Quando Maria Graham (Papcastle, 1785 – Londres, 1842) desenhou a Árvore do Dragão em Tenerife (figura 1), em 1821, inserindo nela o que chama de “a data do desastre” (GRAHAM, 1990, p.112), referindo-se ao ano de 1819, quando metade da copa caiu e a espécie estava ameaçada, estaria fazendo uma crítica à devastação ambiental? Quando Leonardo Remor (Getúlio Vargas, 1987) expõe suas obras, em 2015, refletindo sobre as lembranças do que havia antes do caos urbano, estaria ele, também por meio de sua poética, desenvolvendo uma denúncia, igualmente com caráter de crítica ambiental? Tomando como ponto de partida esses questionamentos, proponho a observação – sob uma ótica política – do tratamento e da apreensão da paisagem pela artista inglesa. Bem como, de forma bastante breve e inicial, sugiro um paralelo com a obra de Remor, a partir da metodologia do anacronismo histórico proposta por Georges Didi-Hubermann, tendo em vista a releitura que ele faz da obra do historiador alemão Carl Einstein.
Maria Graham veio em expedição ao Brasil, em 1821, a bordo da fragata Dóris, que aportou em Pernambuco, posteriormente deslocou-se para Bahia e, após, para o Rio de Janeiro. Em 1822, ela foi, ainda em expedição, ao Chile, retornando, em 1823, ao Brasil, a convite de Dom Pedro I, para servir como educadora de seus filhos. Possuía conhecimentos apurados de literatura, desenho e pintura, condição que a diferenciava da maioria das mulheres de seu tempo e que, talvez, tenha sido o motivo pelo qual ela pôde se lançar como uma “artista viajante”.1 Durante sua estadia no País, dedicou-se a escrever relatos do que via e a produzir desenhos – apreendendo a paisagem local. Esses foram agrupados no Diário de uma viagem ao Brasil, publicado pela primeira vez em 1824, na Inglaterra.
Ao ler o texto e observar as imagens produzidas pela artista, percebe-se um olhar atento à paisagem e à sua preservação, o que reforça a possibilidade de uma investigação com cunho político e de crítica ambiental dessas manifestações visuais. Esse assunto já foi abordado por Cláudia Valladão de Mattos, quando analisa obras de outros artistas, vistos tradicionalmente na História da Arte, como “artistas viajantes”, em especial aqueles que estiveram no Brasil em momentos posteriores ao de Maria Graham, como Nicolas Antoine Taunay (1755-1830) e Félix-Émile Taunay (1795-1891). Amparada pelos estudos de W.J.T. Mitchell, os quais propõem que “[...] toda pintura de paisagem pode ser lida em uma chave política” (MITCHELL apud MATTOS, 2012, p. 1579), Mattos analisa a pintura de paisagem desses artistas “[...] como espaço de visualização de debates sobre a ocupação do solo e exploração dos recursos naturais” (MATTOS, 2012, p. 1581). Dessa maneira, proponho a reflexão: já nas primeiras décadas do século XIX Graham manifestava uma crítica ambiental em sua apreensão da paisagem?
Ao desenhar O Corcovado visto do Botafogo (figura 2), Graham colocou as intervenções humanas nos cantos da imagem, dando evidência à natureza. A mesma característica que Mattos identifica na obra Vista da Mãe D’água (figura 4), de Félix-Émile Taunay. A pesquisadora salienta que o artista, ao representar o mais antigo reservatório de água do Rio de Janeiro, que seria o monumento arquitetônico que dá título ao trabalho, coloca a caixa d’água deslocada à direita da cena, “[...] e a própria natureza como monumento parece ocupar o centro da temática” (MATTOS, 2012, p. 1582).
Levando em consideração o cenário da arte contemporânea, o artista Leonardo Remor apresentou obras, em diferentes suportes, em uma exposição curada por Bernardo Mosqueira, denominada o vento dissipa as lembranças de uma realidade anterior, que fez parte do projeto RS Contemporâneo, do Santander Cultural, em Porto Alegre. Elas ficaram expostas de 18 de março a 26 de abril de 2015, e, assim como foi anteriormente sugerido à obra de Maria Graham, contemplam a temática da exploração e da crítica ambiental.
A obra A ponte (figura 5) – vídeo produzido em 2015, com a colaboração do artista Denis Rodriguez – enfatiza a modificação da paisagem pelo ser humano ao mostrar a utilização de uma ponte para a passagem de carros até o outro lado de uma praia. A mesma preocupação é demonstrada na obra Cinema é cachoeira (figura 6), também em forma de vídeo, na qual o artista reconstrói uma cachoeira em uma escadaria da cidade de Porto Alegre. Quando Maria Graham desenha Salta de Água (figura 3), ela representa uma cachoeira na cidade Rio de Janeiro, entretanto, no primeiro plano, ela enfatiza o início de uma devastação ambiental. Observando as duas obras em conjunto, sugere-se que Remor atualiza uma preocupação já lançada por Graham, nas primeiras décadas do século XIX.
Embora ainda em construção, a discussão proposta atravessa o que venho pensando em termos de narrativas em História da Arte, relativizando os estudos lineares e cronológicos. A comparação entre a poética de dois artistas que, em diferentes tempos, linguagens e suportes, suscitam a mesma preocupação – uma discussão política, como algo que sobrevive, pode ser atualizada e permanece potente – corrobora com o pensamento de uma História da Arte anacrônica. Ainda, ao analisar tanto a obra de Graham, como a de Remor, pensando-as dentro de um contexto político, podemos ampliar o conceito de “artista viajante”, bem como considerar outras formas de deslocamento que partem dessa ampliação – como as praticadas pelo artista contemporâneo –, o que acaba redimensionando a historiografia da arte sobre esse tema.