COR AZUL

VERBETE DE VALDRIANA CORRÊA

Bacharel em História da Arte pela UFRGS, apresentou seu Trabalho de Conclusão de Curso sobre o Azul na História da Arte. Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/4852427950231903

RESUMO

A cor azul tem sido, ao longo dos séculos, uma fonte de fascínio para artistas e amantes da arte. Uma cor cercada de significados, simbologias e representações culturais. Apresentamos aqui algumas de suas particularidades e características que colaboraram para a ascensão desta cor ao longo da história da arte ocidental.

Revista Arte ConTexto

REFLEXÃO EM ARTE
ISSN 2318-5538
V.6, Nº15, MAR., ANO 2019
VERBETES DA ARTE

Difícil e caro de adquirir, o azul raramente era visto fora das vestimentas reais, das representações de figuras religiosas ou de outras elites na arte medieval e renascentista. Mesmo nessas circunstâncias, ele era usado com moderação. O pigmento, usado desde o antigo Egito, para criar a tinta azul era extraído do lápis-lazúli, uma pedra semipreciosa, que era trazida pela rota da seda de uma região ao norte do Afeganistão. O azul ultramarino chegou a ter o seu valor comercial equiparado ao valor do ouro. No Renascimento, era o pigmento mais importante e valioso, a tal ponto que vários contratos1 expressamente obrigavam o pintor a usá-lo e outros estabeleciam que o mesmo fosse pago à parte ou fornecido diretamente pelo contratante, cláusulas estas que, além do ultramarino, geralmente só envolviam o ouro (BAXANDALL, 1988). A escassez da cor rapidamente estabeleceu o azul como um símbolo não só da riqueza material, mas também da espiritualidade. O manto da Virgem Maria passou a ser representado pela cor azul tendo em vista que essa era a cor mais preciosa e a pura representação do divino (CAGE, 2012 p.122 e 130). O azul passa a desempenhar um papel essencial, porque, “como o ouro, o azul é luz, luz divina, luz celeste, luz sobre a qual, e durante vários séculos, haverá na arte ocidental quase uma sinonímia entre a luz, o ouro e o azul” (PASTOUREAU, 2010 p. 49). A partir do século XII, as catedrais góticas sofrem uma transformação quando a luz passa a fazer parte dessa representação do divino. Através dos vitrais que inundam de luz o ambiente, que anteriormente era escuro e soturno, a cor azul ganha destaque. Na Catedral de Chartres, na França, o tom de azul utilizado nos seus vitrais é tão peculiar e resistente ao tempo, que recebeu o nome de bleu de Chartres2. Na Inglaterra e na França, por volta do século XIII, as casas reais adotam a cor azul como sendo a cor oficial da realeza. O azul torna-se a cor dos reis, dos príncipes, dos nobres e dos patrícios, continuando o vermelho a ser a cor emblemática e simbólica do poder imperial e do papado (PASTOUREAU, 2006). Mesmo que os pigmentos sintéticos tornassem a cor mais acessível, o azul manteve seu status como uma tonalidade poderosa e expressiva, desempenhando um papel central na história da arte. Os atributos puramente formais da cor azul incluem seu poder único para denotar espaço e distância, assim como é usado para criar a ilusão de volume e manipulado para sugerir tridimensionalidade. Leonardo Da Vinci fala sobre isso em sua teoria da perspectiva aérea, “[…] existe uma perspectiva que se denomina aérea e que, pela degradação dos matizes no ar, torna sensível a distância dos objetos entre si, mesmo que todos estejam no mesmo plano” (apud PEDROSA, 2014, p. 49). Da fase azul de Pablo Picasso, passando pelo azul atmosférico de Claude Monet e Paul Cézanne, sem deixar de citar os azuis na obra de Vincent Van Gogh, a cor azul transitou, de forma elementar, por toda a linha do tempo da história da arte. Teve sua grande ascensão na era moderna com o IKB, International Klein Blue, de Yves Klein, um pigmento exclusivo patenteado por ele em 1960, que segundo ele era “a mais perfeita expressão do azul” (WEITEMEIER, 2005, p. 48). Yves Klein uma vez descreveu a pintura monocromática como uma “janela aberta para a liberdade” (WEITEMEIER, 2005, p. 48) e, por meio de suas atividades artísticas, procurou representar a infinitude. A época azul de Yves Klein constituía um ponto de chegada, através de um longo período de exploração da cor em busca da cor pura. A tonalidade pretendia evocar o espaço perceptivo onde a terra é indivisível do céu. A partir de então, o azul ganha grande destaque na arte contemporânea como uma cor muito utilizada como marcador visual. Seja um símbolo de espiritualidade ou riqueza material, tristeza ou força, espaço ou vazio, não há dúvida de que a cor azul tem servido de inspiração para diversos artistas, e o eco dessa inspiração é sentido através dos tempos até a contemporaneidade.

Notas de Rodapé

1  Na questão da cor do manto da Virgem, frequentemente mencionado nos contratos italianos como o mais caro azul ultramarino. Os contratos do Renascimento eram documentos legais que se referiam a materiais e mão de obra, e representavam as vontades do comissionamento do patrono, cujos interesses estavam representados e cuja produção foi regulamentada pela guilda. Esses contratos ecoam os requisitos das guildas sobre a autenticidade dos pigmentos valiosos e substituições indevidas, inclusive de metais preciosos por outros (GAGE, 1993, p. 129).

2  Disponível em: http://visite-chartres.fr/le-bleu-de-chartres/ acessado em 11/09/2018.

Referências Bibliográficas

BAXANDALL, Michael. O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

GAGE, John. A cor na arte. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

PASTOUREAU, Michel. Azul: historia de un color. Madri: Espasa Libros, 2010.

PEDROSA, Israel. Da cor a cor inexistente. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2014.

WEITEMEIER, Hannah. Klein. São Paulo: Paisagem, 2005.

Lista de Imagens

1 Yves Klein (1928-1962), IKB 3, 1960, pigmento puro azul e resina sintética sobre tela, montado sobre madeira, 199 x 153 cm, Musée National d’Art Moderne, Centre George Pompidou, Paris. Crédito da foto: © Departamento de Documentação Fotográfica da MNAM. Centre Pompidou, MNAM-CCI / Dist. RMN-GP © Yves Klein / Adagp, Paris.