Minha proposta neste trabalho é relacionar os experimentos e descobertas com máscara na escola do Vieux-Colombier, na França, e seus seguidores, com os experimentos e descobertas da dança moderna, que se via no auge na mesma época, primeira metade do século XX, isto é, pertencia ao mesmo Zeitgeist. A ideia é refletir sobre em que aspectos esses dois caminhos se encontram e em que se antagonizam e como eles contribuem para a arte nos dias de hoje.

O Vieux-Colombier foi uma escola de teatro, idealizada e encabeçada por Jacques Copeau, sediada em Paris durante os anos de 1921 a 1924.1 Nela desenvolveu-se uma metodologia de trabalho com máscara na formação do ator. A escola gerou vários discípulos e seguidores. Apesar do curto tempo de duração, seus experimentos ainda hoje contribuem para o teatro contemporâneo.

A dança moderna, por sua vez, abarca o conjunto das inovações surgidas na história da dança no período marcado pela modernidade.2 Isto é, no momento em que a dança passou a dialogar com questões pertinentes à época, como as teorias psicanalíticas e o inconsciente, os estudos do movimento propostos por Rudolf Laban, o movimento expressionista, o crescimento das cidades, a industrialização, as guerras mundiais. A dança moderna se desenvolveu mais fortemente nos Estados Unidos e na Alemanha. Nesses dois países, surgiram as principais escolas que influenciaram o resto do ocidente.

Era época das vanguardas. Como nas demais artes, vivia-se uma crise na representação e a estética clássica já não mais satisfazia. Enquanto o teatro europeu, especialmente na França, realizava experimentos com máscaras, que levavam o ator para uma viagem para dentro de si mesmo e, assim, encontrasse uma nova corporeidade, a dança moderna fazia com que o bailarino se confrontasse com o mundo externo, com a urbanidade. Foram caminhos aparentemente antagônicos, mas que buscavam novas possibilidades e descobertas estéticas, tanto para o corpo do artista como para a dramaturgia. O teatro, ao reinventar o uso da máscara, e a dança cênica, mesmo ao rejeitá-la, realizou experiências no sentido de livrar-se da afetação e redescobrir o corpo do intérprete. A dança moderna parece ter sido uma luta contra o anonimato. O ser humano se apropriou do espaço urbano, tornando-o aliado de sua arte.

No final do século XIX, o interesse aumentou, por parte de todas as áreas do conhecimento, pelo corpo humano. Marco de Marinis (2000) chama esse fenômeno de “redescoberta do corpo” ou Körperkultur (Cultura do Corpo). Tanto nas artes como nas ciências, as pesquisas eram voltadas para um maior conhecimento do corpo. No teatro, as ações passaram a ter mais importância do que o texto verbal. E na dança priorizou-se o movimento pelo movimento, em detrimento das narrativas.

Nomes que pensavam o teatro já viam o ator como um bailarino. Tivemos Delsarte3 e Meierhold (Biomecânica), por exemplo, e inclusive Copeau: “Sendo o drama antes de tudo ação, e, na sua essência, uma dança, a operação primordial do ator na sua busca de uma técnica não é intelectual, mas física, corporal” (Copeau, apud MARINIS, 2000).

Por influência da Educação Física, surgiu a noção de treinamento do ator. O ator deveria obedecer a uma rotina de exercícios físicos com o objetivo não de ser um exibicionista, mas de aumentar seu potencial expressivo e tornar-se não apenas intérprete-executor, mas também intérprete-criador. Além disso, passaram a ser mais observados os movimentos nos esportes e nos trabalhos manuais, como modelos para o gesto do ator (MARINIS, 2000). Trabalhar de forma independente das palavras do texto foi uma das experiências no sentido de livrar o ator de automatismos e vícios.

J. Copeau montou sua escola, o Vieux-Colombier, após um período trabalhando com crianças (aulas ministradas e registradas por sua discípula e atriz Susane Bing). Essa experiência o convenceu de que as crianças eram mestras da improvisação por excelência. Daí tirou os princípios que regeriam sua escola (FREIXE, 2010).

A reinvenção do mimo, por Decroux (ex-aluno de Copeau), a ponto de torná-lo praticamente uma arte autônoma, ajudou o Vieux-Colombier a ver o teatro muito mais como uma arte centrada no ator, já que a antiga pantomima apenas substituía as palavras (MARINIS, 2000). A partir do trabalho com mimo, Copeau e seus discípulos chegaram à máscara. Essa não era mais usada como um mero rosto postiço. Ao cobrir o rosto e dissociar-se das palavras, o ator se livraria das máscaras sociais e chegaria a uma nova expressividade, a qual se acreditava ser uma verdade que se estava buscando, desta vez vinda do próprio corpo do ator e não mais de um texto previamente escrito. Além do mais, livre de sua imagem habitual o ator sentiria uma liberdade maior para criar (FREIXE, 2010).

Sem contar com as expressões faciais, o ator mascarado tem de buscar no resto do corpo outras possibilidades de tornar legível o que se quer mostrar. Assim, os movimentos para realizar qualquer ação precisavam ser reinventados. Surge, então, uma nova forma de representar, diferente do naturalismo da época. Os movimentos tinham que ser mais precisos e amplos. Segundo Freixe (2010), “a segmentação do corpo estava descoberta”.

A máscara, portanto, transforma o corpo do ator. E isso exerce fascínio também em quem assiste à cena (FREIXE, 2010). A máscara proporciona uma maneira não naturalista de atuar e uma economia de movimentos que tira a afetação.

A máscara desenvolvida na escola do Vieux-Colombier não era para ser usada no palco. Servia para exercitar o corpo do ator para seu trabalho com ou sem máscara.

As primeiras máscaras feitas pelos alunos do Vieux-Colombier eram inteiras, não permitiam que os atores falassem. Elas deveriam, sim, tornar o ator sereno, receptivo, disponível. Copeau a chamou de máscara nobre, porque para ele ela restituía a “universalidade” do ator e apagava eventuais “caretas” e “tiques”. J. Lecoq, ex-aluno de Copeau, deu continuidade à pesquisa da máscara com finalidade pedagógica e mudou-lhe a denominação para máscara neutra, como é conhecida nos dias de hoje (FREIXE, 2010).



Copeau recebeu influência de Rudolf Laban (dança livre) e do pedagogo e músico Emile Jaques-Dalcroze (educação rítmica). Rudolf Laban trabalhava improvisação com o objetivo de levar o bailarino a esquecer (até onde fosse possível) os saberes já adquiridos e se livrar de automatismos. A ideia era fazer com que o improvisador, ao perder suas referências, deixasse vir à tona estados e movimentos até então “adormecidos”. Já a influência de Dalcroze se deu no sentido de ver no trabalho do ator musicalidade e ritmo. No entanto, Copeau deixou de usar música externa para que o ator buscasse a música de seu próprio corpo. O uso da máscara, unido a esses princípios, convidava o ator a uma viagem para dentro de si, na qual ele pudesse voltar a atenção para a respiração, os batimentos cardíacos, além de realizar movimentos mais amplos e bem finalizados do que tenderia a fazer se não a usasse (FREIXE, 2010).

Além dessa viagem interior, a máscara tinha ainda outra finalidade. A de restituir no grupo, segundo Copeau, o espírito de trupe, ao recuperar o coro, legado da antiguidade grega. Ao despir-se do seu ego, ao portar a máscara, o ator pode abrir mão da individualidade e fundir-se na coletividade. Copeau não valorizava “indivíduos excepcionais”, mas sim a companhia. Sempre criticou o excesso de virtuosismo em certos espetáculos a que assistia na sua época (FREIXE, 2010).

Thomas Leabhart4 (apud FREIXE, 2010) descreve que os principais termos empregados pelos alunos do Vieux-Colombier, quando se referiam a suas vivências com máscara, eram: “possuído”, “transe”, “estado alterado de consciência”, “momentos de delírio”. Observa-se que tais expressões podem ter sido empregadas por influência das teorias psicanalíticas, que ganhavam corpo nessa época. O fato é que o uso da máscara altera totalmente a percepção de quem o faz. E isso, consequentemente, leva o indivíduo a surpreendentes descobertas sobre si próprio.

Enquanto Copeau e seus seguidores, na primeira metade do século XX, redescobriam a máscara no teatro, a dança moderna tinha seu advento. José Fernando Rodrigues de Souza, em seu livro As origens da Modern Dance (2009), faz uma relação entre dança e espaço urbano, e defende que a dança moderna é consequência do crescimento urbano e industrial, especialmente em Nova Iorque, Estados Unidos.

Segundo Souza (2009), com a modernidade, corpos estranhos passaram a conviver uns com os outros. No transporte púbico, nos cafés, nas ruas, elevadores, etc. Essa situação, muitas vezes, provocaria solidão, constrangimento e, não raramente, estranhamento. O deslocamento nas cidades se tornou mais retilíneo e mais labiríntico. As transações se tornaram mais objetivas, com menos interferência das relações interpessoais. A tecnologia permitiu que o corpo humano se deslocasse por longas distâncias, em altíssima velocidade, em qualquer direção, sem ter que se mover. Isso afetou a percepção de tempo e espaço. Com a industrialização e o crescimento do operariado, o ser humano também se habituou a executar movimentos repetitivos por várias horas do dia. Grande também foi o movimento migratório, e várias culturas e corporeidades se encontravam. Por outro lado, aumentou a sensação de liberdade individual. Ao mesmo tempo, a modernidade fez valorizar o eu, o imediatismo, a sensação e o prazer.

A dança moderna teria se apropriado dessa nova condição humana. Dispensou o corpo de baile e fez se destacarem os solos e os duos, agregando improviso, rigor técnico e prazer para quem realiza. Souza (2009) defende que o individualismo recorrente do crescimento das cidades possibilitou que o bailarino buscasse novas formas de dançar, novo gestual, nova corporeidade e, assim, expressar sentimentos, isto é, ser intérprete e criador. Bailarinos procuraram desenvolver seu próprio estilo e imprimir sua marca. Em suma, buscou-se uma dança que pudesse problematizar e interagir com a plateia.

Um aspecto do movimento humano passou a receber mais atenção: a respiração. Exatamente como Copeau queria de seus alunos, ao repensar a educação rítmica de Dalcroze, muitas vezes, o bailarino moderno dançava sem música para que se pudesse ouvir a respiração e os batimentos cardíacos e perceber o ritmo do próprio corpo. Não havia mais a preocupação em não demonstrar esforço físico. O esforço, para a execução do movimento, tornou-se valorizado em cena, pois se acreditava que ele tornaria a dança mais expressiva e mais próxima do que é a vida. Pesquisas de movimento centraram-se em aspectos como retilíneo, curvilíneo, lentidão, velocidade, peso, leveza, movimentos ondulatórios, derivados em grande parte da contribuição dos estudos de Laban e de Delsarte sobre o movimento humano. Exploraram-se quedas, contrações e suspensões rápidas e muito contato com o chão (SOUZA, 2009, p. 94).

Para Laban, o ator, o bailarino e o mímico deveriam desenvolver um “saber sentir”. Não apenas no aspecto biológico, mas também através da percepção dos fluxos e ritmos da vida moderna. Ou seja, experiências perceptivas inéditas podem contribuir com a pesquisa do bailarino. O método de improvisação de Laban influenciou artistas do século XX. Articulou questões ligadas à memória corporal com as relacionadas às leis da gravidade. Laban enfatiza que a dança ocorre nas transferências do peso do corpo no tempo e no espaço (SUQUET, 2008, p. 525-528). Para esse pesquisador do movimento humano, a dança não precisa expressar nada, pois o corpo em si já é expressão.

Mary Wigman, pioneira da dança moderna alemã, aconselhava os bailarinos a escutarem o próprio corpo, seus batimentos cardíacos, ritmos fisiológicos, respiração, pulsação. Ela dizia que a respiração, o fôlego, era o que comandava a intensidade e o nível de tensão do movimento. O alternar da inspiração e da expiração proporcionava aos bailarinos os princípios de tensão e relaxamento (SUQUET, 2008, p. 519). Mary Wigman, muitas vezes, utilizou máscaras em suas coreografias, com intuito de despersonalizar o bailarino, transferir para o resto do corpo seu potencial expressivo e criar figuras tipificadas.5

No que diz respeito à anatomia humana, a coluna vertebral passou a receber mais atenção por parte dos profissionais da dança. Foram explorados movimentos ondulatórios e os trabalhos dos bailarinos consistiam em exercitar a coluna para afastar os espaços entre as vértebras para os demais movimentos serem executados com mais fluência e os saltos mais amortecidos. A coluna funciona como uma mola (SUQUET, 2008, p. 522).

As ideias de cinestesia e propriocepção foram difundidas através dos estudos de Emile Jaques-Dalcroze e do neurologista inglês Charles Scott Sherrington. Esses descobriram que o corpo humano era dotado de um sexto sentido, o da musculatura. A percepção do próprio corpo é o que faz com que se realizem movimentos conscientes ou inconscientes. E essa noção de mobilidade consciente e inconsciente instigou as pesquisas dos bailarinos e encenadores no começo do século XX (SUQUET, 2008, p. 515-516).6

A descoberta do inconsciente, através dos estudos de Freud e de Jung, influenciou artistas da virada do século XIX para o XX, inspirados, principalmente, na escola surrealista, a buscarem o automatismo para a produção de suas obras. Bailarinos procuravam explorar movimentos involuntários. Merce Cunningham, desacreditando nessa corrente, percorreu outros caminhos (SUQUET, 2008, p. 530), juntamente com o músico John Cage, com o qual trabalhou por muito tempo.

[...] entregue a “suas preferências instintivas”, o indivíduo produz apenas, assim pensam Cage e Cunningham, o já conhecido, a tal ponto o “natural”, e mesmo o inconsciente são culturalmente condicionados (SUQUET, 2008, p. 531).

Suquet (2008, p. 531) explica que, para esse coreógrafo, os movimentos considerados naturais são definidos muito mais pela cultura do que pela anatomia. Isso quer dizer que movimento é uma questão de percepção. Para descobrir novas possibilidades motoras deve-se desafiar essa percepção.

Enquanto artistas surrealistas utilizavam operações aleatórias em seus processos para atingir um estado de “acaso”, e para que revelassem desejos inconscientes, Cunningham utilizava tais operações para desconstruir a forma como o bailarino percebia e movimentava o próprio corpo. Utilizava, então, sorteios para evitar o trabalho intuitivo (SUQUET, 2008, p. 531).7

Os sorteios, da mesma forma que a máscara no teatro, tiravam os automatismos dos intérpretes e desafiava o entendimento que eles tinham de seus próprios corpos. Com isso, Cunningham quebra a linearidade do movimento. Tira a centralidade do tronco e a desloca para outras partes. Com o passar do tempo os bailarinos já não tinham mais tanta dificuldade para executar os movimentos que eram propostos. Isso demonstrava que o corpo era capaz de se reorganizar, à medida que mudava a percepção do indivíduo. Por isso, Cunningham (apud SUQUET, 2008, p. 532) sempre defendeu que a dança promove “a flexibilidade do espírito e ao mesmo tempo do corpo”.

Isabel Marques8 (2010, p. 167-77) considera Merce Cunningham um artista pós-moderno porque ele rejeita os princípios de unidade e totalidade na arte, vigentes em seu tempo. Foi um dos primeiros artistas a trabalhar a improvisação com o propósito de dissociar tanto partes do corpo de cada bailarino, como os bailarinos entre si e os elementos da cena como a música, a iluminação e o cenário. Ele entende que não há uma parte central do corpo de onde se originariam os demais movimentos, conforme propunham Isadora Duncan e Martha Graham. Para Cunningham, cada parte do corpo deve ser autônoma. Adota-se, sim, o princípio do acaso.

No que diz respeito aos roteiros dos espetáculos de dança moderna, esses nem sempre eram planejados previamente. As apresentações, muitas vezes, eram improvisadas. Quando havia um texto verbal, era comum a movimentação do bailarino não ser coerente com o texto falado, provocando atrito (SOUZA, 2009, p. 94). As narrativas deram lugar à fragmentação. Buscou-se a individualidade do bailarino. Portanto, bailarinos tornaram-se autores e, em lugar de repertórios, apresentaram trabalhos que deveriam ser efêmeros. Esses corpos não se propunham a representar mais nada a não ser sua relação de presença (SOUZA, 2009, p. 99). Era também comum misturarem-se os corpos com elementos naturais como água, areia, grama, flores (SOUZA, 2009, p. 101). A dança moderna superou a diferença entre os gêneros. Homens e mulheres passaram a ter igual importância em cena (SOUZA, 2009, p. 134). Não havia mais divisão de papéis.

A relação do artista com o público também mudou. Essa não se dava mais apenas de maneira frontal, mas o espectador também podia circundar e se aproximar do bailarino e, até mesmo, interagir com ele (SOUZA, 2009, p. 115).

Quase todos esses criadores criaram escola (SOUZA, 2009, p. 129). Souza se pergunta se o que se estava pregando nos Estados Unidos pelos primeiros criadores intérpretes era mesmo uma ruptura com a dança clássica ou se era uma pluralização da tradição (SOUZA, 2009, p. 147). A dança moderna rompeu com o ballet clássico em vários aspectos, mas utilizou-se da base clássica para, a partir dela, propor novas experiências.

Assim, observa-se que, na história da dança, processos se repetem, com propósitos distintos. No século XVIII, com a ascensão da burguesia e o declínio da monarquia, o ballet se desprendeu das celebrações de corte, migrou dos salões para os teatros e se firmou como arte autônoma. Para que isso acontecesse, precisaram ser abolidos os adereços pesados, as máscaras, as declamações. A relação com o espaço e com o público também mudara. Dos salões, a dança passou para os palcos italianos. O público participante se tornou mero observador e a visão, frontal e elevada.

Da mesma forma que o surgimento do ballet se deu em diálogo com questões de sua época, isso não poderia ser diferente com a dança moderna. Esta libertou a dança cênica do palco italiano e a levou aos demais espaços públicos, o que de novo transformara a relação com a plateia, que voltara a poder interagir com os bailarinos e não se limitava mais à frontalidade. A dança cênica também voltara a se fundir com outras manifestações artísticas, com falas e com figurinos que podiam modificar a estrutura corporal, provocando deformações nos movimentos para gerar novas possibilidades.

No entanto, não se dançava mais para reverenciar um rei, e sim para encontrar-se consigo próprio e com quem participasse do evento. Narrativas lineares foram deixadas de lado e a fragmentação passou a ser a principal característica das dramaturgias do século XX.

A máscara neutra hoje em dia é utilizada em escolas e cursos de graduação em teatro como instrumento pedagógico na formação do ator e do professor de teatro. Ela também pode ser aproveitada no sentido de desenvolver as estéticas dos espetáculos e proporcionar reflexões para os entendimentos das artes cênicas. Temos depoimentos de encenadores contemporâneos como o dramaturgo e comediante italiano Dario Fo, que observa que o trabalho contínuo com a máscara leva o ator a um processo de desumanização. Desumanizado, esse se liberta de seu gesto social e se vê mais próximo de sua condição animal, livre, então, para percorrer outros caminhos para a cena (FO, 1989). Ariane Mnouchkine, diretora do Théâtre du Soleil, na França, trabalha elementos da máscara e da dança na composição de seus espetáculos e conclui que o artista cênico é um ser mascarado por excelência. O entendimento de máscara, dessa encenadora, amplia-se para outros aspectos da cena, como o espaço, o som, a maquiagem e o figurino, pois todos esses componentes interferem no corpo do ator/dançarino (MNOUCHKINE, 1985).

Assim como no teatro, no qual a máscara ajuda o ator a chegar a uma atuação não naturalista e a ampliar seus gestos, na dança, o trabalho com máscara neutra poderia ajudar o bailarino especializado em uma determinada técnica a descondicionar-se ou aliar a essa uma nova expressividade. Poderia também revitalizar trabalhos coreográficos já existentes.

Vivemos um momento em que as fronteiras entre as artes já não são mais nítidas. Experiências artísticas contribuem umas com as outras. Novas tecnologias estão aí para desafiar noções que antes pareciam claras como as de tempo, espaço, territorialidade, identidade, pertencimento, individualidade, pluralidade, etc. Assim como a máscara, essas tecnologias desestabilizam o artista e o fazem buscar constantemente novos caminhos para dialogar com o tempo presente.

1  Após o fechamento da escola, a companhia se mudou para Borgonha, onde Copeau procurou dar continuidade ao trabalho.

2  Disponível em: http://mundodadanca1.blogspot.com/2011/09/danca-moderna-sua-historia.html. Acesso em: 16 jul. 2014.

3  Teórico e ex-cantor de ópera que, após perder a própria voz, desenvolveu estudos voltados para gesto e voz. Introduziu teorias sobre contração e relaxamento, o que influenciou a dança moderna. Viveu no final do século XIX (SOUZA, 2009, p. 20).

4  Professor de teatro e artista, que estudou com Etienne Decroux.

5  História do teatro. Mary Wigman e a dança do expressionismo. Disponível em: http://historiadoteatroelt.blogspot.com.br/2008/11/mary-wigman-e-dana-do-expressionismo.htm. Acesso em: 15 jul. 2010.

6  A bailarina norte-americana Isadora Duncan, por exemplo, evocava liberdade. Dançou com cabelos soltos, pés descalços e túnicas leves. Explorava movimentos curvos, contato com o chão e gestos expressivos. Temos ainda Ruth Saint–Denis e Ted Shawn, também norte-americanos e contemporâneos de Duncan, que abriram uma escola de onde sairiam vários outros nomes, representantes da modern dance.
Doris Humphrey explorou equilíbrio, desequilíbrio, queda e recuperação (SOUZA, 2009, p. 128). Essa estudava movimentos helicoidais e elaborou uma técnica de dança na qual o corpo poderia ser abandonado às leis da gravidade (SUQUET, 2008, p. 52-23). Já Martha Graham investiu em contrações abdominais, movimentos circulares e geométricos (SOUZA, 2009, p. 95). Para ela, a bacia seria o centro de gravidade e, por isso, o “reservatório de forças motoras”, o ponto de encontro de toda massa corporal e ponto de partida de todo movimento (SUQUET, 2008, p. 519).

7  Seu objetivo era “[...] desviar os movimentos da sua propensão a se organizar sempre segundo as mesmas escolhas inconscientes. As neurociências atuais confirmam essa intuição de Cunningham” (SUQUET, 2008, p. 531).

8  Pedagoga e pesquisadora em dança, e diretora do Instituto Caleidos, em São Paulo.

FO, Dario. Tire as Mãos da Máscara! The New Theatre Quartely, vol.V, n. 19, 1989.

FREIXE, Guy. Quarta Parte ― I ― A Máscara «Nobre» na Escola do Vieux-Colombier (1921-1924). In : Les Utopies du Masque sur les scènes Européennes du XXe siècle. Montpellier: l´Entretemps, 2010, p. 118-134. Col. Les Voies de l´acteur. [Tradução inédita de José Ronaldo FALEIRO.]

História do teatro. Mary Wigman e a dança do expressionismo. Disponível em: http://historiadoteatroelt.blogspot.com.br/2008/11/mary-wigman-e-dana-do-expressionismo.html. Acesso em: 15 jul. 2010.

MARINIS, Marco de. 5. La riscoperta del corpo. In: Cerca dell´attore. Un bilancio del Novecento teatrale. Roma: Bulzoni, 2000, p. 129-158. [Tradução inédita de José Ronaldo Faleiro.]

MARQUES, Isabel A. Dançando na escola. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2010.

MNOUCHKINE, Ariane. Le Masque, une discipline de base. In: ASLAN, Odette. Le Masque — Du rite au théâtre. Paris: CNRS, 1985, p. 231-234.

SOUZA, José Fernando Rodrigues de. As origens da modern dance: uma análise sociológica. São Paulo: Annablume, UCAM, 2009.

SUQUET, Annie. O corpo dançante: um laboratório da percepção. In: COURTINE, Jean-Jacques. História do corpo. 3. As mutações do olhar. O século XX. RJ: Vozes, 2008.

Máscara neutra, feita de couro por Amleto Sartori. Disponível em: http://mascaraelt.blogspot.com.br/p/mascara-neutra.html

Mary Wigman, Hexentanz, 1926. Disponível em: https://fromthebygone.files.wordpress.com/2013/05/79308.jpg

Máscara nobre, feita por Marie-Hélène e Jean Dasté – filha e genro de Copeau e ex-alunos da escola do Vieux-Colombier (FREIXE, 2010).

Martha Graham, Lamentation, 1930. Disponível em: https://www.loc.gov/exhibits/treasures/images/at0233.2s.jpg