Durante muito tempo acreditei no início. Acreditava nas possibilidades de uma explosão que por uma casualidade, pudesse desencadear uma série de processos recursivos, que construiriam toda a trama do tempo e espaço, assim como todas as coisas. Durante esse período, apesar de minha atenção aos efeitos da realidade cósmica presentes na simples sombra que cobria a trilha durante minhas caminhadas no parque, ou mesmo nos estrondosos sons das tempestades que riscavam verticalmente o horizonte, eu sempre estive envolvido apenas com o meu próprio corpo. Não que esse fosse o problema.

Certo dia encontrei a palavra e, passando a ler o mundo, comecei a senti-lo de uma maneira distinta. Passei a reconhecer meu corpo como sendo um suporte que validava todos os meus sentidos e, desta forma, busquei relacionar-me com as mais diversas histórias que criavam o mundo. Acompanhando um dos principais medos que o homem possui, o esquecimento, expandi minha memória para lugares mais seguros, menos mutantes, para o papel, embora isso estivesse ainda muito longe do conhecimento original (PORTELA, 2012, p. 287).

No entanto, mais do que a primitiva necessidade de guardar e construir a memória desta realidade, eu criava, escrevia, apesar de ainda pensar que fosse necessário entender as verdadeiras intenções dos Alquimistas. Tinha a plena consciência de que eu também pertencia a uma leitura e, mais do que isso, a uma escrita que fora traçada sobre a “água primitiva” (FLAMEL, 1973, p.21) num dado momento onde ainda não existia o tempo e talvez nem mesmo o espaço. O momento da programação primordial. O puzzle montado com toda perfeição. Apesar disso, como estava prestes a descobrir, tal acontecimento não seria o início, mas sim apenas a continuação de certa realidade onde alguma existência tivesse evoluído a sua escrita e a sua leitura a ponto de transcendê-las.

De fato, ainda sentia que minha ação apenas desvelava o véu de ficções que cobria o mundo e, embora estivesse distanciando-me cada vez mais da linguagem, ainda estava preso a uma bolha de realidade que parecia irrompível. Não sabia qual deveria ser o próximo passo, mas tudo apontava sempre para a escrita. Origem.

Pensando nas mitologias, agora percebo que o fruto da Segunda Árvore talvez fosse uma verdade (PORTELA, 2012, p.296): “uma chave com três bilhões de letras que soletram o fenômeno da criação da vida a partir de uma ideia”.

Agora passei a acreditar no meio.

1  Desenho de uma fita de DNA, realizado com caneta esferográfica preta (superior). Impressão da digital do meu dedo polegar, com tinta acrílica preta (inferior esquerdo). Imagem da Via Láctea, editada em Photoshop (inferior direito). Escrita realizada com caneta esferográfica preta.

FLAMEL, Nicolas. O livro das figuras hieroglíficas. São Paulo: Editora Três, 1973.

FLUSSER, Vilém. O mundo codificado. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

PORTELA, Patrícia. O Banquete. Alfragide, Portugal: Caminho, 2012.