PALAVRA-IMAGEM
VERBETE DE KARINE PEREZ
Professora no PPGART e no Departamento de Artes Visuais, CAL/UFSM. Líder do GPICTO – Grupo de Pesquisa Processos Pictóricos (CNPQ/UFSM). Doutora em Poéticas Visuais pelo PPGAV/UFRGS.
RESUMO
O breve texto trata das relações entre palavra e imagem, em pinturas de René Magritte e no díptico Monte Igueldo 1 (2016), parte de minha produção pessoal.
Revista Arte ConTexto
REFLEXÃO EM ARTE
ISSN 2318-5538
V.6, Nº15, MAR., ANO 2019
VERBETES DA ARTE
As relações entre palavra e imagem foram intensamente investigadas na história da arte, destacando-se a obra do pintor belga René Magritte (1898-1967). O artista coloca em trabalho essas relações na série A traição das imagens (1928-29), ao pintar um objeto e inserir uma frase negando-o, como é o caso do célebre Isto não é um cachimbo (1929, Figura 1). Nessa obra, Magritte afirma a diferença entre um objeto real e a sua representação pictórica, bem como a dessemelhança entre os objetos e as palavras usadas para designá-los. Dessa forma, desestabiliza o público justamente por negar o objeto representado diante de seus olhos no quadro.
Já na pintura A chave dos sonhos (1927, Figura 2), Magritte opera de modo diferente desse procedimento: retrata objetos e, abaixo de cada um, pinta uma palavra que o descreve de modo incorreto. Exemplifico: uma bolsa foi designada como “o céu”, uma folha recebeu o nome “a mesa”. Nesse quadro, apenas a última imagem é representada com seu nome habitual: uma esponja.
É por meio desta última que percebemos o anseio do artista em desorientar o espectador: ao olharmos as primeiras pinturas, habituamo-nos à incompatibilidade entre as palavras e a imagem. Mas, quando observamos a última, em que ambos correspondem, surge a inquietação: por qual motivo apenas a imagem final mostra o que é designado pelo texto?
Percebe-se que as preocupações de Magritte estão em torno da relação ou da falta de relação entre imagem e texto, pois nossa compreensão visual das coisas depende de um nome. Esse processo de nominação acaba por provocar associações imaginárias responsáveis por fundir o objeto à sua definição. Segundo Meuris (2007), Magritte questiona as significações usuais das coisas, bem como procura desorientar os nossos hábitos mentais relacionados a elas. Assim, nos sentimos desorientados quando uma associação tornada habitual, entre imagem e palavra, é rompida.
Giannotti (2009), ao tratar sobre a pintura contemporânea, afirma ser necessário estabelecermos novos vínculos entre imagem e linguagem, pois ambas não podem se subsumirem à representação, sendo importante procurarmos uma dimensão imaginária negada pelo real. Nesse sentido, produzi o díptico fotográfico Monte Igueldo I (2016) (Figura 3), pertencente à série Habitações (2016)1. Ele suscita indagações sobre a superfície e as aparências físicas das coisas, pois as palavras contidas no título e as imagens oferecidas ao olhar não se correspondem, por não existir uma representação figurativa mimética do lugar indicado no título de meus trabalhos. Desse modo, as palavras “Monte Igueldo I” recorrem ao imaginário do espectador, pois as imagens não passam da apresentação de corpos encobertos com têxteis domésticos, encenados para a tomada fotográfica.
As fotografias apresentam os membros ou a cabeça extirpados da composição, “fora-de-campo”2 e encobertos, sendo a figura humana retratada em detalhe, não em sua totalidade. Essas imagens do corpo, quando combinadas por justaposição, tornam-se outra coisa. Desconstroem e reconstroem sentidos.
O fato de as palavras contidas no título não complementarem as imagens de uma maneira descritiva e imediata tem o intuito de pensar a alteridade no autorretrato fotográfico. As palavras do título são um elemento utilizado para tentar tensionar sua ideia tradicional e fugir da mesmidade contida nas aparências físicas do retratado, possibilitando associações imaginárias que lhe abrem a outras interpretações. Assim, a perspectiva de nominar o díptico com as palavras “Monte Igueldo I” é alterar o sentido original das imagens, tecer novas relações, o que pode expandi-lo no contato com o olhar do outro.
Notas de Rodapé
1 Série resultante de minha pesquisa de doutorado, no PPGAV/UFRGS.
2 Aumont (2006, p. 227) considera o campo um fragmento de espaço recortado por um olhar e organizado em função de um ponto de vista. Já o fora-de-campo trata-se do que não será visto pela câmera. Na imagem fixa, como é o caso da fotografia, o fora-de-campo “permanece para sempre não visto, sendo apenas imaginável”.
Referências Bibliográficas
AUMONT, Jacques. A imagem. 11 ed. Campinas: Papirus, 2006.
GIANNOTTI, Marco. Breve história da pintura contemporânea. São Paulo: Claridade, 2009.
MEURIS, Jacques. René Magritte 1898-1967. Köln: Taschen, 2007.
Lista de Imagens
1 René Magritte, Ceci n’est pas une pipe, 1929, óleo sobre tela, 63,5 x 93,98 cm. Los Angeles County Museum of Art, Califórnia. Fonte: http://divinipotent.blogspot.com.br/2013/11
/magritte-again.html
2 René Magritte. La Clef des Songes, 1927, óleo sobre tela, 37, 9 x 54,9 cm. Art Institute of Chicago. Fonte: http://www.artyfactory.com/ art _appreciation/art_movements/surrealist-artists.html
3 Karine Perez, Monte Igueldo 1, 2016, Fotografia digital impressa em papel fotográfico, 57 x 88,5 cm (cada imagem).