ARTE ISLÂMICA
VERBETE DE ALEXSANDER CANDIDO DE BRITTO
Bacharel em História da Arte pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IA-UFRGS), pesquisador associado do Laboratório de Estudos da Antiguidade Oriental (LEAO-UFRGS).
RESUMO
Conceito criado por historiadores no século XIX para definir a produção artística do Oriente Próximo, a partir do século XX a arte islâmica é compreendida não apenas pelo viés religioso, mas como a arte de uma cultura diversificada, reconfigurando galerias de museus, exposições e a escrita da história da arte da Antiguidade.
Revista Arte ConTexto
REFLEXÃO EM ARTE
ISSN 2318-5538
V.6, Nº15, JAN., ANO 2019
VERBETES DA ARTE
Segundo Jane Turner, arte islâmica é “a arte feita por artistas ou artesãos cuja religião é o Islã, para os patronos que viviam em terras predominantemente muçulmanas ou para fins restritos ou peculiares a uma população ou a um ambiente muçulmano”1. O problema com a definição de Turner está no fato de analisar a cultura material de uma civilização diversa pelo viés religioso, e não como um fenômeno cultural. Após a publicação de Orientalismo (1979), de Edward Said (1935 – 2003), a história e a cultura do Oriente Próximo passaram a ser repensadas na Europa e na América, uma vez que, como sugere Said, o Oriente não passa de uma invenção do Ocidente. Em Die Länder des Islam. Geschichte, Traditionen und der Einbruch der Moderne (2008), Arnold Hottinger (1926) afirma que o “Islã” não existe e que é impossível falar sobre o mundo oriental reduzindo-o a uma única expressão globalizada. Por ser uma ramificação do espectro do Orientalismo, definir precisamente o que é arte islâmica é uma tarefa difícil.
Para Oleg Grabar, o estudo da arte islâmica requer, antes de tudo, um melhor entendimento sobre o que a cultura islâmica pensa sobre si mesma (GRABAR, 1983). O cânone, geralmente definido como arquitetura, caligrafia, motivos vegetais e geométricos, representa uma convenção eurocêntrica. Como infere Avinoam Shalem, “a divisão ocidental das artes visuais nas categorias específicas de arquitetura, escultura e pintura segue a sistematização hegeliana das artes visuais. Os historiadores da arte islâmica também devem aceitar essa classificação?”2 (SHALEM, 2012, p. 8).
Não existem evidências de qualquer artista ou patrono, nos quatorze séculos desde a revelação do Islã, que tenha pensado sobre sua arte como “islâmica”, e a noção de uma tradição distintamente “islâmica” de arte e arquitetura, eventualmente abrangendo os territórios entre os oceanos Atlântico e Índico, é um produto da erudição ocidental dos séculos XIX e XX, assim como a terminologia usada para identificá-la. (BLAIR; BLOOM, 2013, p. 153)3
Se o cânone da arte ocidental não preenche as necessidades da arte islâmica, termo cunhado pela própria historiografia ocidental, sem violar o éthos de uma cultura diversificada, acredito ser possível defini-la pelo que não é: “nem uma religião, nem um período, nem uma escola, nem um movimento, nem uma dinastia, mas a cultura visual de um lugar e época de quando as pessoas (ou ao menos seus líderes) adotaram uma religião específica”4 (BLAIR; BLOOM, 2003, p. 159). O Domo da Rocha em Jerusalém, a Madrasa Amiriya de Rada no Iêmen, a Grande Mesquita de Isfahan no Irã, o Palácio Topikap na Turquia, joias, tapeçarias, iluminuras e pinturas que narram a vida do Profeta Maomé (c. 571 – 632 d. C.) e de líderes dos impérios da Antiguidade, como Safávida, Omíada, Mameluco, Otomano, além de uma gama de objetos organizados em coleções de museus ao redor do mundo são evidências grandiosas da diversidade da arte no chamado mundo islâmico.
Notas de Rodapé
1 “The art made by artists or artisans whose religion was Islam, for patrons who lived in predominantly Muslim lands, or for purpose that are restricted or peculiar to a Muslim population or a Muslim setting.” Definição retirada de “Islamic Art”. In: The Dictionary of Art, ed. Jane Turner (London: Macmillan, 1996), vol. 16. Traduções feitas e revisadas pelo autor.
2 “…the Western division of the visual arts into the specific categories of architecture, sculpture, and painting follows the Hegelian systematization of the visual arts. Should Islamic art historians also accept this classification?” (SHALEM, 2012, p. 8).
3 “There is no evidence that any artist or patron in the fourteen centuries since the revelation of islam ever thought of his or her art as ‘islamic’, and the notion of a distinctly ‘islamic’ tradition of art and architecture, eventually encompassing the lands between the Atlantic and the Indian ocean, is a product of late nineteeth and twentieth-century Western scholarship, as is the terminology used to identify it” (BLAIR e BLOOM, 2013, p. 153).
4 “…neither a religion, nor a period, nor a school, nor a movement, nor a dynasty, but the visual culture of a place and time when the people (or at least their leaders) espoused a particular religion” (BLAIR e BLOOM, 2003, p. 153).
Referências Bibliográficas
BLAIR, Sheila; BLOOM, Jonathan. The Mirage of Islamic Art: Reflections on the Study of an ‘Unwieldy’ Field. The Art Bulletin, vol. 85, n. 1, p. 152-184, mar. 2003.
GRABAR, Oleg. The Formation of Islamic Art. Yale University Press, 1973.
______. What Makes Islamic Art Islamic? In: Islamic Art and Beyond, volume III: Constructing the Study of Islamic Art. Hampshire: Ashgate Publishing Limited, 2006. First published in AARP, n.9, p1-3, 1976.
SHALEM, Avinoam. What do we mean when we say “Islamic art”? A plea for a critical rewriting of the history of the arts of Islam. Journal of Art Historiography, n. 6, 2012/2. Disponível em: https://arthistoriography.files.wordpress.com/2012/05/shalem.pdf.
Lista de Imagens
1 Qubbat As-Sakhrah [Domo da Rocha] em Jerusalém, construído no século VII. Arquitetura: Omíada, Abássida e Otomana. Declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1982. Autor: BANDARIN, Francesco. Copyright: © UNESCO. Fonte: whc.unesco.org/en/documents/108356
2 Qubbat As-Sakhrah [Domo da Rocha]. Detalhe iconográfico: caligrafia, motivos vegetais e geométricos. Fachada azulejada (2013). Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Dome_of_the_Rock