Disseram que nos “Tempos dos Sonhos”, naquelas paredes, nossos ancestrais desejaram atravessar as sombras e encurtar as distâncias entre deuses e homens. Desses desenhos, ainda movidos pela quimera de transpor a fala ao sentido material da língua, criaram o primeiro signo. Foi há cinco mil anos. Nossos antecessores da palavra escrita também contemplaram as estrelas, os animais e os corpos na terra e continuaram buscando transcender pela imagem sígnica o silencioso enigma do mundo. Do ideograma ao alfabeto, eis que surge a ruptura. A abstração caminhava a passos largos para a função utilitária da escrita e dava adeus à figuração. Da pedra ao papiro, a enunciação sobrepunha-se à primeira imagem. Novos potenciais trespassaram a superfície do texto, dando espessura à trama da linguagem. Impregnados pelo entusiasmo da letra, surgem os diacríticos na Biblioteca de Alexandria pelas mãos de Aristófanes de Bizâncio. As pontuações, então, passaram a confortar os leitores.
Pela brecha metafórica do visível e do invisível, ainda no curso da história, a engenhosidade humana agora corre pelos enredos dos tecidos. Apesar da fragilidade da matéria, sabe-se que foram testemunhas do esforço e do capricho humano por cerca de vinte mil anos. Desventuras do clima ou da geografia, indumentárias às vezes mágicas excediam às necessidades da vida cotidiana. Pelas fibras da casca do carvalho e de tantos outros materiais, o encanto pela tecelagem fascinava os caçadores do Paleolítico. A Vênus de Lespugue foi adornada com linhas, faixas, um cordão e uma franja. Faz-nos deslumbrar.
Do texto ao tecido, os cruzamentos das histórias, suas tranças e tramas, do anonimato de práticas coletivas a práticas individuais, esse ensaio é um elogio ao espírito humano.
Orientado pelas linhas, pelas (des)costuras e pela intimidade que desafia a solidão do não lugar, suas intersecções estabelecem pontos de contato entre diferentes disciplinas, atravessa a semantização da imagem, do texto e da linguagem como um habitante que vive na história, reinventa itinerários e prolonga a fantasia. Reconhecemo-nos no rompimento da palavra, na cumplicidade de um texto perdido e na abundância do verbo na história da escrita, das tramas e dos itinerários do homem comum.