Esta pesquisa coreográfica pretende resgatar a memória de quatro cenas já realizadas isoladamente – Geiser, Cantilena Plancton, Foideu, O Resfriado – com o objetivo de desenvolver uma nova composição coreográfica: Variação n° 1.4. A memória coloca coisas no espaço e é assim que ela se lembra (Novarina apud Lopes, 2011, p. 18).

A presença a partir das disposições de sentido e ressonância (Lehmann apud Mostaço, 2008, p. 79). O espaço/presença é esboçado por Estados Corpóreos,1 termo escolhido para falar do corpo em situação de cena num descontínuo fluxo de energias, imagens e emoções. Venho estudando processos de criação coreográfica com o foco na variação de presença cênica a partir da aplicação prática de três energias desenvolvidas por Arthur Lessac (1967), e das oito ações de esforço pesquisadas por Rudolf Laban (1990).

O acesso à composição coreográfica, através de estados, se dá por meio de improvisação, tendo como base técnica o método de Arthur Lessac (1967) para o trabalho de voz e corpo conhecido como Kinesensic Training. Buoyance, Radiance e Potence são as três energias consideradas neste estudo gatilhos, por meio delas experimento variações na dinâmica, no ritmo e no tempo. Compartilho imagens mentais criadoras de estados de presença, que me sugerem estas energias:

Potence: Energia ancorada na imagem de estar coberto de lama. Radiance: Energia dos choques elétricos. Sua característica é o uso de movimentos involuntários e não conduzidos. Buoyance: Energia da flutuação. Imagens: boiar na água, feto no útero.

As oito ações básicas de esforço de Laban são socar, dar toques leves, flutuar, deslizar, chicotear, espanar, pressionar e torcer, realizadas segundo os fatores do movimento: peso, tempo, espaço e fluência. Com base nestas indicações de Lessac e Laban para a pesquisa de movimento, descrevo a ideia da composição coreográfica Variação n° 1.4:

1° Fragmento: Geiser: Na performance Geiser,2 o vídeo não é apenas um suporte técnico, mas está a serviço da ideia estética de tensionar a noção de presença(s). Geiser é lava de vulcão. O estado corpóreo para a cena é fruto da tensão entre as energias potence e radiance. Nas ações de esforço; deslizar, chicotear, espanar, pressionar e socar. A coreografia foi criada numa sequência de movimentos nos níveis baixo e médio. Uma webcam, presa no teto, projeta a cena desenvolvida em cima de um retângulo no chão.






2° Fragmento: Cantilena Plancton3: As pernas de pau são usadas como muletas. O estado corpóreo é o Plancton – um desdobramento da energia buoyance pesquisada por Lessac combinada com o deslizar e o flutuar de Laban. O canto como fio condutor entre a voz e a emoção. O canto escolhido é Sanjinarayie.4





3° Fragmento: Foideu5: A performance parte da busca pelo início e o fim de cada movimento em dança não codificada.6 A ruptura da chamada quarta parede, responde ao apelo da performer à participação da plateia como constitutiva da performance. Durante a improvisação, experimento o trânsito entre as três energias de Lessac e as oito ações de esforço propostas por Laban.

4° Fragmento: O resfriado7: O texto foi retirado da peça A Cantora Careca de Eugène Ionesco. A palavra, o texto e a voz valem não pelo significado, mas pela sonoridade e estranheza.8 A palavra constrói uma presença e um espaço sonoro. A energia que prevalece nesta cena é o radiance. E o espanar de Laban foi força motora no trabalho vocal com o texto.

A composição coreográfica Variação n° 1.4 tem o foco nas energias e nas ações de esforço para a criação de novas presenças, a partir da colagem ressignificada de fragmentos de performances anteriores. A ênfase está na visualidade das presenças ou estados corpóreos. Esses estados de presença instauram espaços. Um percurso que reverbera em inúmeras sensações e imagens como variações sobre o mesmo tema.



Estados corpóreos é o nome de um espetáculo criado por mim, em 2008, em parceria com Fábio Mentz, Marcelo Gobatto, Juliano Ambrosini e Bathista Freire.

2  Cena criada para o espetáculo Estados Corpóreos de 2008.

3  Baseada numa performance que eu fazia em pernas de pau desde 1999. O nome cantilena foi ideia de Fábio Mentz – músico criador da trilha do Estados Corpóreos de 2008, dirigido e dançado por mim.

4  Canto que abria o espetáculo chamado Chão – eu fazia orientação coreográfica (2007). Cântico de matriz africana de louvação à saúde e à ancestralidade pesquisado por BABA Diba de Iyemanja.

5  De 2005, quando pesquisei um processo de criação dirigido por Cibele Sastre com base em Laban.

Foideu surgiu após a leitura de Gil (2004). Esse autor comenta que o gesto dançado não está nem no início e nem no fim dos movimentos, mas na transição.

7  Em 2003, fiz parte da montagem da peça A cantora Careca, com direção de Ramiro Silveira.

8  A escolha deste texto tem a ver com o pensamento de Novarina (apud Lopes, 2011), que aposta na visualidade das palavras e no jogo por elas instaurado.

GIL, José. Movimento total, o corpo e a dança. SP: Iluminuras, 2004.

______. Metamorfoses do corpo. Lisboa: Relógio D’Água, 1997.

LABAN, Rudolf. Dança Educativa Moderna. São Paulo: Ícone Editora, 1990.

LESSAC, Arthur. The use and training of the human voice; a practical approach to speech and voice dynamics. 2 ed. New York: DBS Publications, 1967.

LOPES, Angela Leite (org.). Novarina em cena. Rio de Janeiro: 7 letras, 2011.

MOSTAÇO, Edélcio. Um tempo de vida em comum entre o ator e o espectador – o teatro pós-dramático. In: Folhetim 27 – O Teatro do Pequeno Gesto. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2008.

Luciane Coccaro, Estados Corpóreos, 2008. Foto: Luciana Menna Barreto.

Luciane Coccaro, Estados Corpóreos, 2008. Foto: Luciana Menna Barreto.

Luciane Coccaro, Estados Corpóreos, 2008. Foto: Cláudio Etges.