É NECESSÁRIO AVISAR O PRESENTE LEITOR

TEXTO-OBRA DE AGRIPPINA R. MANHATTAN

Agrippina R. Manhattan é artista, pesquisadora e travesti. Graduanda em História da Arte pela EBA-UFRJ, seus trabalhos dialogam com as questões de gênero, identidades, estética e arte conceitual.

RESUMO

O presente texto visa desenvolver uma relação com o caráter performativo da escrita a partir de uma experimentação da obra de Richard Serra e Nancy Holt. A autora parte dos trabalhos de ambos para desenvolver uma escrita em fluxo e de deriva mostrando o abismo que existe entre pensamento, palavra e escrita.

Revista Arte ConTexto

REFLEXÃO EM ARTE
ISSN 2318-5538
V.5, Nº14, JUL., ANO 2018
PENSAMENTO E AÇÃO DE SUBSISTÊNCIA

É necessário avisar o presente leitor de tópicos antes de adentrar no objeto em si. Se é que haverá um leitor, questão essa com a qual ocasionalmente me deparo; será que o que escrevo encontrará um leitor? Eu digo eu. Eu percebo minha atitude pessoal. Eu temo o anonimato. Eu escrevo. Eu faço uso da palavra.
Quando escrevo, sinto que a solidão constante que vivencio se dissipa. Como se ao escrever pudesse automaticamente ser ouvida, como se achasse na palavra um confidente. Essa no entanto é, bem sei, uma mentira. Sinto que sou como Nancy Holt no vídeo de Richard Serra, falando em loop e escutando a mim mesma.

Ao falar em loop me confundo, sinto agora tremenda dificuldade para colocar as palavras no papel, as ideias que tive mais cedo e que pareciam antes tão claras agora parecem opacas. Escrevo com sono, escrevo, pois, preciso escrever. Preciso entregar textos para a faculdade, preciso escrever para ser ouvida, preciso escrever para fazer sentido para mim mesma. Preciso preciso so so preciso so escrever escrever er er r.
Escrevo agora em fluxo, quero fazer este exercício. Senti a necessidade de voltar ao que disse antes para mudar a estrutura, mas não o farei. Quero escrever me escutando. Acho importante escrever como escrevo, pois este texto tem aqui um lugar fundamental. Este texto é em si um site-specific. Se alguém está lendo este texto sabe para onde ele foi pensado. Sim, é aqui. Se por ventura este texto for removido ou o site apagado seu destino é a morte. Se for o caso, esta frase não será jamais lida. De certo modo escrevo agora uma morte/vida tal qual o gato de Schrödinger.

Uma vez me foi dito que a pior forma de se escrever um texto era colocar nele as coisas que se estava pensando no momento. Então certamente este texto será, por essa pessoa e aquelas que acreditam nisto, considerado um texto terrivelmente mal escrito. Curiosamente ainda estou o escrevendo. Ele sobrevive. Sobrevivo. Acho que é a hora de revelar que este texto é o objeto de si próprio. Confesso que voltei para editar algumas coisas.

Me pergunto se o que escrevo é importante. Sinto constantemente uma dúvida sobre meu trabalho. Eu recebo para escrever. Acredito que escrevo bem. O suficiente para ser paga? É trabalho, mereço ser paga. Às vezes ao escrever esqueço o que quero escrever. Esta frase por exemplo, não quer dizer absolutamente nada. E ainda assim eu decido escrevê-la. É impressionante o poder que a palavra tem, especialmente a palavra escrita. Parece-me que o simples (simples?) ato de escrever, a decisão de registrar, de solidificar o que se pensa carrega em si uma enorme carga simbólica. Símbolo é palavra, palavra é símbolo.

A história tradicional define o começo da história de fato quando o homem descobre a linguagem, há aproximadamente 3000 anos antes de Cristo. Fayga Ostrower, em conferência, disse que isso se deve ao reconhecimento, por parte do homem pré-histórico, de sua própria mão e do poder que ela tem. Ela escreve também que quando diz isso todos olham institivamente para a própria mão. Eu agora olho minhas mãos escrevendo, pairando sobre as teclas, escrevo rápido. Acho lindo.

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Uma Revisão

Este texto não foi escrito para estar aqui, escrevi para publicar no site da minha orientadora. Reutilizo o texto porque senti saudades dele. O reutilizo pois comecei a questionar sua característica de site-specific. Eu movi o texto, e ele continuou vivo. Só que ele agora é outro, tudo bem eu também sou outra agora. Acho que esse texto aqui tem mais chance de ser lido e essa possibilidade me apavora. Só recentemente eu me dei conta que a palavra Publicação significa Tornar Público e o que antes me parecia ser apensas tinta e papel se transformou em uma exposição em praça pública.

Esse texto é matéria plástica que se acumula, acumulou e acumulará. Sinto, irei revisitá-lo mais vezes quando ele for outro e eu for outra. Esse texto foi originalmente publicado em https://riocontemporaneo.wixsite.com/arte/single-post/2017/07/01/%C3%89-necess%C3%A1rio-avisar-ao-presente-leitor. Sinto necessidade de continuar avisando ao leitor. Sinto necessidade de agradecer a minha orientadora Liliane, por este texto e por muitas coisas que talvez não caibam aqui.

Sinto necessidade de continuar avisando do perigo que sou. Sou linda, mas perigosa; inteligente, mas nem tanto; quieta, mas que não para de falar; uma miss só que feia, que escreve sem saber pra que, mas sabendo pra quem; mais desejante do que desejada, que escreve sem saber pra quem, mas sabendo exatamente o porquê. E nisso escrevo pra me lembrar que sou normal quando me dizem o contrário e pra ter certeza que sou esquisita quando me sinto terrivelmente banal.

Acho que não faz mais sentido escrever, mas queria chegar ao final da página.

Lista de Imagens

1   Richard Serra e Nancy Holt, Boomerang, 1974, vídeo 10’27”. Fonte: https://www.moma.org/collection/works/143808

2   Lygia Clark e Hélio Oiticica, Diálogo de mãos, 1966, fotografia. Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Figura-9-Lygia-Clark-e-Helio-Oiticica-Dialogo-de-maos-fotografia-1966_fig4_313776283

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DESPENTES, Virginie. Teoria King Kong. Rio de Janeiro: N-1, 2006.

KERN, Keila. Marcel Broodthaers: Museu de Arte Moderna Departamento das Águias agora em português. São Paulo: Tese apresentada à Escola de Comunicações e Artes para obtenção do título Doutora em Artes, 2014.

OSTROWER, FaygaUniversos da Arte. Rio de Janeiro: Campus, 1983.