Entre os dias 28 de novembro e 18 de dezembro de 2016, a Intervalo-Escola ocupou a Casa Tomada, em São Paulo, com o programa Intervalo em Curso, no contexto do Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais 12ª edição. A escola tem como colaboradores centrais os pesquisadores-etc Cláudio Bueno e Tainá Azeredo, e consiste numa plataforma que mapeia e experimenta diferentes modos de aprendizagem em artes e a partir do campo da arte. Os acontecimentos desse programa enfatizam modelos de aprendizagem colaborativos, cooperativos, não hierarquizados, imersivos, sensíveis e informais. Intervalo-Escola coloca-se sempre frente a possíveis diálogos e antagonismos quanto às práticas e conceitos formais de ensino. Essa instituição não tem lugar fixo e atua como zona temporária imersiva, na qual cada acontecimento é composto por grupos, lugares, saberes e contextos específicos.
Para cada edição do programa, um artista é convidado a pensar junto ao grupo as atividades e as estratégias de compartilhamento de saberes. Em São Paulo, contamos com a participação de Ricardo Basbaum. Dentre as atividades que foram desenvolvidas pelo grupo, alinhado ao programa da escola, o artista propôs a realização de um encontro imersivo a partir da série Conversas-Coletivas, que vem sendo construída a partir de oficinas e dinâmicas de grupo, realizadas em diversas ocasiões.1 Trata-se de uma proposição de trabalho conjunto, no sentido de produzir e organizar um desejo coletivo de fala a partir de temas e questões compartilhados no período de convívio, em que se entrelaçam tópicos de uma política transubjetiva e da urgência. A proposição preza pela horizontalização do grupo de trabalho, construindo, através da conversa, um discurso coletivo derivado dos interesses e das colaborações individuais. O texto final, em forma de roteiro para leitura pública — que apresentamos aqui, em seguida —, se desdobra enquanto colagem, fruto de intensas negociações diárias e rica troca de saberes, realizadas ao longo dessa imersão de 20 dias. Ao final, o roteiro foi gravado em estúdio e lido como performance sonora na Casa Tomada, no encerramento do processo de convívio [áudio disponível em: http://intervaloescola.org/intervaloemcurso/#sp].
Participaram de Conversas-Coletivas na Intervalo-Escola: Bárbara Lopes, Bruno Alves de Almeida, Cláudio Bueno, Fábio Tremonte, Haroldo Saboia, Júlia Milward, Kadija de Paula, Noara Quintana, Paz Ponce Pérez-Bustamante, Ricardo Basbaum, Suelen Pessoa, Tainá Azeredo e Valdinaldo Martins da Silva.
Conversas-Coletivas (Intervalo-Escola: intervalo em curso, São Paulo)
dezembro de 2016
Bárbara Lopes, Bruno Alves de Almeida, Cláudio Bueno, Fábio Tremonte, Haroldo Saboia, Júlia Milward, Kadija de Paula, Noara Quintana, Paz Ponce Pérez-Bustamante, Ricardo Basbaum, Suelen Pessoa, Tainá Azeredo e Valdinaldo Martins da Silva.
Todas as vozes, em conjunto
lengalengalengalengalengalengalengalengalengalengalengalengalengalengalenga
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Onze vozes
(Tainá, Haroldo, Ricardo, Fábio, Paz, Júlia, Bruno, Bárbara, Suelen, Cláudio, Naldo)
[interrompendo]
Eram 11
Seis vozes (Tainá, Haroldo, Ricardo, Suelen, Cláudio, Naldo)
[em seguida]
Eram 6
[com agilidade, em sequência]
Paz
Eram céticos
Fábio
Eram céticos
Bárbara
Pelos meus cálculos
Bruno
Pelos meus cálculos
Júlia
somos
Haroldo
somos
Tainá
um pra um
Ricardo
um pra um
Suelen
[lentamente]
Moléculátomo
Bárbara
[repete ao mesmo tempo as palavras]
corpo
corpá
Cláudio
Todos acham algo
Naldo
"A experiência é algo que (nos) acontece e que, às vezes, treme, ou vibra, algo que nos faz pensar, algo que nos faz sofrer ou gozar, algo que luta pela expressão, e que, às vezes, algumas vezes, quando cai em mãos de alguém capaz de dar forma a esse tremor, então, somente então, se converte em
Paz
[em superposição à leitura anterior]
LARROSA, página 10
Quatro vozes Suelen, Haroldo, Ricardo, Tainá
[de modo circular repetindo em ciclos, sem parar]
“Olele ô”
Cláudio, Bárbara, Fábio
[de modo rítmico e marcado, em superposição aos ciclos]
bunda, caçula, samba, cachaça, cacimba, bagunça, dendê, fuxico,
berimbau, cuíca, cangaço, maconha, mambembe, curinga, forró,
candango, chibata, catimba, quitanda, quiabo, moleque, sacana,
cabaço, dengo, quitute, senzala, quilombo, corcunda, cafundó, fubá,
macaco, batucada, titica, zabumba, xoxota…
Júlia
[em superposição, uma única vez]
Sobre a herança, ainda resta dúvida?
À propos de l'héritage, reste-il encore de doute?
Bruno
[interrompendo os ciclos]
a
Naldo
palavra periférica
Bruno
a
Naldo
palavra apropriada
Bruno
a
Naldo
palavra expropriada
Bruno
a
Naldo
palavra repatriada
Suelen
— Escuta: Dar fala ao corpo
Bárbara
— Fala: Dar corpo à fala
Suelen
— Escuta: Dar fala ao corpo
Bárbara
— Fala: Dar corpo à fala
Suelen
— Escuta: Dar fala ao corpo
Bárbara
— Fala: Dar corpo à fala
Ricardo
[em superposição ao texto anterior]
Ôi! Ei! Psiu!
O ar é o espaço onde a fala se forma.
Júlia
¿nostalgia minimalista do corpóreo?
[pausa, silêncio — ouve-se a sonoridade ambiente]
Paz
¿existe reciprocidade auditiva?
[duas vozes ao mesmo tempo, inglês e português]
Ricardo
“Who, me?”
“Yes, we were already expecting you.”
Cláudio
"Quem? Eu?"
"Sim, nós já estávamos lhe esperando."
Kadija
Comer a si mesmo
[três leituras simultâneas]
Haroldo
Corpo a corpo, ombro a ombro, lado a lado, tête-à-tête, de mãos dadas, junto a, ao pé, ao sopé, ao par de, à mão, ao alcance, à beira de, arredor
Fábio
Sentar à volta da mesa, sentar à volta do tapete.
Sentar à volta da mesa, sentar à volta do tapete.
Tainá
Um corpo não pode, de fato, tocar outro corpo. Ao se aproximarem, as moléculas pertencentes a cada um dos corpos tendem a se afastar, mantendo um
[pausa, silêncio — ouve-se a sonoridade ambiente]
Paz
¿existe reciprocidade afetiva?
[duas vozes ao mesmo tempo, espanhol e português]
Tainá
soliloquio es un discurso que mantiene una persona consigo misma, como si pensase en voz alta.
Júlia
solilóquio é um discurso que mantém uma pessoa consigo mesma, como se pensasse em voz alta.
Bárbara
Dizer que um organismo precisa de comida é dizer que ele é comida
Kadija
Comer a si mesmo
Bruno
Habitar o corpo
Fábio
Relacionar-se
Aproximar-se
Apodrecer-se
Efervescer-se
Paz
Fermentation
Ferme intention
Kadija
processo de liberação de energia. Transformação enzimaticamente controlada, efervescência gasosa, emoção forte e repentina, agitação e comoção. Fermentar é engajar com o mundo, ou melhor, os mundos, um dentro do outro, o mundo invisível dos fungos e das bactérias, a comunidade em que vivemos.
Ricardo
[em superposição com o texto acima]
Você e eu e nós
Haroldo
"C'est cette espèce de fermentation de l'esprit humain, cette digestion de nos connaissances, que le critique doit observer avec soin [...]."
Bruno
Tomates moles, pêssegos contundidos, folhas amareladas, miolo amanhecido
Cláudio
há de se deixar agir / desaquendar
Júlia
[sussurrando]
Laisser faire Laisser passer
Naldo
fermentação — fragmentação — dispersão
Fábio
continuar a interrogar depois de todas as interrogações anteriores
Paz
¿existe reciprocidade digestiva?
Todas as vozes em tempos diferentes
xepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepa
xepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepaxepa
Bruno
O que o poder impõe, antes de tudo, é o ritmo. A demanda por um ritmo próprio se faz sempre contra o poder.
Tainá
a autora coletiva!
Kadija
Comer a si mesmo
Ricardo
Somente o sujeito pode atrasar o ritmo, isto é, realizá-lo
Fábio, Júlia, Haroldo
IDIOS
Suelen
ritmo flexível, disponível, móvel: forma passageira, extravagante
Cláudio [Júlia, prefixos]
extra-vagante
trans-vagante
Vozes em coro – alternadamente
Todos
Com tudo que cada um tem
Todos
Com tudo que cada um carrega
[deixar o coro ao falar a palavra]
Haroldo
negação
Ricardo
situação
Suelen
entremeio
Bárbara
público
Cláudio
campo
Paz
imagina!
Júlia
suspensão
Naldo
escola
Tainá
estrada
Bruno
vértice
Fábio
cochilo
[leitura simultânea das duas citações]
Kadija
"Disposition is immanent, not in the moving parts, but in the relationships between the components."
Paz
"Una verdad espera, para eclosionar, la reunión de sus elementos. El crítico debería observar con cuidado esta fermentación del espíritu humano, esta digestión de nuestros conocimientos."
Fábio
Anarcotropicalismo
Psico-Yorubá
Bárbara
O Sonhar também participa da história
O Saber ressoa através das brechas do significado
Suelen
[repetindo]
ORA Fenda, ORA Falha, ORA Sofre, ORA Goza, ORA Canta, ORA Reza
Bruno
Quem não sabe rezar que continue rezando dentro de sua competência simbólica,
a competência linguística não tem nenhuma importância
Cláudio, Tainá, Paz, Haroldo, Júlia, Bárbara, Naldo
[leitura coletiva aleatória como mantra]
ora átomo, ora grupo, ora bactéria, ora água, ora terra, ora rio, ora comida, ora merenda, ora vento, ora margem, ora estranho, ora sonho, ora onda, ora vazio, ora significado, ora memória, ora espaço nômade, ora processo, ora desierarquia, ora coabitação, ora fora de uso, ora com tudo, ora cada um, ora rede, ora tête-à-tête, ora tijolo, ora tomate, ora tigre, ora poema, ora tangência, ora ecologia, ora who, ora me, ora embaraçado, ora minimalista, ora insurreição, ora tô boa, ora treme, ora vibra, ora universo, ora verso, ora ao alcance, ora ao redor
Bárbara
sem quaisquer conteúdos ou ideais
algo ressoa através das brechas do significado
Anauerapucu
Ricardo
[ao mesmo tempo]
Anauerapucu
Júlia
Para pensar a ideia de conversa por meio do contato, do encontro, de uma relação contígua entre as partes.
Júlia e Haroldo
Anauerapucu
Fábio
Conhecimentos trazidos pelo vento
Conhecimento de terra com conhecimento de mata
Saberes que descem pelo rio
Água barrenta, espessa, pesada
Bruno
professor com aluno
aluno com professor
professor com professor e aluno
merendeira com aluno
aluno com merendeira
Todos
repetem
continuam ritmadamente sem interrupção até final de Haroldo
com com com com com com com com
Kadija
Comer a si mesmo
Tainá
Fragmentos de experiências que se costuram na troca cotidiana
Haroldo
tocar, roçar, roçagar, tocar de raspão, encontrar com, morar ao pé da porta, morar
porta com porta, porta com parede, parede e meia
Ricardo
estar contíguo, ser vizinho, vizinhar, avizinhar-se, confrontar-se, limitar-se com;
Suelen
Uma parede para os anseios, uma parede para os desejos, uma parede para os encontros, uma parede para rabiscos e palavras
Cláudio
[todos prolongando as vogais]
Aderência, Aposição, prEposição, sObreposição
pErpassar, Apor, prEpor, jUstapor, sUperpor
Bárbara
a mesma parede que já não divide
a parede empática
Bruno
fricção, ficção
Haroldo
faculdade que nos permite imaginar a nós mesmos sob o ponto de vista de outra pessoa. Imaginar novas e diferentes formas de vida.
Bruno
fricção, ficção
Naldo
Porque há o desejo de resposta?
Fábio
essa intensidade [jogo]
essa fascinação [jogo]
essa capacidade de excitar [jogo]
Tainá
jogo
Paz
“Tres tristes tigres triscaban trigo en un trigal
¿cuál de los tres tristes tigres tragaba más?”
Ricardo
relacionar-se com
Suelen
aproximando-se de
Bruno
o lugar da imaginação não é diferente do lugar do corpo
Cláudio
vou falar na língua do santo
Haroldo
enrolar a língua
[ao mesmo tempo]
Júlia
Trois tristes tigres
Tainá
Drei traurige Tiger
Bárbara
Três tristes tigres