Dizem x Apresentam

Seria possível apresentar sem dizer mais por detrás das linhas? Discutíamos o trabalho “Brasília", duas placas quadradas de acrílico preto de um metro quadrado com os relativos grude-encartes redondos do vinil da Sinfonia de Brasília, como sendo um trabalho de matriz formal. Dizer implica vocalizar. A escolha das palavras direcionaria mais o estado de espírito do interlocutor, nós o influenciamos de forma mais contundente. Apresentar, como forma de expor, transforma qualquer tentativa de obter controle sobre a leitura em facrasso. O jogo entre as duas formas de se colocar objetos, forma dita e forma apresentada, e a apresentação de dois elementos (ou objetos) com sua relação evidenciada a partir do deslocamento mesmo destes objetos seria uma dança — fluxo intenso, perpetuado na arte e na vida. O título da exposição sugere uma grafia que contamina o espaço, ponte para um pensamento sobre o uso do texto em espaços expositivos como matéria. “Brasília” usa o espaço físico de um objeto simbólico, o disco em vinil da música oficial da nova capital, como anedota do projeto de nação inaugurado em ritmo sincoplado pela arquitensura da cidade homônima. De que falaria, então, esta resenha que se presta a reescrever uma exposição? Seriam os neologismos uma forma de driblar o dizer das palavras? Busco sintônimos.

Palavra-valise. Numa mesa em um café em São Paulo, perto da Paulista, Fabio Morais me explica que este gênero de neologismo surgiu na literatura de Lewis Carroll. Já tendo lido uma autoentrevista de Fabio,1 não perguntei sobre a influência do cânone literário sobre a obra do declarado escritor à minha frente — ele escreve sobre a sombra da arte, mais influenciado por Kaprow, Fluxus (MORAIS, 2016). Próxima da situação de seu personagem em “Velatura”, no livro “Site Specific, um romance” (dissertação obra de Fabio publicada pela editora par(ent)esis), começo a me desenvolver enquanto interrogativa em rela,ção ao artista após entrevistá-lo. Num e-mail, Fabio, após ler a minha terceira versão do que eu pretendia com este texto, me diz que minha prosa desliza sobre a superfície e que as âncoras são os neologismos. Como uma artista em relação a outro, construição. Talvez eu me arruine buscando em Fabio algo que somente Fábio pode me dar. No encontro do “não acreditar em imagens” e dos efeitos da exposição “Escritexpográfica" (que esteve em cartaz na Galeria Vermelho de 24/01/2017 até 25/02/2017), não gravamos em som a entrevista — escrevemos a lápis, a contragosto de Fabio, que não desenha nunca. Decisão tomada metade decorrente do botão REC acidentalmente nunca ter sido apertado, metade pela minha sugestão/fetiche de coescrever com Fabio.

O desenho ataquigrafado abaixo mostra resquícios da conversa que foi registrada em voz num mundo ideal:



Imagens advindas da escrita

Uma escrita de corpo mais difuso se faz necessária a seguir para complementar a narração do que se pôs do nosso caminho a pé até o bar escolhido para o nosso café e os desenhos de nossa conversa. Fala-se muito, enquanto andamos, sobre gêneros e arte, arquitetura, teatro, fluxus, fluxo, livros, coleções, curadoria, um assunto que puxa o outro pelo fio da curiosidade. Ele me conduz a uma conversa sobre a lógica narrativa espacial pensada para “Escritexpográfica", arquitetura percursiva de expectadores. Como um livro? De certa forma, sim, elencando páginas e, em “Manifestação", uma série de trabalhos, e, por conseguinte, artistas, retirados do seu contexto-site. Fabio Morais realiza apopriação — retirar algo de seu contexto, causar uma fissura na integralidade da “coisa”, é um enfoque no afatasmento do lugar prévio tanto quanto no novo lugar criado para a “coisa”, esta nova integralidade plena de passado. O chapar visual dos textos inseridos nos trabalhos de Marilá Dardot, Traplev, Leya Mira Brander, Paulo Bruscky, Jorge Menna Barreto, etc. reconfigura os discursos, unifica retirando detalhes, como numa fotografia panorâmica se perdem óculos e borram-se corpos em um. Por isso “Manifestação", e não Manifestações.

No coração da galeria, ajoelhei-me para fotografar a folha com o nome de todos os artistas apropriados nas faixas de “Manifestação", e me vi como fotografia. Por vezes, arte é idolatria. Assustento este gesto simbólico que, contado aqui, se transforma em imagem — imagem essa muito mais lacunar na mente dos outros do que a carregada de pixel, de dots, pontos, sais de prata, pois mais subjetiva. Fabio havia colocado a lista lá de propósito. Nossa conversa começou antes.

A entrevista lacunar — transcrição das imagens

As perguntas já planejadas serviram de base para formulação espontânea de recursos entrevrísticos, como a proposição de perguntas com lacunas gráficas para Fábio preencher com algo que compusesse a pergunta que era dirigida a ele. Assim, assumimos a colaboração no direcionamento daquela conversa.



1  MORAIS, FABIO. Fabio Morais entrevista Fabio Morais. Instituto Tomie Ohtake: São Paulo, 29 mar. 2016. Disponível em < http://www.institutotomieohtake.org.br/cultura_participacao/post/fabio-morais-entrevista-fabio-morais >. Acessado em: 11 jun. 2017.

MORAIS, FABIO. Site Specific, um Romance. Ed 1. Florianópolis : Editora Par(ent)esis, 2013.

______. Fabio Morais entrevista Fabio Morais. Instituto Tomie Ohtake: São Paulo, 29 mar. 2016. Disponível em http://www.institutotomieohtake.org.br/cultura_participacao/post/fabio-morais-entrevista-fabio-morais. Acessado em: 11 jun. 2017.

______. Palavras para serem vistas. ¿Hay en Portugués? edição 6 Florianópolis, 2016, ed. par(ent)esis.

Capa  Fabio Morais, Imagens, 2016, fotografia impressão Lightjet em papel Kodad Professional Endura fosco, com laminação fosca, 150 x 100 cm, tiragem de 3 + p.a. (detalhe).

1 e 2  Páginas escaneadas de caderno c'onde foram registrados resquícios da entrevista oral, não gravada.

3, 4, 5 e 6  Páginas escaneadas de caderno onde foi realizada a entrevista “lacunar”, modalidade de entrevista escrita com participação do entrevistado na própria pergunta a ser respondida. Projetada por Mariana Paraizo e executada por Mariana Paraizo e Fabio Morais.