1, 2 e 3 GRINDON, Gavin; JORDAN, John. Guia para exigir o impossível. Londres: Labofii, Laboratory of Insurrectionary Imagination, dezembro de 2010.
MILHO AOS POMBOS
TEXTO-OBRA DE NATHAN BRAGA
nathan braga, 22 — rj
artista visual }nesse momento sempre me pergunto se a palavra a ser riscada é visual ou artista // qual delas se diluiu?{ graduando pela UERJ
graduando em estética e teoria do teatro pela UNIRio
formado no programa de práticas artísticas contemporâneas da EAV parque lage
atualmente estuda belas artes na universidade de salamanca, na Espanha.
Revista Arte ConTexto
REFLEXÃO EM ARTE
ISSN 2318-5538
V.5, Nº13, JUL., ANO 2017
DEIXA O TEXTO MANCHAR
aqui dentro, não descansam questões relacionadas à palavra,
em específico
— escrita —
por isso, isso.
hoje eu vou contar uma história sobre uma história,
havia algo inquietante nesse calor, em ter algo ali no meio do caminho
desse calor
e ninguém usar para nada.
havia algo de sedutor naqueles peixes
no calor, esquecidos naquela água que não era própria para nada,
só para os peixes.
havia vontade,
houve abuso de autoridade,
segurança de parede que não conseguiu alegar depredação ao patrimônio público e alegou,
em meio a esse calor,
ser proibido fotografar dentro da universidade.
mas, quando há algo inquietante, não há mais nada.
o desejo por algo que já se propunha fracassado nasce,
agora sei, de minha admiração por espaços vagabundos,
encontrados a partir de deambulações e derivas,
do meu olhar atento ao que desatento todos os dias,
do meu olhar desatento ao que teimo em atentar e que me escapa.
um lago de uma universidade pública da cidade maravilhosa,
espaço-entre,
caminho de ida&vinda,
trânsito,
mas ninguém to be? ser-estar.
me proponho, sem guarda-chuva — para me proteger do
que vem de cima —
ou botas — para pisar nos cacos de vidro que ficam —,
a ativar aquele lugar.
com uma boia de piscina,
leque de plumas rosa,
maiô verde (lindo!),
comida para os peixes.
entro no lago e
boio.
alimento os peixes, que, em alvoroço, mexem a boia.
em menos de 5 minutos, os seguranças iniciam o não.
não pode.
senhor, não pode.
— mas onde que tá escrito? —
não tá escrito.
— então? —
senhor, se retire e pare de filmar e fotografar. você tem autorização?
[e seguiu por aí]
descobri, ali no meio de uma ativação insalubre
1) à minha saúde,
2) à qualidade de vida dos peixes,
que existiam outros lugares mais necessitados de ativação antes.
= sempre odiei as linhas qualitativas, esta não é uma =
proibido fotografar dentro de uma universidade pública,
proibido estudar, tratando-se de um estudante de arte.
questiono a lei, indago o papel,
descubro que algumas leis são feitas de boca, culturais.
“Para desmantelar e reinventar instituições ou sistemas, nós temos que começar pela raiz, com a cultura que as apoia. Cultura é o substrato material da política, é o alicerce lamacento sobre o qual ela é construída, mas esse alicerce não pode ser mudado da mesma forma com que se desfaz uma lei — ele se transforma ao ser infiltrado em nível molecular, através de linhas tortas, poros e buracos, como se fosse escavado por uma velha toupeira abrindo milhões de passagens potenciais e pluridirecionais. Para sua sorte, é aí que você já está.”1
[…]
[pode ser que uma coisa venha antes da outra originalmente]
[…]
“A melhor mídia é o presente. Como disse Joseph Beuys: ‘Não espere para começar, use o que você tem’. Comece de onde você está. Caramba, você já começou.”2
foi então que me dei conta de que os substratos estavam ali,
enraizados, apoiados na cultura,
que eu não poderia prever,
mas que também não poderia mais voltar atrás,
eu precisava seguir em frente,
eu tinha as minhas questões urgentes,
tinha o meu corpo
e tinha amigos —
é importante ter amigos
que funcionem como alicerce —,
então queria deslocar tudo e citar Matheus Simões, Brenda Cristina e Jorge Menna Barreto, amores.
então fui em frente
e cada vez mais.
saí do lago de peixes para o de tubarões,
seguranças em dezenas,
portas de salas que pareciam se multiplicar e pelas quais — todas — eu tinha a sensação de estar entrando para pedir autorização para algo que eu não sabia direito ainda o que era.
DESERTE
procurei me esvaziar, mas sem me perder,
e, a cada pergunta em uma nova sala sobre quem era eu, mil possibilidades surgiam,
então vi que eu podia ser mil.
— eu sou nathan,
— eu sou estudante de artes,
— eu sou viado,
— eu sou escorpiano,
— eu sou ciumento,
— eu sou possessivo,
— eu sou teimoso,
— eu sou irônico.
…
vi na ironia a única saída para lidar com os jogos de poder-saber que estavam sendo exercidos sobre mim em meio ao processo.
ironia//ingenuidade.
mais ironia, por ser ingenuidade proposital.
“Mais informação não vai nos motivar a agir, nem as representações ou as imagens de política. O que nos faz mover é provar o gosto dos sonhos, daquilo que poderia ser, é entrar nas rachaduras por onde outro mundo surge à vista.” 3
depois de uma hora e meia
pra lá
e pra cá,
alguns gritos,
vários nãos,
consigo a autorização para fotografar,
mas não para entrar no lago.
ninguém citou o lago.
que lago?
e foi divagando sobre tudo isso que me dei conta de que qualquer coisa que eu pudesse escrever estaria sendo infiel ao que realmente aconteceu,
ao que eu senti,
ao que me submeti
e ao que me submeteram.
me dei conta de que tudo ainda arde na pele e confunde a minha memória, de tão irrisório.
pela primeira vez, sinto que o mais próximo do real que conseguirei chegar vai ser através do ficcional do filme,
do vídeo com todo o material, personagens, falas e acontecimentos deste dia,
mas que ainda segue em processo.
ironia isso de ser real através do ficcional.
lindo isso.
universidade do estado do rio de janeiro
milhos aos pombos, de nathan braga.
em diálogo direto com:
. o peixe, de jonathas de andrade, exposto na 32ª bienal de arte de são paulo, 2016 — que me ativou a ativar outros lugares.
. proximidade com o conceito da 32ª bienal de arte de são paulo, que trata da incerteza viva — que me instigou ao orgânico.
. livro novas derivas, de jacopo crivelli visconti — que tem sido um mantra.
. livro práticas contemporâneas do mover-se — que me deu a certeza de que sou e quero ser pra sempre, como marcado na pele: en trains de.
. guia para exigir o impossível — que me mostrou que o impossível não existe.
entre novembro de 2016 e
dezembro de 2016