FURTACOR
TEXTO CURTO DE Lindomberto Ferreira Alves & Amanda Amaral
Lindomberto Ferreira Alves – Artista-educador, arquiteto-urbanista e pesquisador. Mestrando em Teoria e História da Arte pelo Programa de Pós-Graduação em Artes (UFES). Atua com arte-educação e mediação cultural desde 2018. E-mail: lindombertofa@gmail.com.
Amanda Amaral – Artista-etc e artista-educadora. Licenciada em Artes Visuais (UFES). Atua com arte-educação e mediação cultural desde 2014. E-mail: amaralamg@gmail.com.
RESUMO
O presente texto problematiza o lugar ocupado pelo sujeito lançado à condição de mediador cultural, estabelecendo, pelo viés estético, uma autocrítica sobre os processos em arte-educação em disputa na contemporaneidade.
Revista Arte ConTexto
REFLEXÃO EM ARTE
ISSN 2318-5538
V.6, Nº16, DEZ., ANO 2019
ARTE E EDUCAÇÃO
A artista-educadora, professora e pesquisadora alemã Carmen Mörsch (2009) aponta a presença de pelo menos quatro tipos de discursos distintos sobre a função da educação em museus e/ou instituições culturais. De acordo com suas reflexões1, dois deles prevalecem e são visivelmente dominantes no âmbito da gestão das ações educativas nesses espaços: o discurso afirmativo e o discurso reprodutivo. Enquanto outros dois, além de raros e incomuns, opõem-se à política de gestão das ações educativas afirmativas e/ou reprodutivas: o discurso desconstrutivo e o discurso transformativo.
Segundo Mörsch (2009), no âmbito do discurso afirmativo, a arte é operada como um campo restritivo, cujas ações educativas são elaboradas por especialistas autorizados institucionalmente, fomentando práticas especializadas dirigidas a um corpus social historicamente privilegiado. O discurso reprodutivo, por sua vez, baseia-se no entendimento de que ainda existem barreiras simbólicas que o público dito como não especializado precisa superar para acender a essas instituições e aos domínios dos saberes essencialmente artísticos. No âmbito do discurso desconstrutivo, as estratégias educativas têm como principal objetivo examinar, criticamente, junto aos seus públicos, a natureza autorizada da instituição cultural e da arte, bem como relativizar, por meio da chamada crítica institucional, o “paternalismo unidirecional” (MÖRSCH, 2016, p. 04) dos cânones que têm lugar dentro desse contexto. No discurso transformativo, as ações educativas implicam a expansão dos espaços, no intuito de remodelar as próprias estruturas organizacionais, constituindo-os como agentes de transformação social.
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Conforme pondera Carmen Mörsch (2009), é importante que esses discursos não sejam apreendidos em termos de níveis de desenvolvimento das perspectivas institucionais sobre a mediação e a educação em museus e instituições culturais na atualidade. Na prática, versões desses discursos operam simultaneamente nas concepções educativas transmitidas por essas organizações, no modo como elas e seus agentes internos consideram que a relação entre educação/mediação deve funcionar e a quem se dirigir.
Dito isso, jogando com os efeitos do campo reflexivo e discursivo instituído pelo projeto “MERGULHO: experiência imersiva em arte e educação”2 – em grande parte motivado pelas investigações de Carmen Mörsch e inspirado na assertiva do artista-educador uruguaio Luis Camnitzer, que entende “a arte como um processo educativo e, por consequência, a educação como uma atividade artística e transformadora” –, a obra intitulada Furtacor(2018) é fruto do interesse em problematizar o lugar ocupado pelo sujeito lançado à condição de mediador, estabelecendo, pelo viés estético, uma autocrítica sobre os processos em arte-educação explorados pelos artistas-educadores e mediadores culturais Lindomberto Ferreira Alves e Amanda Amaral.
Partindo da questão “Mediação: que lugar é esse?”, a obra teve como objetivo central evidenciar, por meio do espectador da ocupação MERGULHO_estratégias para emergir3, as tensões que atravessam os corpos daqueles que se colocam na condição de mediador, no âmbito da mediação cultural, experimentando, irrevogavelmente e sem reservas, confrontar-se com os múltiplos discursos que coabitam esse lugar.
Não se trata de um lugar confortável o que é ocupado pelo sujeito lançado à condição de mediador – termo que preferimos evitar, pois as competências atribuídas a essa denominação, via de regra, não excedem os discursos afirmativos e reprodutivos, reificando-os. Também não é confortável para aqueles que rapidamente vestem a camisa e se enquadram ao perfil traçado pelo arranjo organizacional da instituição, que dirá para os que tomam esse lugar como domínio eminentemente político, lançando luz sobre os impasses e as contradições que a relação educação/mediação vem enfrentando, repensando novos modelos de atuação institucional e discutindo os possíveis entrecruzamentos entre arte e educação.
Nesses termos, a obra se consistiu na inserção de um objeto – uma cadeira reversível para uma escada – posicionado no espaço contíguo à janela localizada à frente da escada de acesso para o espaço expositivo (Imagem 2). A janela permaneceu aberta durante todo o período de duração da ocupação, com a cadeira disposta entre as folhas da janela aberta, inicialmente com seu encosto junto à parede. Ao chão, uma faixa de sinalização foi fixada, estabelecendo, assim, um perímetro no qual a proposta se realizou. Dispersas, dentro e fora do espaço expositivo, foram distribuídas frases, impressas em plotagem de tipo recorte, e que só puderam ser lidas com o auxílio de dois binóculos, colocados à disposição do espectador-participador sobre o acento da cadeira. Junto aos binóculos, um mapa (Imagem 3) orientou o fruidor da obra acerca da localização das frases, cuja narrativa, lida em sequência, conduziria à reversão da cadeira em escada (Imagem 4).
Assim, a obra buscou, por meio de uma experiência temporária de inflexão plástica, poética e estética, visibilizar os embates travados entre os possíveis desconstrutivos e transformativos que orbitam o imaginário da prática da mediação – sempre cambiante, cuja abordagem é alterada conforme o sujeito que a ocupa – e os métodos e as estratégias de mediação e educação museal, afirmativos e reprodutivos, levados a cabo pelas instituições de cultura na contemporaneidade.
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Notas de Rodapé
1 Fruto de suas investigações como coordenadora de pesquisa junto ao programa educativo da Documenta 12 (Kassel), realizada em 2007. As experiências, as investigações e o trabalho educativo desenvolvido dentro desse contexto foram publicados no livro Documenta 12 Education, o qual foi dividido em dois volumes. Para mais informações sobre o tomo 1 ver: GULEC, Ayse; HUMME, Claudia; PAZERFALL, Sinja; SCHOTKER, Ulriche; e WIECZOREK, Wanda. (Org.). Documenta 12. Education I. Engaging Audiences, Opening Institutions. Methods and Strategies in Gallery Education at documenta 12. Institute of Arte Education /Diaphanes, Zurich, Berlin, 2009. Para informações sobre o tomo 2 ver: MÖRSCH, Carmen (org.). Documenta 12. Education II. Between Critical Practice and Visitor Services Results of a Research Project. Institute of Arte Education /Diaphanes, Zurich, Berlin, 2009.
2 O projeto “MERGULHO: experiência imersiva em arte e educação” foi uma proposta de formação em arte educação que visou promover, no contexto do Espírito Santo, o debate em torno dos processos educativos em artes visuais, no que se refere a práticas que atravessam a mediação cultural, curadoria educativa, educação patrimonial e outros processos educativos em arte (formais, não formais e/ou informais). O projeto foi realizado na cidade de Vitória/ES, durante os meses de julho e agosto de 2018, no Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio Del Santo (MAES), Vitória/ES, Brasil. Para mais informações sobre o projeto acessar: https://www.eumergulho.com.br/.
3 A ocupação MERGULHO_estratégias para emergir tratou-se da atividade de encerramento do projeto “MERGULHO: experiência imersiva em arte e educação”, na qual os artistas-educadores participantes desenvolveram, ao longo do dia 08 de setembro de 2018, uma série de proposições artísticas centradas no debate de poéticas experimentais e no engajamento político do campo da mediação cultural. A ocupação foi realizada nas dependências e no entorno imediato do Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio Del Santo (MAES), Vitória/ES, Brasil.
Referências Bibliográficas
MÖRSCH, Carmen. Numa encruzilhada de quatro discursos. Mediação e educação na documenta 12: entre afirmação, reprodução, desconstrução e transformação. Periódico Permanente, n. 6, p. 1-32, fev. 2016. Disponível em: http://www.forumpermanente.org/revista/numero-6-1/conteudo/numa-encruzilhada-de-quatro-discursos-mediacao-e-educacao-na-documenta-12-entre-afirmacao-reproducao-desconstrucao-e-transformacao. Acesso em: 14 jun. 2019.
Lista de Imagens
1 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.
2 Local de inserção da obra “Furtacor” (2018) no espaço expositivo.
3 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.
4 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.
5 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.
6 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.
7 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.
8 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.
9 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.
10 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.
11 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.
12 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.
13 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.
14 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.
15 Amanda Amaral & Lindomberto Ferreira Alves, Furtacor, 2018, objeto/instalação, dimensões variáveis. Fotografia: Lindomberto Ferreira Alves.