Uma das figuras mais importantes da crítica de arte brasileira, Frederico Morais foi responsável por apoiar jovens artistas empenhados em poéticas contemporâneas nos anos 1960/70, um momento em que a crítica instalada, incapaz de compreender sua produção, tecia julgamentos severos em direção à dita “nova arte”, isto é, à arte contemporânea. Como um crítico de vanguarda, Morais não apenas teorizou o trabalho desses artistas, como também propôs uma reformulação do próprio ofício crítico, que, segundo suas concepções, deveria ser criativo, aberto e militante, em contraposição à crítica tradicional: uma “Nova Crítica”. Morais sugeria a abertura da arte e da crítica à participação do espectador. Artista, público e crítico seriam, para ele, personagens ativos no processo criativo.
A crítica tradicional era vista por Morais como autoritária, conformista e submissa aos velhos modelos da arte europeia. É importante ressaltar que, nesse momento, diversos países latino-americanos eram governados por ditaduras militares e atravessavam um período de intensa repressão e censura. Apesar do clima geral de medo e incerteza, diferentes grupos de resistência a esses regimes se organizaram clandestinamente e apostaram na guerrilha como forma de combate. Tal contexto sócio-político reverberou no trabalho de muitos artistas conceituais latino-americanos da época.
Às questões de interesse para a arte conceitual estadunidense, como aquelas sobre a definição do conceito de arte e seu caráter institucional, tais artistas somaram o ativismo político e a denúncia social, especificidades da vertente conceitual na América Latina. No Brasil, Frederico Morais denominou a produção dos jovens artistas conceituais e engajados de “arte-guerrilha”: uma arte não hierárquica e contestatória, na qual espectador, artista e crítico não possuem papéis previamente definidos. Uma arte calcada em ações criativas, imprevistas e efêmeras, que faz de sua condição marginal seu maior trunfo contra a repressão. Uma arte que chama o espectador para a participação no ato criador. A arte, então, deixa de ser o produto elaborado unicamente pelo artista para se tornar a própria experiência estética, acessível a qualquer um.
Para Morais, tal experiência vivida pelo espectador o convida a atuar efetivamente na criação artística e o estimula igualmente a participar da realidade que o cerca, levando-o a se posicionar criticamente diante da conjuntura política e social de seu país. É válido notar que tais temas trazidos à tona por Frederico Morais dialogam tanto com as ideias de Herbert Marcuse acerca do potencial libertário da arte quanto com as concepções de John Dewey sobre o autoritarismo da crítica judicativa e a arte entendida como experiência estética.
Para Marcuse (2005), a arte é instrumento de transformação social. Ela possui um poder radical e libertador. Segundo o filósofo alemão, a sociedade afluente é repressora e cabe à arte ser não conformista e atuar contra o establishment. Ela passa a ter uma dimensão política e se transforma em protesto e ruptura como forma de resposta à crise da sociedade afluente. Do mesmo modo, a imaginação é um elemento transgressor que rompe com o conformismo. Tudo isso viria a contribuir para o surgimento de um novo homem e uma nova sociedade, desta vez, livres.
Também Morais considera a arte elemento central para o surgimento de um novo homem: criativo, simples e livre. Conforme o crítico, ela possui igualmente o poder de transformar as formas de viver vigentes. Ela é política e engajada, sem precisar se render ao panfleto. E é por meio da experiência estética que o espectador se liberta do automatismo e da alienação aos quais é submetido pela sociedade atual. A repressão dá lugar ao gesto criador, cuja natureza é participativa e libertária.
Do mesmo modo, Morais dialoga com Dewey (2010), não somente a respeito de sua compreensão da arte como experiência, mas também quanto à identificação do crítico tradicional ao juiz de tribunal, por seu apego a parâmetros universais, sua disposição para condenar ou absolver obras e artistas, e sua crença na infalibilidade de seu discurso, entre outras coisas. De modo diferente, Morais mantinha uma relação de amizade com os jovens artistas de vanguarda dos anos 1960/70, visitava seus ateliês regularmente e conversava com eles. O crítico abria espaço para eles nas exposições que organizava e escrevia sobre os mesmos em sua coluna nos jornais de que participava. Uma crítica apaixonada, militante e parcial: é o que defendia Morais.
Morais propunha, pensa-se, que o discurso crítico não fosse único, mas apenas mais um a compor a rede de discursos sobre uma obra, sem se sobrepor às falas do artista e do público. A obra, dessa forma, transforma-se no tempo, sendo sempre renovada na medida em que seu sentido também se renova.
Além da crítica, Morais igualmente se empenhou na organização (curadoria) de exposições e eventos de arte de vanguarda, tais como: “Do Corpo à Terra”, “Objeto e Participação”, “Arte no Aterro” e os “Domingos da Criação”. Essas exposições são hoje marcos de fundamental importância para a arte contemporânea brasileira. Ademais, Morais também rompeu com os limites da crítica, expandindo suas atividades em direção ao fazer artístico para além do papel: passou a atuar como crítico-artista, ou seja, aquele que cria obras-comentário sobre o trabalho de outros artistas. Nesse sentido, ele elaborou obras instigantes, como as apresentadas na exposição “A Nova Crítica” – comentando as criações de Cildo Meireles, Thereza Simões e Guilherme Vaz –, as intervenções “Quinze Lições sobre Arte e História da Arte” (Figuras 1 e 2) e sua série de audiovisuais.
A relevância da atuação de Frederico Morais para a arte contemporânea brasileira é, portanto, inegável. Ele foi responsável por abrir o discurso crítico à multiplicidade, atribuindo a ele importância igual às falas do artista e do público, por meio da relação de intensa proximidade com o primeiro e a abertura à participação ativa do segundo na experiência estética.