Em Sem título (figura 1), de 1983, quatro objetos estão colocados lado a lado, enquanto que o rosto de um homem, em uma escala muito maior, os observa. Esses objetos são representações de obras de arte: um vaso Cita, uma estátua que lembra os Kouros do Período Arcaico na Grécia Antiga, uma estatueta Art Déco e duas garrafas, que são uma citação da obra Garrafas com Rolhas (1975), de Waltercio Caldas. Esse trabalho foi escolhido como abertura deste artigo, pois a partir dele será possível lançar mão de algumas questões pertinentes à produção de Röhnelt, principalmente no que concerne ao uso da apropriação e seus desdobramentos na composição dos trabalhos do artista.

A produção de Röhnelt, nos anos 1980, apresenta um sofisticado esquema representacional, o qual inclui a apropriação de imagens oriundas tanto da mídia impressa quanto da história da arte, e também de fotografias do universo particular do artista, por ele realizadas ou não. Essas imagens têm como objetivo a construção de narrativas a partir da seleção de diferentes fragmentos combinados. Um elemento que acrescenta complexidade ao processo de produção do artista é o fato de que a montagem dos fragmentos escolhidos é retrabalhada através do desenho e da pintura.

Para pensar esses aspectos da produção de Röhnelt, gostaria de iniciar buscando apoio no que já foi dito a respeito dos trabalhos de Alfredo Nicolaiewsky,1 um artista cujo processo de criação em muito se assemelha ao de Röhnelt. Essa aproximação entre o trabalho dos dois artistas também é decorrente do fato de que ambos pertencem à mesma geração e, portanto, produziram no mesmo contexto, a cidade de Porto Alegre, e no mesmo período, iniciando as suas carreiras artísticas em meados dos anos 1970. Sobre Nicolaiewsky, Brites propõe que “em muitos de seus trabalhos, a reprodução de fotografias em desenho, além de indicar a relação com um tempo já vivido, intensifica-a” (BRITES, 1999, p.85). O próprio Nicolaiewsky comenta sobre seu interesse não apenas na reprodução de imagens impressas, mas também na reprodutibilidade manual, e completa dizendo que “o que pretendia colocar em destaque era que, mesmo ao ‘copiar’ uma imagem, o artista sempre colocaria algo de pessoal, e que nunca faria uma cópia exata, nem mesmo de um trabalho de sua autoria” (NICOLAIEWSKY, 1999, p.35). Junto a isso, Chevrier, ao argumentar sobre as relações entre fotografia e pintura, traz algumas considerações importantes para pensarmos a obra de Röhnelt:

Como esquecer de Warhol ou Richter? Eles não copiavam fotografias. Não eram tempos de cópia. Eles assimilaram a reprodução, transformaram a pintura em uma técnica de reprodução. Eles se apropriaram das fotografias para fazer com elas pinturas (quadros pintados), do mesmo modo que se faz uma cópia fotográfica. (CHEVRIER, 2007, p. 36 e 37, tradução da autora).2

O que quero dizer, a partir disso, é que, do mesmo modo que Nicolaiewsky, e assim como Chevrier chama a atenção a respeito das produções de Warhol e Richter, Röhnelt não realiza simplesmente cópias das fotografias, mas também discute o caráter reprodutivo da pintura e dos meios gráficos, meios tradicionalmente identificados com a unicidade e a singularidade.

Durante entrevista com Röhnelt,3 este comentou sobre seu sentimento, durante as décadas de 1970 e 80, de que todas as possibilidades artísticas já haviam sido realizadas, mas que, ao mesmo tempo, havia como que a exigência de originalidade. A partir dessa percepção de esgotamento da originalidade da arte e, ao mesmo tempo, uma cobrança autoimposta de sua necessidade, que Röhnelt voltou seus olhos tanto para imagens preexistentes no mundo, difundidas em publicações ou nos meios de comunicação, quanto para fotografias realizadas por ele mesmo ou por pessoas próximas.

Röhnelt opta por trabalhar essas imagens não enquanto meio material, ou seja, através de colagens da própria fotografia no suporte, mas, sim, usa-as como referência, como uma ferramenta, repensando-as através do desenho e da pintura. Se relembrarmos a frase de Brites sobre a produção de Nicolaiewsky – ao comentar sobre o quanto a reprodução manual de imagens preexistentes produz não apenas uma relação com um tempo já vivido, mas também uma intensificação dessa experiência –, vê-se aí uma conexão com a estratégia empregada por Röhnelt para realizar as suas obras. De acordo com Fabris:

O processo de apropriação brota também de uma tomada de consciência do esgotamento do universo visual e, no caso das reproduções pictóricas, da vontade de focalizar uma espécie de repetição diferente, a fim de tornar ainda mais evidente a diferença entre o original e a cópia da cópia. (FABRIS, 2009, p.169).

A discussão, então, levada a cabo por esses artistas, não se dá apenas a respeito da perda de uma noção tradicional acerca da originalidade, em função do acréscimo de imagens de segunda geração e de sua reprodução, mas também se configura através do interesse em reviver e retrabalhar as imagens, reinscrevendo essas referências imagéticas no mundo, através de uma perspectiva pessoal.

O gosto pela imagem ‘realista’

Apropriar-se é matar simbolicamente o objeto ou a imagem, é retirá-los do fluxo da vida – aquele contínuo devir, que vai da concepção/produção até a destruição/morte –, colocando-os lado a lado a outros objetos, com intuitos os mais diversos. (CHIARELLI, 2002a, p.21).

Nessa epígrafe, vê-se uma definição de apropriação dada por Tadeu Chiarelli, em função da exposição Apropriações|Coleções.4 O autor comenta sobre o princípio básico da apropriação, o da ressignificação simbólica através do deslocamento. A partir disso, gostaria de me ater novamente à figura 1. Nela, se percebe a apropriação de quatro elementos ligados ao mundo da arte, e, junto a eles, uma imagem apropriada do álbum pessoal do artista, um retrato do próprio Röhnelt, que parece observar ou até mesmo encarar esses objetos.

Essa obra em especial me parece emblemática em relação à produção de Röhnelt, assim como a considero um comentário sobre a própria década de 1980: em Sem título [autorretrato e Waltercio Caldas] há a apropriação, a figuração, o desenho (e, portanto, o meio bidimensional), as citações de obras da história da arte e, por fim, a autorreferencialidade. Sobre os objetos representados na obra em questão,5 percebe-se que o primeiro elemento tem como referência um Kouros em bronze do período Arcaico grego, o Apolo de Piombino, datado do século I a.C. A imagem foi apropriada de um livro sobre arte na Grécia antiga (figura 2). Já o elemento seguinte (figura 3), assemelha-se a um vaso em ouro produzido pelos Cita.6 Esta imagem foi apropriada de um livro sobre a coleção artística do Museu Hermitage. Na sequência (figura 4), há Garrafas com rolha, de Waltercio Caldas (1946), realizada em 1975. A imagem fotográfica referencial foi produzida pelo próprio Röhnelt entre 1981 e 1982. E, por fim, uma estatueta Art Déco,7 sem data definida.



O motivo de eu ter optado por identificar cada uma das figuras, buscando suas imagens referenciais ou o que seria o mais próximo delas, reside na comprovação do uso de duas estratégias muito importantes para o processo de produção das obras de Röhnelt: a apropriação e a citação. Conforme o comentário de Chiarelli já citado, a apropriação se relaciona com a captura, o deslocamento e a ressignificação simbólica. No caso da obra em questão, as figuras utilizadas foram capturadas de publicações específicas sobre diferentes períodos e, em função disso, possuem datas de produção bastante distintas, separadas por décadas ou séculos. Vê-las, então, justapostas gera certo estranhamento. No caso, um estranhamento não somente à dita sequencialidade da história da arte, mas também ao próprio contexto de produção de cada uma delas.

Se havia certo sentimento durante a década de 1980 relacionado à dificuldade em produzir obras “originais”, uma das alternativas seria apropriar-se de imagens disponibilizadas através dos mais diversos meios. Chiarelli, no texto Imagens de segunda geração (1987), é bastante elucidativo quanto a isso, principalmente no que se relaciona à produção realizada no Brasil e suas especificidades. Segundo ele:

Uma parcela considerável dos artistas atuais, além de recuperar sobretudo a pintura e a escultura, empreende uma viagem pelo universo de imagens produzido pela humanidade através da história, disponíveis a todos pelos meios de comunicação de massa. (CHIARELLI, 2002b, p.100).

Quando Chiarelli escreve esse texto, no ano de 1987,8 está há apenas quatro anos da data de produção de Sem título [autorretrato e Waltercio Caldas]. O autor comenta ainda sobre o quanto a produção realizada a partir dos anos 1980 acabou por se desprender da ideia evolucionista de arte, a qual foi característica do período modernista, sendo possível, desta forma, lançar um

[...] olhar retrospectivo, produzindo obras cujo valor não está na novidade absoluta das formas, mas sim na elaboração de outros sistemas visuais significativos, criados a partir da conjugação de imagens e procedimentos linguísticos preexistentes (e muitas vezes conflitantes), todos eles recolhidos [no] universo de imagens [...]. (CHIARELLI, 2002b, p.100).

Esse desprendimento da ideia evolucionista de arte residiria na ruptura com uma ideia concebida durante o alto modernismo de que a produção artística seria de certa forma regida por uma evolução progressista, em que cada linguagem, cada suporte, deveria voltar-se a si mesmo, buscando sua especificidade e, junto a isso, almejando uma originalidade autoral. No momento em que os artistas passam a utilizar imagens preexistentes, e, principalmente, a utilizar imagens da própria história da arte, há uma espécie de déjà vu, o que fez com que muitos críticos vissem na produção do período algo de leviano e inconsequente (CHIARELLI, 2002b).

Impossível não pensar que, ao realizar essa manobra de deslocamento e uso de imagens já consagradas da história da arte, Röhnelt está também se apropriando de um tipo de valorização preexistente e arraigada a essas imagens. Quer dizer, o Kouros representado por Röhnelt faz parte da coleção do Museu do Louvre, um dos mais famosos e prestigiados museus do mundo. Vê-se, com isso, que apropriar-se de uma imagem traz arraigado algo mais do que apenas a representação de algo realizado por outrem. Há aí certas especificidades da apropriação, e Crimp discute acerca de dois diferentes tipos. Para tanto se serve das obras de Sherrie Levine (1947) e Robert Mapplethorpe (1946-1989):

[...] a apropriação feita por Mapplethorpe o alinha a uma tradição de superioridade estética, fazendo, simultaneamente, referência a essa tradição e parecendo renová-la, enquanto a obra de Levine interrompe o discurso de superioridade por meio da recusa de reinventar uma imagem. Afirmo que a obra de Mapplethorpe continua a tradição da arte de museu, enquanto a de Levine mantém tal tradição sob um crivo mais rigoroso. (CRIMP, 2005, p.8).

Ainda segundo Crimp, a produção de Mapplethorpe, por fazer referência à tradição Clássica – através da composição, das poses, dos corpos com musculatura definida, da busca pela “beleza” –, seria uma apropriação do tipo modernista, já que se utilizaria da estética de um tempo passado e consagrado. Já sobre o trabalho de Levine, Crimp vai dizer que “ela faz uso das imagens, mas não para constituir um estilo próprio. Suas apropriações só têm um valor funcional para os discursos históricos específicos nos quais estão inseridas” (CRIMP, 2005, p.121). Ou seja, as obras de Levine discutem uma série de outras questões, inclusive a própria apropriação, a absorção dessas imagens “repetidas” pelas instituições de arte e, podemos ainda dizer, os aspectos relacionados ao papel da mulher enquanto produtora cultural. Seria válido, então, pensarmos a produção de Röhnelt a partir desse crivo proposto por Crimp? Penso que talvez seja difícil enquadrarmos as obras de Röhnelt nesse ou naquele tipo de apropriação. Entretanto, a reflexão a partir dessa perspectiva servirá para compreender melhor a produção do artista.

Primeiramente, cabe ressaltar que enquanto as produções de Mapplethorpe e Levine se dão a partir do meio fotográfico direto, as obras de Röhnelt aqui analisadas são desenhos ou pinturas, cuja relação com a fotografia se dá apenas como referências imagéticas, transpostas para as linguagens que interessam ao artista. Acredito que essa diferença entre os meios não signifique uma impossibilidade de aproximação, já que a fotografia, que é o cerne da discussão proposta por Crimp, está presente em maior ou menor grau na produção de Röhnelt. A fim de dar prosseguimento à discussão, é prudente pensar quais são os critérios utilizados por Crimp para diferenciar os tipos de apropriação. O autor diz que enquanto Mapplethorpe alia-se a uma tradição ao apropriar-se de uma estética consagrada e ao trabalhar a partir dela em suas fotografias, Levine nega a produção de novas imagens ao trabalhar a partir da apropriação fotográfica de obras artísticas já consagradas – principalmente – a partir de seus trabalhos intitulados After. Como pensar, a partir disso, a produção de Röhnelt?

Com certeza não seria possível relacionar as obras de Röhnelt exclusivamente enquanto crítica aos modelos institucionalizados nem ao próprio sistema artístico. Mas isso se faz presente de modo implícito, pois o papel – ou melhor, um dos papéis – que as representações de estatuetas possuem na produção do artista permite indicar a constituição de um pensamento sobre a própria história da arte. Quer dizer, a informação dada por Röhnelt a respeito de sua percepção de que havia um esgotamento de propostas artísticas originais na década de 1980 não deixa de ser um discurso que faz eco a um pessimismo em relação à possibilidade de criação como algo predominante na pós-modernidade (FLORES, 2005). Nesse sentido, a citação de obras já completamente inseridas e valorizadas no sistema das artes e nos livros de história da arte, tal como é proposto por Röhnelt, apresenta um posicionamento sobre a arte, trazido através da própria arte como uma maneira consciente de se situar no período vivido e de tomar uma posição a respeito de critérios tradicionalmente atribuídos às obras de arte como parâmetros de qualidade e relevância histórica.

Penso, então, que não seria possível reduzir a produção de Röhnelt como relacionada a apenas um ou outro modo de apropriação teorizado por Crimp. Percebo que seja possível entender sua produção em função das relações tecidas pelo autor tanto a partir de Mapplethorpe, em relação à utilização de uma estética já consagrada pela história da arte, ou seja, pela inspiração em modelos clássicos de representação do corpo, quanto de Levine, ao apropriar-se da coisa em si.

Por outro lado, interessa a Röhnelt utilizar a apropriação como um meio de trabalhar a partir da lógica da montagem, a qual possui intrinsecamente, como lembra Buchloh (2004), uma natureza alegórica. A montagem, no caso de Röhnelt, se dá, conforme já foi comentado, através da reprodução gráfica ou pictórica de segmentos de imagens fotográficas preexistentes colocados em conjunto. Esses elementos não esvaziam o caráter alegórico de suas obras. Buchloh comenta que os métodos alegóricos da montagem são a apropriação, a sobreposição e a fragmentação. Além disso, o autor se baseia na teoria de alegoria proposta por Walter Benjamin, que pensa o processo de alegorização a partir de dois movimentos: primeiro, a desvalorização dos objetos a partir da transformação desses em mercadorias, graças à implantação generalizada do sistema capitalista; a seguir, uma segunda desvalorização do objeto, para denunciar a própria desvalorização mercantil – como se a evidência por si só pudesse isentar o processo alegórico da dita desvalorização. E, por fim, Buchloh diz que

Com a divisão de significante e significado, o alegorista submete o signo à mesma divisão de funções sofrida pelo objeto com sua transformação em mercadoria. A repetição do ato original de esvaziamento e a nova atribuição de sentido redimem o objeto. (BUCHLOH, 2004, p. 91, tradução da autora).9

Os princípios da alegoria estariam contidos, então, na montagem: a apropriação e o esvaziamento de sentido, a fragmentação e a justaposição dialética dos fragmentos e a separação de significante e significado (BUCHLOH, 2004). Lembrando da epígrafe de Chiarelli, na qual ele comenta sobre a apropriação, para ele esta última também dá abertura para pensarmos sobre o seu caráter alegórico, já que traz a possibilidade de aproximação entre elementos que não possuem uma origem comum e os preenche de novos significados. Percebe-se, então, que o autor deixa ver uma potência de alegoria presente na estratégia da apropriação. No texto escrito por Buchloh, no qual embaso meus argumentos a respeito da alegoria, o autor faz uma ponte conceitual entre as propostas artísticas das vanguardas do início do século XX – principalmente o cubismo e o surrealismo –, e a produção realizada a partir da década de 1960. A partir dessa ponte, ele diz que podemos pensar a produção contemporânea frente ao conceito de alegoria.



Penso que a produção de Röhnelt dos anos 1980 possui um forte e arraigado sentido alegórico. Seguindo os passos de Buchloh, vê-se que estão presentes nos trabalhos de Röhnelt os princípios alegóricos teorizados por esse autor. Ao observar Sem título [Mondrian] (figura 5), há uma divisão em dois planos: um mais à frente, no qual residem a estátua, a xícara, a colher e o maço de cigarros; e aquele que estaria mais ao fundo, como uma parede, onde estão colocados os diversos objetos quadrangulares. Gostaria de chamar a atenção para o fato de que, assim como no primeiro trabalho apresentado, temos em Sem título [Mondrian] a representação de uma estátua, a qual se encontra repousada em uma pequena base quadrada e colocada lado a lado com outros elementos. Por essa proximidade, o olhar tende a englobar os objetos em uma mesma escala, fazendo com que a representação da estátua não mais remeta à grandiosidade das esculturas clássicas, ou ao trabalho de artistas renascentistas, mas, sim, a uma peça decorativa banal, como por exemplo, um peso de papel. Quer dizer, um objeto que se torna tão ordinário quanto uma colher, uma xícara ou um maço de cigarros.

Nesse sentido, percebo na produção de Röhnelt uma manobra irônica ao desconstruir a canonicidade de objetos reconhecidamente inseridos no imaginário ocidental no que concerne ao que conhecemos como obra de arte. Porém na narrativa construída por Röhnelt na figura 5 não haveria mais uma obra de arte clássica, mas a tradução dessa em forma de imagem do próprio objeto artístico canônico enquanto mercadoria, tal qual Buchloh chamou a atenção a partir do pensamento benjaminiano. Processo esse possível graças à apropriação, e consequente esvaziamento de sentido, seguido de novo preenchimento através da alegorização do objeto artístico – ou melhor, da imagem desse objeto.

Pode-se pensar de maneira semelhante a partir da observação do plano de fundo da obra de Röhnelt, o qual é preenchido, como comentei anteriormente, com alguns objetos quadrangulares. Esses lembram, pelas cores, linhas e pela sua configuração, as composições de Piet Mondrian (1872-1944). Nesse caso, não há exatamente a apropriação de uma imagem referencial, mas sim a apropriação de um tipo de investigação pictórica a partir do estudo de cores, tal qual a desenvolvida pelo pintor holandês. Ou seja, Röhnelt se apropria, nesse caso, de um modo de produção artística moderno, já completamente validado pela historiografia da arte. Esse tipo de apropriação pode ser aproximado, inclusive, daquele que Crimp observa em relação ao trabalho de Mapplethorpe, quando comenta a apropriação pelo artista de um estilo já consagrado. Aspecto que Kern já chamou a atenção a respeito da produção de Röhnelt:

Ao reelaborar imagens da História da Arte – esculturas e colunas gregas, composições de Mondrian, etc... – e práticas pictóricas atuais, como a pintura gestual, Mário tem como fim criar espaços de tensão e de reflexão sobre conceitos institucionalizados através dos tempos. A sua preocupação central se refere ao mito da originalidade, que é próprio do sistema capitalista e estimulado pelo sistema de arte. (KERN, 1995, p.43).

Röhnelt irá trabalhar em várias obras a partir dessa lógica, porém, penso que não de maneira a facilitar a inserção do seu trabalho no meio artístico, mas, sim, como um modo de chamar a atenção, justamente, para o peso da história da arte e para esse sentimento de descrença na originalidade, convocando-os para o seu processo criativo como um verdadeiro combustível para a produção de suas obras.

1  Alfredo Nicolaiewsky (1952) é natural de Porto Alegre, RS. A sua inserção artística se dá com a participação em diversas exposições individuais e coletivas desde meados da década de 1970. Atualmente, é professor adjunto do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

2  “¿Cómo olvidar a Warhol o Richter? No copiaron fotos. No eran tiempos de copia. Asimilaron la reproducción, transformaron la pintura en una técnica de reproducción. Se apropiaron de las fotos para hacer con ellas pinturas (cuadros pintados), del mismo modo que se hace una copia fotográfica.”

3  Entrevista realizada por mim em 26 de outubro de 2012.

4  Exposição acontecida em 1999, no Santander Cultural de Porto Alegre, e que teve curadoria de Tadeu Chiarelli. Nela, Chiarelli buscou realizar um breve panorama de artistas brasileiros que utilizavam da apropriação e da coleção para realizar suas obras.

5  A coleta dessas informações se deu através de entrevistas e trocas de e-mail com Mário Röhnelt, realizadas entre 2012 e 2014.

6  Os Cita foram um povo da Antiguidade Clássica, que ocupava uma região que ia do Mar Negro até o leste do Mar Cáspio.

7  Röhnelt informou que a imagem foi apropriada de um livro sobre Art Déco. Importante ressaltar que foi possível encontrar as imagens que possivelmente serviram de base para Röhnelt nos três primeiros casos (Kouros, vaso Cita e Garrafas com rolha). Entretanto, o mesmo não foi possível em relação à citada estatueta Art Déco.

8  Embora a edição do livro Arte Internacional Brasileira, de Tadeu Chiarelli, seja datada de 2002, o texto Imagens de segunda geração foi escrito em 1987, em função da mostra homônima, realizada nesse mesmo ano pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

9  “Con la escisión de significante y significado, el alegorista somete el signo a la misma división de funciones que ha sufrido el objeto con su transformación en mercancía. La repetición del acto original de vaciado y la nueva atribución de sentido redimen al objeto.”

BRITES, Blanca. Memórias em ressonância. In: NICOLAIEWSKY, Alfredo (org.). Alfredo Nicolaiewsky: desenhos e pinturas. Porto Alegre: Fumproarte, 1999.

BUCHLOH, Benjamin. Procedimientos alegóricos: apropiación y montaje en el arte contemporáneo. In: ______. Formalismo e historicidad. Modelos y métodos en el arte del siglo XX. Madrid: Akal, 2004.

CHEVRIER, Jean- François. La fotografía entre las bellas artes y los medios de comunicación. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2007.

CHIARELLI, Tadeu Apropriações|Coleções. Porto Alegre: Santander Cultural, 2002a.

______. Arte internacional brasileira. 2 ed. São Paulo: Lemos-Editorial, 2002b.

CRIMP, Douglas. Sobre as ruínas do museu. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

FABRIS, Annateresa. Fotografia e artes visuais: alguns encontros na contemporaneidade. In: FABRIS, Annateresa. Fotografia e arredores. Florianópolis: Letras contemporâneas, 2009.

FLORES, Laura Gonzáles. Fotografia y pintura: ¿dos medios diferentes? Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2005.

KERN, Maria Lúcia; ZIELINSKY, Mônica; CATTANI, Icleia Borsa (orgs.). Espaços do corpo: aspectos das artes visuais no Rio Grande do Sul (1977 – 1985). Porto Alegre: Editora da UFRGS; Programa de Pós-Graduação em Artes, 1995.

NICOLAIEWSKY, Alfredo. Confissões necessárias. In: NICOLAIEWSKY, Alfredo (org.). Alfredo Nicolaiewsky: desenhos e pinturas. Porto Alegre: Fumproarte, 1999.

Mário Röhnelt, Sem título [autorretrato WC (Waltercio Caldas)], 1983, grafite sobre papel, 50 x 70 cm, coleção do artista.

Artista desconhecido, Apolo de Piombino, século I a.C., descoberto submerso na costa de Piombino, na Itália, em 1832. Bronze, cobre e prata, fundição oca, altura 115 cm, comprado em 1834, Museu do Louvre.

Artista desconhecido, vaso esférico com cenas da vida cotidiana do povo Cita, 400-350 a.C., 13 cm, Museu Hermitage, São Petersburgo.

Waltercio Caldas, Garrafas com rolha, 1975, porcelana e rolhas, 25 x 20 x 9 cm, Coleção Liba e Rubem Knijnik.

Mário Röhnelt, Sem título [Mondrian], 1983, grafite e tinta acrílica sobre papel, 50 x 70 cm, coleção particular, Rio de Janeiro.