O coletivo Terra em Cena surgiu em 2010, como um projeto de extensão do curso de Licenciatura em Educação do Campo (Ledoc), da Faculdade UnB Planaltina (FUP). O grupo se constituiu com a finalidade de fomentar um processo de complementação da formação dos estudantes da Ledoc frente à linguagem teatral, um dos componentes disciplinares da área de habilitação em Linguagens.

A área de habilitação em Linguagens artísticas do curso foi construída, em grande parte, a partir da experiência acumulada do trabalho com cultura e linguagens artísticas dos movimentos sociais, com mais ênfase na dinâmica desenvolvida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Esse processo é parte e consequência da assimilação, pela universidade pública brasileira, da demanda de formação de professores para as escolas do campo, a partir da elaboração dos movimentos sociais da proposta da “educação do campo”,1 enquanto política pública, categoria teórica e proposta pedagógica (CARDART, 2012, p. 257).

Apropriações da educação popular e do teatro político

O curso de Licenciatura em Educação do Campo da FUP ocorre em regime de alternância, o que significa que parte da carga horária das disciplinas é cumprida com atividades na comunidade de origem dos estudantes. Avaliou-se que esse sistema permitiria, no “Tempo Comunidade” do curso, que os estudantes ministrassem oficinas nos territórios em que vivem, com o intuito de formar grupos teatrais a partir do aprendizado das técnicas do “Teatro do Oprimido”, com ênfase na técnica do “Teatro Fórum”2.

O intuito era pôr em prática a metodologia que Augusto Boal utilizou para criar, com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a Brigada Nacional de Teatro do MST Patativa do Assaré,3 em trabalho realizado durante os anos de 2001 a 2005, por meio de oficinas que duravam entre dez a quinze dias e que aconteciam na cidade do Rio de Janeiro, na sede do Centro do Teatro do Oprimido (CTO), grupo que Boal coordenava. O método consistia em formar multiplicadores e socializar os meios de produção da linguagem teatral.

No processo específico de vivência na linguagem teatral, alicerçado na socialização dos meios de produção, é imprescindível para os futuros formadores a imersão na linguagem a partir das múltiplas perspectivas e posições de trabalho, e não apenas do ponto de vista de quem ministra uma oficina. Assim, a experiência de ser ator em um elenco, de montar peças em repertório e apresentá-las com frequência, bem como a experiência de constituir e coordenar um grupo, de dirigir montagens, de elaborar a dramaturgia, são constituintes do processo formativo. Por isso, o Terra em Cena se empenhou em ter um elenco com disponibilidade para se reunir de forma sistemática, além de formar elencos nas comunidades.

Em 2011, o Terra em Cena apresentou uma versão adaptada de Mutirão em Novo Sol (1961), peça pioneira do teatro político brasileiro, por colocar a luta camponesa e seus personagens em primeiro plano, como protagonistas da luta épica pela terra, incorporando atores e atrizes do elenco da Brigada Semeadores de agitprop4 do MST do Distrito Federal e Entorno, e também já envolvendo no elenco estudantes da segunda turma da Ledoc.

No ano seguinte, em agosto de 2012, o elenco do Terra em Cena protagonizou uma versão do mesmo texto, no Encontro dos Povos do Campo, das Águas e da Floresta, que reuniu mais de cinco mil camponeses, indígenas, quilombolas, pescadores e representantes de outros segmentos da sociedade brasileira, no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade, em Brasília. Foi o maior público com o qual o Terra em Cena já contou e o momento mais simbólico de sua ação teatral, na medida em que, depois de meio século, a peça escrita por Nelson Xavier, Augusto Boal, Modesto Carone, Dalton Trevisan e outros, era reapresentada para os trabalhadores do campo. Nelson Xavier veio do Rio de Janeiro para Brasília para assistir à montagem e dar um depoimento ao final.

No mesmo ano, o elenco do Terra em Cena estreou Contra quê? Contra quem?, uma dramaturgia de produção coletiva que envolveu os estudantes da terceira turma da Ledoc. Com essa peça, o coletivo circulou por assentamentos, acampamentos e por comunidades quilombolas do raio de abrangência da Faculdade UnB Planaltina. Percebeu-se que as pessoas passavam a se interessar por participar de uma oficina de teatro após terem assistido à peça, bem como participar do debate sobre as questões que o trabalho incitava. Essa recepção tornou a peça uma síntese do trabalho coletivo, que funcionou como apresentação do trabalho não apenas como um produto artístico, mas como canal de socialização de todo o processo de sua construção.

O desenvolvimento desses experimentos cênicos é fruto do estudo das relações entre forma estética e processo social em peças dramáticas, épicas, e em cenas de Teatro Fórum. O debate sobre a relação dialética entre forma teatral e processo social remeteu o grupo para o estudo da relação entre formas importadas e a realidade histórica local, considerando as mediações existentes na relação entre centro e periferia. Trata-se de um entendimento de como o teatro passava a incorporar a esfera pública e seu diverso leque temático, o que implicava numa considerável ampliação do repertório formal de técnicas e procedimentos estéticos, como as formas narrativas, os coros, a inclusão de novas tecnologias na cena teatral, como as projeções de cinema e de fotografias e a realização de espetáculos fora da estrutura do aparelho teatral convencional.

Apesar das conquistas e das construções do coletivo, a condição de teatro amador implicou em sérias dificuldades para a manutenção de um elenco permanente e de seu repertório em condições de apresentação e pesquisa estética da linguagem. Tais dificuldades vieram à tona quando alguns integrantes do coletivo, após a graduação, tiveram que se afastar por conta do horário de trabalho ser incompatível com o horário dos encontros, ou mesmo com os desafios de circulação pelas comunidades para a continuidade do processo de formação nos territórios, devido à precarização da frota de transportes da UnB. Além disso, muitos dos jovens que integravam os elencos nas comunidades, após concluírem o ensino médio, foram morar nas cidades em busca de melhores condições de estudo e de trabalho. Os desafios foram estímulos para repensar a forma de atuação dos integrantes que permaneceram no grupo.

Ampliação das parcerias

Em paralelo à ação capilar para dentro das comunidades, o Terra em Cena se empenhou em fortalecer parcerias com outros coletivos de teatro político no Brasil e, desde 2013, passou a se envolver em atividades com o Instituto Augusto Boal, coordenado por Cecília Thumin e Julian Boal. A parceria se configurou com a vinda dos dois à Planaltina para ministrar palestras e oficinas, com participações em mostras e seminários organizados pelo coletivo. O intercâmbio propiciou o convite ao Terra em Cena para o Encontro Latino-americano de Teatro Político, que ocorreu na UFRJ em 2013, e reuniu grupos, professores, artistas, dramaturgos e diretores do Brasil, da Argentina e da Venezuela. Na ocasião, além da participação em uma das mesas de debate, o coletivo teve a oportunidade de apresentar uma leitura dramática encenada da peça Juiz de paz na roça, de Martins Pena.

Outro fruto de parcerias foi a publicação de um material visando a socialização dos conhecimentos técnicos e teóricos da linguagem teatral. O livro Teatro político, formação e organização social5 possui dupla função: a revisão histórica do percurso que o teatro político faz no Brasil; e o sentido prático de manual, com explicação e esquemas de conceitos e formas, e de um conjunto de técnicas e jogos teatrais, visando a apropriação didática pelos leitores e participantes das oficinas.

Em 2014, o coletivo foi convidado pela Companhia do Latão para participar do I Seminário Internacional Teatro e Sociedade, que reuniu coletivos de teatro político, grupos de pesquisa de universidades, estudantes, professores, e militantes por três dias, na cidade de São Paulo. Na ocasião, se consolidou a Rede Internacional Teatro e Sociedade e foi apontada a necessidade de encontros periódicos. Desse modo, em dezembro de 2015, o Terra em Cena sediou, na Universidade de Brasília, em parceria com outros grupos e professores, o II Seminário Internacional Teatro e Sociedade,6 reunindo cerca de cem pessoas, entre coletivos, pesquisadores e professores do Brasil, da Argentina e do Uruguai.

A troca de experiências com outros grupos que desenvolvem trabalhos articulando teatro e audiovisual, bem como a possibilidade de experimentações com a produção audiovisual, contribuíram para emergir no horizonte estratégico do Terra em Cena a necessidade de agregar ao trabalho teatral a linguagem audiovisual. Isso se pretendia não apenas como uma linha acessória de registro do trabalho teatral, mas como uma forma de expressão estética, um trabalho importante de disputa no campo ideológico e de tentativa de abrangência de um público maior do que aquele permitido pela ação teatral.

O modo como o audiovisual cresceu no Coletivo Terra em Cena

Apesar da linguagem do audiovisual não ser parte integrante dos componentes disciplinares da primeira versão do Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso da Ledoc, nas disciplinas iniciais que são ministradas para toda a turma, antes da divisão por área de habilitação, optou-se por trabalhar com exercícios de análise de linguagem e obras que incluíssem o audiovisual. Considerou-se o papel predominante que essa linguagem cumpre, sobretudo, por meio da televisão, no processo de informação e de manipulação ideológica em nosso país, sendo fundamental a compreensão de seu desempenho como aparelho ideológico e a assimilação de suas técnicas e recursos.

Nas disciplinas “Mediações entre forma estética e forma social” e “Estética e Política”, o trabalho com poemas, contos, crônicas, e peças teatrais, muitas vezes, foi sucedido por experimentações em linguagens a partir de uma obra. Na ocasião, o recurso adotado era o “sistema de protocolos” que Brecht propunha aos seus elencos como exercício livre de reflexão de qualquer pessoa do grupo sobre aspectos estéticos do trabalho, ou sobre as relações sociais no universo do trabalho.7

O protocolo apresentado por um grupo de estudantes da segunda turma da Ledoc sobre o conto Pai contra mãe, de Machado de Assis, foi uma intervenção pensada e realizada para o vídeo, produzida após o término de uma aula de um dia e apresentada no dia seguinte pela manhã. Um dos estudantes assumiu a posição de diretor da cena e, se apropriando do esquema geral da narrativa do conto, o grupo criou uma estrutura também influenciada pela mística,8 construindo uma pequena narrativa. Experimentações desse tipo evidenciavam o quanto o desenvolvimento da tecnologia do audiovisual tornava acessível aos estudantes a possibilidade de contato não apenas como consumidores da linguagem, mas como produtores. Com o tempo, foi surgindo a necessidade de incluir, no processo de formação em múltiplos letramentos, a linguagem do audiovisual, não somente como meio de aprendizado de construção de narrativas, mas como uma forma sensível para a percepção de como são construídas as narrativas hegemônicas.

Em 2013, em parceria com a professora Mônica Molina, da Ledoc, o Terra em Cena teve um projeto aprovado no edital proposto pela Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), pelo Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária (Pronera) e pelo Ministério das Comunicações, para trabalhar com Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e com a linguagem audiovisual. Desse modo, viabilizou-se a montagem de uma equipe de professores e documentaristas que iniciou um trabalho prioritariamente com as comunidades em que o coletivo já desenvolvia atividades, agregando a dimensão da produção em audiovisual ao trabalho teatral.

Ao final do projeto, com a produção coletiva de cinco documentários, chegou-se à síntese das seguintes funções potenciais do trabalho com audiovisual na Licenciatura em Educação do Campo:9

a) No âmbito da formação escolar e dos espaços de formação e cultura das comunidades, os estudantes da educação do campo podem atuar como professores ou formadores, analisando criticamente a linguagem audiovisual e os padrões hegemônicos de representação da realidade, operados pela indústria cultural. Isso permite a qualificação do olhar para a linguagem, de modo que a utilização do vídeo em sala de aula não seja um acessório mecânico, como repositório de conteúdo dado em aula. E, para as comunidades, possibilita um olhar crítico sobre as representações audiovisuais que já foram produzidas sobre eles, que, em muitos casos, resvala para o estereótipo do exotismo;

b) O audiovisual como um meio de elaboração da memória coletiva: no âmbito da produção dos bens simbólicos, pela construção de um olhar distanciado sobre os diversos aspectos da vida das comunidades tradicionais e assentadas;

c) O audiovisual como recurso político de elaboração dos problemas e exposição de denúncias: a produção audiovisual pode atuar nas diversas frentes de conflito existentes nos quilombos e assentamentos, como a denúncia das condições precárias das escolas do campo e quilombolas, a denúncia dos crimes ambientais, a confrontação com os métodos paternalistas dos três níveis de governo;

d) O audiovisual como um recurso de pesquisa e elaboração de narrativas a serem utilizadas no trabalho escolar, por diversas disciplinas e pelas associações e movimentos sociais das comunidades. O barateamento dos equipamentos e a facilidade de manuseio permitem que não apenas os filmes sejam distribuídos, mas também os equipamentos de produção;

e) A familiarização do audiovisual no âmbito do acesso às obras e à produção desperta a consciência para o legado da produção audiovisual e cinematográfica. O papel da arte, enquanto espaço de produção simbólica autônoma, enquanto fruição e elemento mediador para construção de nosso sentido de humanidade pode ser potencializado por meio de iniciativas como a formação de cineclubes, realização de mostras temáticas nas escolas e projetos de produção que prevejam a exibição e o debate de obras como parte do processo de formação da equipe e da comunidade;

f) As interfaces entre Audiovisual e Teatro, Literatura e Música podem ser potencializadas dentro e fora da sala de aula, por meio do trabalho articulado dos grupos nas comunidades com o audiovisual, do trabalho da leitura de romances e da exibição e debate de suas adaptações para o cinema, como, por exemplo, Vidas Secas e São Bernardo.

Ao final desse projeto, em agosto de 2013, o Terra em Cena realizou a primeira mostra de sua produção, intitulada Mostra Terra em Cena e na Tela: produção teatral e audiovisual da educação do campo, na qual foram apresentadas quatro peças de grupos ligados ao coletivo e os cinco documentários produzidos.

A experiência avaliada pela equipe docente do projeto e pelo corpo docente e discente da Licenciatura em Educação do Campo foi determinante para a decisão de incluir a linguagem do audiovisual no corpo de disciplinas da área de habilitação em Linguagens, em alteração do PPP do curso, concluída no ano de 2016. Após aprovado e colocado em prática o novo PPP, foram realizados concursos para a contratação de professores de novas disciplinas. Para “Artes do Vídeo” e “Artes Visuais”, ingressou o professor Felipe Canova, com experiência em produção audiovisual junto a movimentos sociais da Via Campesina, o que fortaleceu a dimensão da produção com a linguagem, tanto na Licenciatura quanto no Terra em Cena.

Em 2016, após o II Seminário Internacional Teatro e Sociedade, o coletivo se abriu para a entrada de novas integrantes, que aportaram ao grupo experiências na área de rádio, gestão e produção cultural. No mesmo período, o coletivo passou a se constituir também como um grupo de pesquisa, cadastrado no diretório do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com o nome “Terra em Cena: teatro, audiovisual e educação do campo”.

Com o coletivo fortalecido pela entrada de pessoas com trajetórias e perfis que agregaram novas possibilidades, e diante da conjuntura do golpe midiático-jurídico-parlamentar-empresarial, o grupo se viu incitado a avançar de maneira mais sistemática no trabalho e pesquisa, articulando a produção audiovisual e teatral.

O programa Revoluções

Em face à conjuntura regressiva de ataque aos direitos sociais previstos na Constituição Federal, bem como considerando nossas condições reais de produção enquanto coletivo, o Terra em Cena se viu diante do desafio de articular a experiência teatral do grupo com a pesquisa em linguagem audiovisual no formato televisivo. Um aspecto favorável foi o fato de um dos integrantes do grupo já trabalhar como repórter e produtor na TV Comunitária de Brasília.

Por definição política, o coletivo optou por trabalhar com a TV Comunitária, um canal obrigatório na programação da televisão por assinatura, previsto na legislação e reservado para a utilização de entidades não governamentais e sem fins lucrativos. O objetivo foi ocupar e fortalecer esse canal, voltando a capacidade de criação para um meio comunitário, sem deixar de compartilhar e difundir nas redes sociais o conteúdo produzido. Nesse sentido, o grupo busca um formato para o programa pensando o que é mais viável para a televisão, quem são os interlocutores e o público do trabalho. Entende-se que os receptores poderão ser artistas, pesquisadores, telespectadores em geral, mas, sobretudo, as populações vitimadas pela superexploração do trabalho, pela precarização das condições de vida e em luta contra os retrocessos em curso no país.

Para tanto, o grupo entende ser necessário elaborar uma posição que supere as dicotomias dos projetos de conciliação de classe, ao procurar abordar em profundidade as raízes da crise sistêmica e discutir com diversos segmentos de trabalhadores, bem como com a população circulante em espaços públicos (como as rodoviárias, as ruas e as manifestações), quais os rumos possíveis para a construção de um projeto genuinamente popular para o país, em uma perspectiva anticapitalista, antirracista e antipatriarcal, bem como qual a vigência da perspectiva da revolução nos dias atuais.

Com o programa Revoluções, o Terra em Cena pretende articular, por meio da pesquisa, as esferas da arte e da política, identificando nas contradições das lutas contemporâneas a emergência potencial de uma nova cultura política, capaz de se contrapor à crise do capitalismo e seus efeitos perversos impostos à população. Desse modo, recolocar em pauta a questão da revolução é um dos objetivos do programa, para além do enquadre nacional, abordando as experiências revolucionárias que insurgiram no século XX.

Como método de trabalho, definiu-se um planejamento semestral com as temáticas a serem abordadas nas seis primeiras edições do programa. Uma reunião de pauta é realizada mensalmente, dedicada a cada episódio, na qual a equipe (que soma um núcleo fixo com seis integrantes do coletivo) identifica as demandas de materiais e estabelece os quadros a serem produzidos, além de construir coletivamente um pré-roteiro e o cronograma de gravações das intervenções, entrevistas, atos, manifestações, assim como de edições. Depois de um ou mais encontros para avaliação do material editado, o programa é veiculado na TV Comunitária e difundido nas redes sociais.

Ainda quanto ao método de trabalho, com o programa pretende-se recolocar em pauta formas de trabalho de base e agitprop, buscando articular a dimensão teórica e prática, com exibições de filmes seguidas de debate sobre as temáticas abordadas, jogos e intervenções teatrais, e um quadro com repórter popular que entrevista a população em atos e manifestações. De fato, o material vai ganhando um potencial formativo, com capacidade de difusão e reflexão de temáticas centrais nas disputas de poder do tempo presente.

A nova empreitada radicaliza a dinâmica colaborativa do trabalho e de socialização dos meios de produção audiovisual, na qual cada integrante do grupo se envolve em funções não só de seu interesse, de acordo com sua disponibilidade e especialidade, mas experimenta outras funções e influi diretamente no trabalho dos demais, o que faz do resultado final uma obra coletiva. Uma característica central do processo de trabalho é a abertura às contribuições da rede de colaboradores, composta por movimentos sociais e coletivos artísticos e de pesquisa, não só no Brasil como de países vizinhos, convidados para integrar a produção do programa com o envio de materiais — como intervenções ou poemas gravados em áudio ou em vídeo —, a partir de suas experiências de resistência e luta.

Mesclando o formato documental com linguagens artísticas, o programa Revoluções pretende fazer uma cobertura das lutas sociais travadas atualmente no país, buscando um enfoque estrutural das questões, para além das emergências impostas pela conjuntura atropelada que se instalou no Brasil desde o golpe de Estado. Nesse sentido, o primeiro episódio10 tratou das recentes ocupações de escolas e universidades protagonizadas pelas meninas e mulheres e da luta contra o Projeto de Emenda Constitucional (PEC 55/16) que impõe o congelamento dos investimentos sociais no Brasil por vinte anos. Já o segundo episódio11 tem o livro A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre (2008), de Naomi Klein, como chave de interpretação para o que está ocorrendo no Brasil. E o terceiro episódio12 aborda a luta das mulheres e o avanço dos feminismos contra o patriarcado.

Em fase ainda seminal, os primeiros episódios do Revoluções assumem seu caráter processual, que associa pesquisa, experimentação e produção de forma horizontal, em rede, aberto às críticas, diálogos e aprendizados não apenas internamente, mas junto a outros coletivos, pesquisadores, colaboradores e interlocutores, para a construção dialógica de narrativas contra hegemônicas.





















1  A “educação do campo” é fundamentada em uma tradição pedagógica de perspectiva libertadora, emancipatória e socialista, a “educação popular”, que tem como princípios o diálogo, a práxis, a transdisciplinaridade, a formação crítica, problematizadora e participativa, com base no respeito à diversidade cultural da sociedade e na valorização dos diferentes saberes.

2  Teatro Fórum é uma técnica do sistema mais amplo Teatro do Oprimido, na qual o elenco apresenta uma situação de opressão, cujo problema, em geral, é de conhecimento do público e, após a apresentação de um mediador chamado de “curinga”, é promovido um debate sobre o tema, que se converte em uma plenária na qual todas as pessoas podem propor táticas, em cena, no lugar dos personagens oprimidos, para resolução da situação de opressão. Após cada tática proposta, o curinga solicita que a plenária avalie as circunstâncias em que as propostas poderiam ser eficazes para lidar com as questões propostas no dia a dia dos cidadãos e cidadãs.

3  Ver publicação Teatro e transformação social: vol. 1 Teatro Fórum e Agitprop. Coletivo Nacional de Cultural — Brigada Nacional de Teatro Patativa do Assaré, 2007.

Agitprop é uma expressão resultante da síntese entre “agitação” e “propaganda”. Diz respeito a um conjunto de métodos e táticas a serviço da estratégia política de organizações socialistas, que articulam formas estéticas ao trabalho de formação política e agitação das massas. Ver: COSTA, Iná Camargo; ESTEVAM, Douglas; VILLAS BÔAS, Rafael. Agitprop: cultura política. São Paulo: Expressão Popular, 2015.

5  Disponível em: https://drive.google.com/file/d/0B-oXgIY1iDlNeFpNamowUG42X2c/view?usp=sharing

6  Vide relatório público, disponível em: https://institutoaugustoboal.files.wordpress.com/2016/08/vf-relatocc81rio-final-do-ii-sits-versao-17-de-ago-de-2016.pdf

7  Alguns protocolos de trabalho estão disponíveis no blog do Coletivo Terra em Cena: http://terraemcena.blogspot.com.br

8  A mística consiste não só em uma prática, mas em espaço de formação do Movimento de Trabalhadores Sem Terra que agrega o fazer cultural mais amplo, a preservação da memória e a representação da própria luta em expressões estéticas vigorosas, que rememoram as origens, os valores e os propósitos dos integrantes em ocasiões de encontro. Tida como herdeira da Teologia da Libertação, da Pedagogia Freireana, reunindo, assim, religiosidade, realidade sociocultural, política e ideologias marxistas, a mística apreende em uma impactante representação simbólica a luta dos camponeses pela terra, no Brasil.

9  Segundo relatório final “Formação de Educadores do Campo para o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação”, produzido pela equipe do projeto.

10  Lançado em dezembro de 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bq8zLyKM4lY&feature=youtu.be

11  Produzido em janeiro de 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nwlsk7VBRBo&feature=youtu.be

12  Produzido em março de 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MJxrIVDOCTE

CALDART, Roseli Salete. Educação do campo. In: ______, et al (org.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.

Capa -  Revoluções. Imagem: Felipe Canova.

Terra em Cena e grupos vinculados ao projeto, no Auditório Augusto Boal da Faculdade UnB Planaltina. Imagem: Arquivo Terra em Cena.

Brigada Nacional Patativa do Assaré com Augusto Boal e equipe do CTO. Fevereiro de 2005. Imagem: Arquivo MST.

Peça “Mutirão em Novo Sol”, no Encontro dos Povos do Campo, das Águas e da Floresta. Agosto de 2012. Imagem: Rafael Villas Bôas.

Nelson Xavier com elenco da Peça “Mutirão em Novo Sol”, no Encontro dos Povos do Campo, das Águas e da Floresta. Agosto de 2012. Imagem: Rafael Villas Bôas.

Peça “Mutirão em Novo Sol” no Encontro dos Povos do Campo, das Águas e da Floresta. Agosto de 2012. Imagem: Rafael Villas Bôas.

Peça “Contra quê? Contra quem?”, no Acampamento 08 de março de 2013. Imagem: Arquivo Terra em Cena.

Peça “Contra quê? Contra quem?”, no Acampamento 08 de março de 2013. Imagem: Arquivo Terra em Cena.

Oficina de teatro na comunidade. Imagem: Arquivo Terra em Cena.

Oficina de teatro na comunidade. Imagem: Arquivo Terra em Cena.

10  Flyer da “Mostra Terra em Cena e na Tela”. Agosto de 2013. Imagem: Arquivo Terra em Cena.