Alguém que quer representar o objeto reencontrando-o por trás da atmosfera concebe sua obra não como encarnação de cenas imaginadas ou projeção exterior de sonhos, mas, sim, como um estudo preciso das aparências, evocando-nos uma percepção primordial.
Em seu processo de criação, não nega a ciência e não nega a tradição, um estudo geométrico dos planos e das formas se faz necessário. É um gesto. A força do gesto indica uma experiência estética, e esta necessita estar bem clara no ato criativo.
A experiência estética capta as coisas tal como elas são e nos remete a uma experiência de enorme complexidade. Afinal, o que vemos realmente para ser experienciado? Esta experiência de realidade deve ser igual à realidade?
Se para mim a obra de arte é a realidade, será que a realidade que vejo na obra de arte é a mesma que o outro vê? Se não for a mesma, então vivemos em realidades diferentes, mesmo estando nós dois num mesmo mundo?
Quem cria uma obra de arte pode apenas construir uma imagem. O que se espera é que essa imagem se anime para os outros. É uma outra perspectiva acerca da experiência estética, a de quem é espectador, contemplando ou interagindo com a obra de arte.
Entendo que antes de fazer sua obra de arte, quem cria deve perceber o mundo pela raiz. Essa atitude não deveria ser exclusiva de quem cria. Deveria ser de todos. Artistas apenas a aperfeiçoam. Trata-se de uma educação estética. É sobre essa condição que a matéria se torna expressiva.
A forma da obra contemporânea vai além de sua forma material: ela é um elemento de ligação, um princípio de aglutinação dinâmica, relacional. O que é uma forma essencialmente relacional? Já que as formas nos olham, como devemos olhá-las? Fujo da ideia que coloca, geralmente, a forma como um contorno que se opõe a um conteúdo.
Na natureza, no estado selvagem, não existem formas. É o nosso olhar que as cria, recortando-as na espessura do visível. Há, assim, uma zona de contato na qual a forma nasce e onde o indivíduo se debate com o outro para lhe impor aquilo que julga ser o seu “ser”. Como resultado disso, temos uma forma que é apenas uma propriedade relacional que nos liga aos que nos transformam pelo olhar. Destaco que quando o alguém acredita que está olhando objetivamente para algo, está, na realidade, contemplando o resultado de intermináveis transações com a subjetividade dos outros.
Está em pauta, aqui, o jogo das interações humanas, no qual a forma assume sua consistência, nascendo de uma negociação inteligível entre sujeitos. Na invenção dessas relações entre sujeitos surge a possibilidade de coexistência. O que seria essa coexistência? É uma interessante noção que ressemantiza o olhar do outro sobre mim. Repensa e (re)situa corpos distintos num espaço. É a copresença dos espectadores diante da obra que estabelece a experiência artística. Essa obra me dá a possibilidade de existir perante ela ou, pelo contrário, me nega enquanto sujeito, recusando-se a considerar o outro em sua estrutura?
À noção de coexistência somemos as possibilidades dos vividos acionarem maneiras de olharmos o mundo. O que vemos? Eis uma potência que busco na coexistência. Permitir que as coisas existam perante outras coisas sem negação, substituição ou aniquilação, é uma maneira de habitarmos o mundo primando pelo convívio harmonioso e com prazer.
Diante de uma obra de arte, o corpo é trazido em sua totalidade, bem como toda sua história e seu comportamento. Não se trata apenas de uma simples presença física abstrata. Daí o critério de coexistência e a potência de completar uma obra aberta.
Residiria, assim, o eu da intersubjetividade: o ser humano confrontando outros seres humanos? Sentimento compartilhável que é o sentimento do belo, do prazer e do desprazer? Ou solidão de estar com a obra de arte? No estar com a obra, no momento de formarmos um mundo com o objeto, o ressentir do belo nos joga a sós. Nessa solidão, o momento não tem tempo, ele se chama instante, o tempo cronológico inexiste.