No âmbito dos estudos sobre arte contemporânea, pouco se faz referência ao uso do skate e à cultura urbana que o acompanha. Embora haja um evidente crescimento dessa prática como atividade física ou esporte, ela ainda é pouco discutida no campo artístico – o que não significa que esteja apartada do universo da criação artística. Ao contrário. A partir de um estudo de caso, este breve artigo procura evidenciar a poética de um artista-skatista, examinando sua produção no contexto das “novas derivas”, conforme a acepção de Jacopo Crivelli Visconti1 (2014, p. XIV): "[...] o objetivo será criar, a partir delas [as obras], categorias ou tipologias que permitam pôr em evidência como a estratégia da deriva tornou-se um mecanismo privilegiado para questionar e investigar determinados aspectos da sociedade contemporânea".
Desde 2010, Fabiano Rodrigues (Santos, 1974) vem explorando as relações entre corpo, prática do skate, arquitetura dos grandes centros urbanos e sua representação fotográfica. No projeto intitulado The Self Portrait Project, ele se retrata em movimento, em posse de seu skate, realizando manobras e capturando o clímax de suas performances pelo registro congelado da fotografia em preto e branco. Os espaços são facilmente reconhecíveis pela grandiosa arquitetura, não por acaso, Fabiano escolhe prédios que exercem funções expositivo-museológicas, sendo fator importante desses espaços o caráter proibitivo do uso do skate em seu interior e em seu entorno. As ações fotográficas foram realizadas na Pinacoteca do Estado de São Paulo, no Centro Cultural Estación Mapocho e no Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (MALBA).
Há uma dificuldade, na cultura do skate, em encontrar espaço e lugar no âmbito urbano. Embora existam locais adequados e construídos para a prática do skate (BRANDÃO; FORTES, 2013), seu praticante prefere a rua. Fabiano Rodrigues figura entre esses que entendem as ruas como repletas de almas, memórias, imagens. É por essa questão que as obras do artista santista não ocupam espaços, elas criam novos lugares. Essa concepção de lugar remete ao emprego do termo psicogeografia, próprio da Internacional Situacionista:2 "[...] estudos dos efeitos específicos do ambiente geográfico, conscientemente planejado ou não, que agem diretamente sobre as emoções e nos comportamentos dos indivíduos" (INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 2003, p. 65). O skatista, como psicogeógrafo, observa e propaga suas relações com o urbano, ele é capaz de criar esse lugar pelo reinvestimento do espaço com elementos fortemente afetivos. As fotografias de Fabiano Rodrigues apresentam os resultados dessa "pesquisa" do espaço urbano sobre os "sentimentos humanos", para utilizar as palavras de Guy Debord (2003). É o skatista e a sua relação com a geografia da cidade, seus percursos, prédios e monumentos e a execução de suas manobras.
Essa relação, a partir do trabalho fotográfico de Fabiano Rodrigues, dos elementos do espaço urbano e do skatista, está de acordo com a criação de novas narrativas na arte contemporânea. O fotógrafo-skatista não se faz estrangeiro nesse espaço, pelo contrário, atua como residente, apropriando-se da realidade dessa geografia urbana. Assim criando novas narrativas pelas substâncias do artista, que, segundo Cristina Freire (2000, p. 358), são equivalentes.
A imaginação e a fantasia deveriam tomar de assalto o vazio existencial da cidade, ressignificando-a, despertando um passado mítico e simbólico aprisionado nas construções e nos monumentos. Cada quarteirão poderia despertar os mais diferentes sentimentos e paixões.
Essa nova narrativa, ressignificada, vai ao encontro das questões trazidas por Visconti (2014, p. 20) em que "[...] os trabalhos de todos os artistas caminhantes vão de alguma maneira na contramão da tendência dominante na produção contemporânea, que renuncia programaticamente a construir narrativas lineares".
Tais questões também foram caras ao "movimento" criado por Guy Debord. Profundamente ligada ao comportamento lúdico e construtivo, a deriva situacionista provoca a criação da fantasia e do místico – de uma nova narrativa. A produção artística ligada à deriva situacionista produz uma reconfiguração do espaço urbano, um novo espaço narrativo dos mistérios que cercam as grandes cidades. Fabiano Rodrigues, a partir do deslocamento pelo uso do skate, atua de maneira semelhante, criando novas narrativas.
Outra questão importante aos situacionistas é o acaso, que, segundo Visconti (2014, p.33), "[...] constitui uma matéria-prima recorrente na produção artística contemporânea". De modo mais específico, Fabiano Rodrigues lida com ações imprevisíveis, suas manobras de skate não são previamente planejadas, são improvisadas a partir do repertório, da expectativa consciente do próprio skatista. O próprio deslocamento do skatista pela cidade acontece ao acaso percorrendo as grandes ruas e calçadas do espaço urbano. Na série The Self Portrait Project, embora exista um rigor estético e formal nas fotografias de Rodrigues, as manobras executadas não sugerem planejamento ou dificuldade em sua realização. Pelo contrário, devido à execução de autorretratos, os movimentos tendem para uma simplificação.
Uma crescente fração de artistas desenvolve suas poéticas pelo ato de se deslocar. Em Novas derivas, Visconti (2014) identifica nessa atitude uma tentativa de se absorver o imponente desenvolvimento dos centros urbanos e seus terríveis avanços verticais, desenvolvendo, assim, seu próprio sufocamento da relação entre cidade e seus cidadãos. O skatista não foge dessas questões, pelo contrário, enfrenta, reinterpreta, cria.