O cinema artístico sofre sua expansão no século XX, sendo produzido e estimulado pelos movimentos de vanguardas como o dadá e o surrealismo. Esse cinema experimental buscou ampliar os limites da linguagem audiovisual, quebrando muitas vezes com a narratividade linear e provocando novos experimentos e tratamentos formais, retóricos e conceituais. Ainda assim, o cinema sempre pairou sobre a periferia das disciplinas artísticas, mesmo que presente e frequente na chamada indústria cultural. Entretanto, é na década de 60 que passam a surgir novas percepções sobre a ideia da imagem animada e o vídeo aparece como uma possibilidade de discussão artística não apenas legítima, mas, principalmente, inovadora.

A poética pluralista contemporânea, a invasão da comunicação sobre a vida da sociedade, a exploração midiática e os novos suportes tecnológicos foram fatores que colaboraram com a instauração da linguagem do vídeo dentro do contexto das artes. Essa exploração como expressão em arte amplia as possibilidades de se pensar a representação. Propõe novas discussões sobre o fazer artístico, não apenas pelas relações que estabelece entre obra e público (visto que traz o olhar do observador como questão fundamental para a fruição e produção da obra), mas por apresentar, também, uma exigência de estabelecer outros parâmetros para a comercialização e o colecionismo de arte.

É neste contexto de reconhecimento do trabalho em vídeo que hoje, cada vez mais, percebe-se a legitimação dessa arte e a exploração desse suporte, percebendo-o como uma linguagem que se encontra em total relação com nosso contexto dinâmico, contemporâneo. Assim, surge o espaço cultural Mamute, em Porto Alegre, sendo uma das primeiras iniciativas no país voltada à arte tecnológica digital, com ênfase na imagem-movimento.

É interessante pensar que foi a capital gaúcha que inaugurou um estúdio-galeria com tal especialização, trazendo o foco da comercialização da videoart para além do circuito artístico do eixo Rio-São Paulo. Porto Alegre vem a ser uma das primeiras cidades no Brasil a abrir um espaço com esse enfoque tecnológico, buscando a valorização, exposição, produção e comercialização específica de trabalhos em arte digital.

O espaço cultural Mamute, atuante na capital desde 2012, defende a necessidade de trazer para o grande público as questões e reflexões sobre a videoart, possibilitando também o despertar do interesse específico por essa linguagem em diferentes núcleos sociais. O estúdio-galeria apresenta duas linhas principais de trabalho, sendo essas a da reflexão e a da comercialização. Para tanto, organiza uma agenda de atividades culturais, na qual são oferecidas programações como exposições artísticas, oficinas, cursos e palestras, que buscam a familiarização do público interessado com a linguagem da videoart através de atividades que democratizam esse acesso. A Mamute também abre espaço para outros desdobramentos do vídeo como cinema, documentários e registros de performances, sendo que um de seus serviços é dar suporte, com equipamentos e orientação, aos artistas que tem seus projetos contemplados.

Vale ressaltar, também, o objetivo da Mamute de valorizar a obra de videoart como trabalho comercializável, não apenas incentivando o recente mercado de compra e venda de mídias artísticas digitais como, também, captando e estimulando um novo público à fruição e à coleção dessas obras. Assim, o que realmente aponta a Mamute como propulsora de novas experiências e questionadora dos novos valores da atualidade é o seu papel de galeria de arte tecnológica, visto que o próprio mercado de arte ainda se encontra em um processo de estabelecimento de regras e de definições para a venda e a comercialização de uma obra que é caracterizada por sua reprodutibilidade. Como definir valores? Como evitar a distribuição ilegal? Como colecionar uma mídia, analisando a presença ou ausência do aparato tecnológico estabelecido pelo artista? Essas e tantas outras perguntas o centro cultural Mamute tem levantado e procurado responder.

Pensar na arte digital, em sua exposição, comercialização e coleção, é uma maneira de refletir sobre as novas propostas poéticas da contemporaneidade, nossa nova percepção de tempo, de movimento e de sociedade. A videoart demanda nossa atenção e nossa participação ativa no processo de fruição e absorção do conteúdo artístico. Através da Mamute, torna-se possível estabelecer este contato com a imagem-movimento, provocando o público a exercitar um olhar criativo sobre nosso entorno.

Assim, cada vez mais podemos perceber exemplos de iniciativas que distanciam a cidade de Porto Alegre de seu caráter provinciano, provocam nosso olhar e propõem o início do desenho de um circuito cultural ativo e transgressor. Encontramo-nos, sim, em um processo inicial e recente, porém, os novos espaços culturais que surgem no sul do país parecem motivados pela ideia de uma mobilização do cenário artístico visual. A Mamute é mais um exemplo deles.

CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

RAHDE e CAUDURO, Maria Beatriz Furtado e Flávio Vinícios. Algumas características das imagens contemporâneas. Porto Alegre: Unisinos, 2005.

RUSH, Michael. Novas mídias na Arte Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes 2006

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