PALESTRA-PERFORMANCE

VERBETE DE MARCO CATALÃO

Dramaturgo e pesquisador, desenvolve um projeto de pós-doutorado sobre teoria do teatro na ECA/USP. Este verbete é parte da pesquisa Teatro Virtual, financiada pela Fapesp (processo 2015/07437-0).

RESUMO

A palestra-performance é uma forma híbrida em que os dispositivos de exposição não são concebidos como simples instrumentos subordinados à transmissão de certas ideias; seu efeito performativo é explorado cenicamente de diversas maneiras.

Revista Arte ConTexto

REFLEXÃO EM ARTE
ISSN 2318-5538
V.6, Nº15, MAR., ANO 2019
VERBETES DA ARTE

Palestra-performance, conferência-performance, palestra performática: a indefinição do nome se relaciona ao caráter híbrido e ambivalente da própria forma (LADNAR 2013, p. 12), mas também ao seu estatuto recente como prática artística, que só se torna recorrente a partir do início do século XXI. Produit de circonstances, de Xavier Le Roy, apresentada em 1999, na mesma época em que o termo é usado pela primeira vez (LADNAR 2013, 50), é a obra que marca o início da consideração da palestra-performance como uma prática artística com traços relativamente definidos (PETERS, 2006, 124).

Se toda palestra apresenta elementos cênicos e performativos, a palestra-performance se diferencia de outras modalidades expositivas pelo fato de que nela os dispositivos de exposição não são concebidos como simples instrumentos subordinados à transmissão de certas ideias; seu efeito performativo é explorado cenicamente de diversas maneiras. A ênfase pode recair no corpo do palestrante (como quando Le Roy dança durante sua exposição) ou em sua identidade (como nas práticas heteronímicas de Walid Raad, Aurélio Pinotti e Robert Morris), nos dispositivos técnicos expositivos (veja-se, por exemplo, a utilização de fotografias, mapas e emissões de rádio por Joana Craveiro) , no cenário em que se desenvolve a palestra (como nas apresentações de Hans-Jürgen Frein, que, ao introduzir elementos fictícios e performativos em simpósios acadêmicos, desvela o caráter cênico e performativo do discurso crítico), na fala ou na linguagem utilizada pelo expositor (como ocorre nas palestras irônicas de Éric Duyckaerts).

A palestra-performance é, portanto, uma forma híbrida que conjuga elementos estéticos e discursivos. Por conta dessa hibridez, ela produz uma dupla desarticulação: desmonta os modos habituais de exposição acadêmica, através da inserção de elementos irônicos, ambíguos, paradoxais, imaginativos, ilógicos, irracionais e mistificadores no território habitualmente ascético e asséptico do discurso expositivo; ao mesmo tempo, põe em xeque a caracterização da performance artística como prática não discursiva.

Ladnar (2013, p. 12) caracteriza a palestra-performance como uma apropriação artística da forma palestra; no entanto, há palestras-performances que nascem do movimento oposto, como apropriações expositivas da performance artística por parte de cientistas, críticos e filósofos. É mais apropriado, portanto, caracterizá-la como uma convergência entre a prática expositiva e a artística, sem uma hierarquia definida entre os dois termos. Nesse sentido, a palestra-performance é uma modalidade de “crítica rapsódica”, a prática cada vez mais recorrente na arte e na crítica contemporâneas de exploração do território fronteiriço entre invenção artística e pesquisa científica (CATALÃO, 2014).

O caráter aberto e heterogêneo da conferência-performance torna difícil traçar uma genealogia do gênero. Longe de serem conclusivas, as tentativas de PETERS (2011), LADNAR (2013) e CATALÃO (2017) evidenciam a dificuldade de se estabelecer uma genealogia unívoca para um gênero caracteristicamente híbrido. Ainda assim, podemos citar como antecedentes importantes a performance Como explicar quadros a uma lebre morta, realizada por Joseph Beuys em 1965, a Lecture on nothing, de John Cage (1949), e a peça Os malefícios do tabaco, de Anton Tchékhov (1887).

Referências Bibliográficas

CATALÃO, Marco. Crítica e ficção na análise do teatro contemporâneo. Sala Preta, Revista de Artes Cênicas, São Paulo, 2014, v. 14, nº 2, p. 143-152. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-3867.v14i2p%25p

______. Uma genealogia para a palestra-performance. Urdimento, Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, 2017, v. 1, n. 28, p. 4-14. DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573101282017004

LADNAR, Daniel. The lecture performance: contexts of lecturing and performing. Aberystwyth University, 2013.

PETERS, Sibylle. Der Vortrag als Performance. Bielefeld: Transkript, 2011.

Lista de Imagens

1  Joana Craveiro (Teatro do Vestido), Um Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas. Foto: João Tuna.