto as galerias inevitavelmente traziam alguns imperativos, a intenção dos curadores foi a de empoderar os visitantes a decidir por si próprios, oferendo diferentes caminhos possíveis.  

Para Juan José Santos (2018), de modo geral, a exposição, com sua promessa de um novo vocabulário, permite-nos rearticular a história da arte latino-americana ao desconceituar o cânone, valorizar as vozes femininas e afirmar o “local”. Para ele, trata-se de uma vitória significativa, uma vez que, por décadas, as vozes de artistas latino-americanos foram excluídas dos centros hegemônicos (SANTOS, 2018).

Cabe ressaltar a maneira transversal como as questões levantadas por Verboamérica foram discutidas por meio de diversas atividades e propostas realizadas pelo Museu. Como exemplos, destacamos a entrevista aberta com os curadores Andrea Giunta e Agustín Pérez Rubio, por Daniel Molina, acerca das linhas curatoriais e as origens da exposição; o seminário MALBA XV – Desclasificar el canon. Nuevos modelos de colecionismo y exhibición para el arte latino-americano; palestras sobre as obras de artistas participantes da exposição, realizada por diversos pesquisadores e curadores; o projeto Ciclo de Autores Verboamérica, em que autores latino-americanos foram convidados para desenvolver um processo de investigação, diálogo e criação de textualidades a partir da exposição; visitas guiadas realizadas pela equipe educativa do Museu, abordando temas como direitos humanos e questões de gênero, a partir da exposição. Destaca-se também a edição do catálogo da mostra, que apresenta ensaios curatoriais e um glossário de termos, nomenclaturas e definições a serem pensados como parte de um vocabulário próprio, latino-americano.

Nesse sentido, Verboamérica se coloca como uma reescritura possível da história moderna e contemporânea da América Latina. De acordo com Pérez Rubio, assumindo as obras e conceitos que foram núcleos das vanguardas europeias, o projeto tenta degluti-los e acrescentar componentes e termos locais, sendo que uma parte crucial do projeto reside na potência da linguagem para criar realidades e construir mundos, e não meramente representá-los (MALBA, 2016a). O glossário contém termos não apenas estilísticos e artísticos, mas também políticos, sociais, literários e cinematográficos, como “ativismo”, “ditadura militar”, “pós-colonialismo” e “LGBT”. Além disso, pesquisadores, estudantes e o público geral foram convidados a sugerir novos conceitos por meio da página do MALBA na internet, a serem analisados por um comitê assessor, a fim de ampliar progressivamente o projeto para além da exposição (MALBA, 2016b).

De acordo com Pérez-Rubio (2016), Verboamérica buscou estender-se para além da especificidade de uma mostra, fazendo parte de um contexto mais amplo da pesquisa compreensiva do museu com relação à sua coleção. Tal pesquisa preocupa-se, particularmente, com os mecanismos da linguagem como uma maneira de recriar e ativar a realidade latino-americana com base em termos, definições e nomenclaturas que podem ser visualizadas como um vocabulário específico da região. Nesse sentido, Verboamérica propõe uma possível reescritura da história moderna e contemporânea da América Latina.

Tomando como objeto de estudo a exposição Verboamérica, foi possível observar uma mudança na configuração dos programas de alguns museus nas últimas décadas, os quais têm se esforçado para atender às necessidades de seu público, suas comunidades e do contexto local, por meio da abordagem de questões e temas imprescindíveis à sociedade contemporânea, em um processo de construção coletiva de conhecimento que passa pela reformulação de narrativas canônicas e excludentes da história da arte. Para tanto, essas instituições passaram a diversificar as atividades de seus programas, de modo que essas importantes questões perpassem todas elas. Nesse sentido, notamos como tem sido crucial, aos curadores, retrabalhar as coleções históricas de museus a fim de propor releituras e deslocamentos de obras já conhecidas, porém sob perspectivas renovadas. Tais iniciativas mostram-se importantes, ademais, por ratificarem a relevância das coleções diante da demanda por novidade – percebida, muitas vezes, apenas nas exposições temporárias.

Notas de Rodapé

1  [the post-musem] is, however, not limited to its own walls, but moves as a set of process into the spaces, the concerns and the ambitions of communities (HOOPER-GRENHILL, 2007, p. 82).

Referências Bibliográficas

BISHOP, Claire. Radical Museology. Londres: Koening Books, 2013.

ENWEZOR, Okwui. The Postcolonial Constellation: Contemporary Art in a State of Permanent Transition. Research in African Literatures, Bloomington: Indiana University Press, vol. 34, n. 4, p. 57-82, 2003.

HOOPER-GREENHILL, Eilean. Interpretive Communities, Strategies and Repertoires. In: WATSON, Sheila (org.). Museums and their Communities. Nova Iorque: Routledge, 2007, p. 98-116.

KRAUSS, Rosalind. The Cultural Logic of the Late Capitalist Museum. October, v. 54, p. 3-17, outono, 1990.

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MALBA. Verboamérica. 2016b. Disponível em: http://www.malba.org.ar/evento/verboamerica/. Acesso em 28/10/18.

RUBIO, A.P. Open History, Multiple Time. A New Turn on the MALBA Collection. In: GIUNTA, A.; RUBIO, A.P (Orgs.) Verboamérica. MALBA Collection. Buenos Aires: Platt Grupo Impresor, 2016, p. 33-54.

SANTOS, Juan José. Freeing Latin American Art from Eurocentric Curating. Momus. 16 de janeiro de 2018. Disponível em: http://momus.ca/freeing-latin-american-art-eurocentric-curating/. Acesso em: 28 out. 2018.

WEIL, Stephen. From Being About Something to Being For Somebody. The Ongoing Transformation of the American Museum. In: ANDERSON, Gail. Reinventing the Museum. The Evolving Conversation on the Paradigm Shift. Plymouth: AltaMira Press, 2012, p. 170-190.

Lista de Imagens

Entrada da exposição Verboamérica, MALBA, Buenos Aires, 2016. Fotografia: Javier Agustín Rojas.

  Entrada da exposição Verboamérica, MALBA, Buenos Aires, 2016. Fotografia: Javier Agustín Rojas.