A partir do ensaio de Walter Benjamin A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica2, este artigo procura ressonâncias entre a teoria da “recepção coletiva da arte”, introduzida pelo autor, com a relação social e política desempenhada pelos artistas brasileiros da década de 1960, cujo contexto oferecia as primeiras discussões sobre a função social da arte neste período de efervescência cultural e movimentação política.

É justamente neste período que a obra de Benjamin repercute em maior escala entre intelectuais e artistas brasileiros, servindo como reflexão teórica sobre as transformações sofridas pela arte ao longo das últimas décadas, sobretudo a partir da apropriação dos novos meios técnicos de reprodução. Também era recente a discussão e produção dos primeiros documentos sobre a função social da arte e seu engajamento político. Entre as várias manifestações culturais, seja no teatro, na música, na dança, no cinema ou nas artes visuais, é possível perceber a necessidade do artista de aproximar-se da cultura popular de modo a construir uma identidade brasileira menos ingênua e mais consciente de suas realidades sociais.

Sob este panorama, acredita-se na pertinência da retomada da teoria de Benjamin sobre uma nova função social da arte baseada na recepção coletiva e engajada a uma práxis política, pois o contexto cultural brasileiro, entre as décadas de 1960 e 1970, também procurava na produção e recepção coletiva o meio de estreitar arte e realidade, seja de modo conscientizador ou apenas interativo-estético. O diálogo entre estas teorias e as suas intenções na prática, procura evidenciar quanto de prognóstico ou utopia há na ideologia de Benjamin e que caminhos para a socialização da arte foram abertos a partir das experiências artísticas coletivas da década de 1960 no Brasil.

Para tanto, outros autores e movimentos artísticos são colocados em diálogo com Benjamin, como Adorno e Horkheimer, Aracy Amaral e seus apontamentos sobre as contribuições de Mário Pedrosa, Ferreira Gullar e Hélio Oiticica, no contexto das décadas de 1960 e 1970, e algumas notas sobre a Nova Objetividade e a Tropicália.



A teoria da “recepção coletiva” – a refuncionalização3 da arte com a reprodutibilidade técnica da obra


Foi Walter Benjamin quem primeiro dissertou sobre as transformações que viriam a atingir a arte a partir da apropriação dos novos meios de produção e reprodução tecnológicos, especialmente após a popularização da fotografia e do cinema junto às massas. Para Benjamin, mais do que uma nova estetização da arte, os meios técnicos de reprodução possibilitaram à arte abandonar valores tradicionais e assumir uma nova interação social baseada em sua possibilidade de exposição. A perda da “aura”, qualidade que pertenceria apenas ao objeto único, original, emancipou a arte de sua função ritual, qualidade tão valorizada pela burguesia, para promovê-la a uma nova função social, mais próxima da apreciação pelas massas, apontando caminhos para uma práxis política.

A destruição da aura permitiria aos artistas assumir uma forma de percepção mais próxima de captar o semelhante no mundo, indo, portanto contra a ideologia da “arte pela arte” e a favor de uma arte menos distante da realidade. Esta, por sua vez, não dialogaria com os valores da elite, mas justamente com o público até então relegado por elas, ou seja, as massas emergentes. “Orientar a realidade em função das massas e as massas em função da realidade é um processo de imenso alcance, tanto para o pensamento como para a intuição” (BENJAMIN, 1994, p.170).

O cinema, por sua natureza reprodutível, pela sua relação de proximidade e apropriação direta da realidade – condição que Benjamin ilustra ao comparar o cinegrafista ao pintor, no texto A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (BENJAMIN, 1994, p.186) –, além da possibilidade de captar esta realidade através da sequencia de imagens, oferece, através do aparelho, condições de penetração na realidade até então não atingidas pelos outros meios, como a pintura, a gravura ou a escultura. Estas características, incluindo a velocidade com a qual as imagens surgem ao espectador, modificam a percepção deste diante da obra. Enquanto uma pintura demanda tempo de contemplação e imersão suficientes para o indivíduo criar conexões diante do objeto, o filme, por suas qualidades perceptivas, não atende a esta ação contemplativa individual e isolada, visto que a sucessão de imagens envolve de tal modo o espectador, que a obra passa a fazer parte dele e de todos os outros presentes na sala do cinema.

O decisivo aqui, é que no cinema; mais que em qualquer outra arte, as reações do indivíduo, cuja soma constitui a relação coletiva do público, são condicionadas, desde o início, pelo caráter coletivo desta reação. (BENJAMIN, 1994, p.88).

Segundo Benjamin, a pintura não poderia ser objeto de uma recepção coletiva, como a arquitetura, a epopeia e o cinema, pois esta ainda estaria regida pelos valores tradicionais de recepção baseada em sua função ritual, portanto, estaria sempre em confronto com a massa. O mesmo não seria possível no caso do cinema, pois a imagem reproduzida é a própria representação da massa, seus desejos, seus sonhos, suas psicoses:

Quanto mais se reduz a significação social de uma arte, maior fica a distância, no público, entre a atitude de fruição e a atitude crítica, como se evidencia com o exemplo da pintura. (BENJAMIN, 1994, p.190).

Esta teoria da recepção coletiva baseia-se, portanto, em uma recepção cujo comportamento coletivo prescindiria do “choque” provocado pela sucessão das imagens e pela alteração dos sentidos, ou seja, através de uma percepção além do visual, mas também de ordem tátil. Portanto, a apreensão dos sentidos, para além da visão, estaria entre as estratégias de aproximação da arte junto às massas.

...tudo que é percebido e tem caráter sensível é algo que nos atinge. Com isso, favoreceu a demanda pelo cinema, cujo valor de distração é fundamentalmente de ordem tátil, isto é, baseia-se na mudança de lugares e ângulos, que golpeiam intermitentemente o espectador. (BENJAMIN, 1994, p.192).

Envolvidos pela sucessão de imagens, pelo choque e pela alteração dos sentidos, a obra mergulharia sem esforço na massa, ou de forma “distraída”, como diria o próprio Benjamin. Tornar-se-ia então a distração um hábito capaz de abalar profundamente as estruturas perceptivas da coletividade e servindo como ferramenta de manipulação das massas para sua conscientização e emancipação, atribuindo à arte uma importante função política revolucionária.



A recepção das teorias de Benjamin


Esta e outras teorias de Benjamim foram revisitadas e postas em questão mais tarde através da ótica de Adorno e Horkheimer4. Em contraposição a Benjamin, estes autores eram céticos em relação às modernas técnicas de reprodução, pois compreendiam que o capitalismo estaria longe de seu apogeu e seria o grande responsável pela formação da Indústria Cultural como a conhecemos hoje. Porém, é preciso destacar que a perspectiva de Benjamin era a da União Soviética dos anos 20 e a de Adorno e Horkheimer era os Estados Unidos dos anos 40. Nem Benjamin e nem Adorno ofereceram soluções para a integração da arte no processo da vida material.

O interesse pelas teses de Benjamin sobre a estética materialista ganhou notoriedade na Europa apenas a partir da década de 1960, quando o movimento estudantil foi além do protesto contra o sistema capitalista e passou a desenvolver uma perspectiva socialista. Dois de seus ensaios, O autor como produtor5 e A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica se tornaram influentes, pois indicavam uma nova função da arte se desenvolvendo a partir das novas técnicas de reprodução e de uma participação engajada do artista junto às massas. No entanto, é preciso considerar que esta popularidade da imagem encontrou abordagens críticas diferentes, nem sempre de forma revolucionária, como esperava Benjamin, mas, às vezes, de braços dados com a massificação e a superficialização das imagens do sistema capitalista.



Benjamin e a Pop Art


De fato, a reprodução técnica possibilitou aos artistas da década de 1960, sobretudo Andy Warhol, destruir a aura da obra de arte, garantindo a esta uma nova condição: a de ser projetada para a reprodutibilidade. No entanto, esta condição não aproximou a técnica artística do movimento revolucionário político de massas. Muito pelo contrário, a obra de arte reproduzida foi recebida com status de obra autônoma pela burguesia, que cultuava não só as estrelas representadas nas telas dos artistas, mas o próprio artista como gênio, sendo Andy Warhol o ídolo máximo.

Para alguns críticos, as imagens da Pop Art denunciavam a falta de valores e critérios da arte e da sociedade imersas nos meios de produção, distribuição e consumo capitalistas. Esta noção esteve presente na Europa Ocidental, sobretudo na Alemanha, devido à tendência desta desenvolver uma arte de crítica social. “A crença na conscientização por meio da experiência estética era muito comum naqueles dias” (HUYSSEN, 1996, p.96). As imagens diretamente reproduzidas do cotidiano pareciam libertar a arte da separação entre o estético e o não estético, da arte e da realidade. “... com o Pop, no entanto, a arte se tornou profana, concreta e pronta para a recepção de massa” (HUYSSEN, 1996, p.96), com potencial para se tornar uma arte genuinamente popular, resolvendo a crise da arte burguesa. Outros acreditavam que o artista Pop havia se rendido aos mecanismos do capitalismo, pois não queria mais provocá-lo ou negá-lo, mas reproduzi-lo assumindo a realidade de uma sociedade produtora de mercadorias.



A socialização da arte no Brasil da década de 1960


É também na década de 1960 que os intelectuais e artistas brasileiros começam a produzir os primeiros pensamentos e documentos sobre a função social da arte. As novas técnicas de produção, distribuição e consumo da arte, escancaradas pela Pop Art e os vários “ismos” vanguardistas da tradição europeia, somaram-se à antiga necessidade da elite cultural brasileira de construir uma arte de identidade nacional, culminando em uma produção cultural que não mais negasse as influências externas, mas as assumisse associadas às diversas manifestações culturais populares sob uma perspectiva menos elitizada e mais participativa.

Se a arte sofre uma refuncionalização a partir da adesão aos novos meios de reprodução técnica, há de se pensar na posição dos intelectuais e artistas brasileiros em relação a estas novas condições, sobretudo ao que se refere à função social da arte. Mário Pedrosa responde a esta questão reafirmando a teoria de Benjamin sobre a necessidade de a arte abandonar sua concepção ritualística e assumir uma forma de recepção mais próxima da distração, ou seja, das manifestações populares:

Na realidade cotidiana, as massas não mostram nenhum interesse pelas artes. Aliás, as chamadas elites também não mostram interesse mais profundo por elas. O que interessa às massas é o cinema, o futebol, o boxe, o circo, o teatro chulo ou vaudevillesco, o carnaval. O grande móvel delas é divertir-se. Elas são absolutamente indiferentes, tanto à boa pintura figurativa quanto à abstrata. As elites também só querem divertimento (...). O ritmo acelerado da vida moderna, por sua vez, não deixa ao homem tempo para contemplação. E a pintura, como a escultura, exigem contemplação. (PEDROSA, 1975, p.246 apud AMARAL, 2003, p.6).

Assim como Benjamin, Pedrosa acredita que a evolução da arte no futuro seguirá o caminho de uma crescente fusão com a vida, ou seja, com a produção, com as feiras populares, com a vida coletiva dos grupos. Já Aracy Amaral problematiza a questão através de três direções sobre a atuação do artista contemporâneo:

...como fazer que o produto de seu trabalho tenha uma comunicação com um público mais amplo; que sua obra possa refletir uma participação direta em seu contexto social; e eventualmente, a participação dessa obra para uma eventual ou desejável mudança da sociedade. (AMARAL, 2003, p.25).

Para responder a estas direções, a autora traz os apontamentos do antropólogo Néstor Garcia Canclini e do artista plástico Hélio Oiticica que procuraram de certa forma, tornar uma prática esta extensão da arte às outras esferas sociais:

... a mudança de função das artes visuais não pode ser somente assunto de artistas ou grupos de artistas. Deve incluir: 1) transformações radicais nas instituições dedicadas a formar artistas; 2) a inserção ativa e crítica de artistas, críticos e intelectuais nas instituições ocupadas com a produção e circulação da arte; 3) a construção de canais alternativos de produção e distribuição ligados a organizações populares, reivindicando delas uma atenção específica, não imediatamente pragmática, em relação ao valor do trabalho cultural. (CANCLINI, 1980 apud AMARAL, 2003, p.25).

A arte popular e a cultura popular, segundo Amaral, passam a ser amplamente discutidas entre as décadas de 1960 e 1970, numa tentativa de romper com o isolamento entre a arte e os problemas culturais e sociais do país. É Ferreira Gullar, que segundo a autora, debruça-se com profundidade sobre esta nova tomada de posição do artista frente ao seu tempo. Em um trecho do manifesto Esquema Geral da Nova Objetividade6, Hélio Oiticica resume a poética e as ideias de Ferreira Gullar que apontavam para um entrosamento maior da arte com as questões sociais, culturais e políticas de seu tempo e espaço.

... não compete ao artista tratar de modificações no campo estético como se este fora uma segunda natureza, um objeto em si, mas sim de procurar, pela participação total, erguer os alicerces de uma totalidade cultural, operando transformações profundas na consciência do homem, que de espectador passivo dos acontecimentos passaria a agir sobre eles usando os meios que lhe coubessem: a revolta, o protesto, o trabalho construtivo para atender a essa transformação... Definitivamente é esta posição esteticista insustentável no nosso panorama cultural: ou se processa esta tomada de consciência ou se está fadado a permanecer numa espécie de colonialismo cultural ou na mera especulação de possibilidades que no fundo se resumem em pequenas variações de grandes ideias já mortas. (OITICICA, 1967. In: PECCININI, 1978, p.116).



Hélio Oiticica e as novas tendências para a recepção coletiva da arte


Através do manifesto Esquema Geral da Nova Objetividade, Hélio Oiticica registra as reflexões e tendências da arte brasileira entre as décadas de 1960 e 1970 e que podem ser resumidas a partir de seis itens que, segundo ele, orientavam na teoria e na prática os artistas da Nova Objetividade: 1) “a vontade construtiva geral”, ou seja, um povo à procura de uma caracterização cultural, como por exemplo, o movimento da Antropofagia; 2) “tendência para o objeto ser negado e superado o quadro de cavalete”, rompendo com os meios técnicos tradicionais da arte; 3) “participação do espectador”, seja através da manipulação sensorial do objeto ou a participação semântica em relação a este, mas que ampliam a uma proximidade maior entre público e objeto; 4)”tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e éticos”; 5) “tendência a uma arte coletiva”, seja através da arte mais próxima das ruas ou de proposições artísticas que envolveriam esse público na própria criação ou processo da obra; 6) “o ressurgimento do problema da antiarte” não no sentido de apenas ir contra o passado, como fizeram as vanguardas, mas criar novas proposições para a arte, sobretudo na criação de condições para a participação popular.

Interessa para esta análise os três últimos itens apontados por Oiticica e que respondem, pelo menos na teoria, à esperança utópica de Benjamin por uma arte mais próxima das massas e, portanto assumindo uma práxis política. Neste sentido, caberia ao artista assumir junto à sua função criadora, sua função social, propondo uma arte coletiva, ou seja, em contato direto e ativo com o público.

Entre a teoria e a prática destes manifestos a favor da socialização da arte, Amaral argumenta que talvez as artes plásticas tenham sido as que enfrentaram maior dificuldade em alcançar este ideal de preocupação e transformação social, sobretudo pelo elitismo dos canais distribuidores da produção plástica - como os museus, galerias e bienais - ao contrário dos grandes auditórios dos teatros e dos festivais. As produções que mais se aproximaram desta necessidade foram as de Oiticica, com seus Parangolés e de Frederico Morais com o evento “Do corpo à terra”7 e os “Domingos de Criação”8. E a autora afirma:

Mesmo no final da década, o que poderia ser denominado de ‘aproximação’ do popular, no caso de Oiticica, através de sua vivência com escolas de samba, pode ser antes indicativa de uma ação lúdico-dionisíaca do artista, desprovida de intencionalidade política. (AMARAL, 2003, p.330).

O teatro foi talvez o meio pelo qual esta estratégia tenha alcançado maior êxito. Através dos CPCs – Centros Populares de Cultura, articulado pela UNE, juntamente ao Teatro de Arena de São Paulo, e do MCP – Movimento Popular de Cultura em Pernambuco intentava-se “levar a arte ao povo” de forma mais participativa e crítica. Estes centros foram replicados pelo país, basicamente em torno do teatro e mais tarde da música popular e da dança. No entanto, a heterogeneidade das culturas brasileiras, os desníveis sociais e econômicos dificultaram a continuidade destas ações, sobretudo após o golpe de 64.

Destaca-se também a efervescência da música Tropicalista pelas vozes de Caetano Veloso e Gilberto Gil. A Tropicália assume a influência da cultura de consumo capitalista e soma a esta a cultura dos centros populares, sem negar uma a favor da outra, mas abraçada ao consumo imediato das massas, da provocação do efeito, incorporando o kitsch em seu caldo cultural: “O termo tropicalismo vem sendo vagamente compreendido, vulgarmente absorvido e rapidamente consumido” (OITICICA, 1968. In: PECCININI, 1978, p.102.).



Recepção coletiva e socialização da arte – caminhos e utopias


Na busca de uma socialização da arte para além das esferas da elite econômica e cultural, tanto Benjamin, quanto alguns artistas e intelectuais atuantes, entre as décadas de 1960 e 1970, encontraram nas novas tecnologias de produção e reprodução formas de apreciação que fossem mais próximas da realidade das massas. Se até a década de 1930 Benjamin projetava no cinema o meio de despertar a consciência crítica e transformadora através da recepção coletiva, os artistas brasileiros 30 anos mais tarde buscaram na música, no teatro, nos happenings, nas performances, no xerox, nos cartazes, nos livros de artistas, meios de se relacionar de forma interativa com esta coletividade.

Mesmo que na prática os artistas plásticos não tenham alcançado, na mesma proporção que a música e o teatro, este ideário, eles apontaram caminhos para outras formas de produção e recepção da arte, não exclusivamente vinculadas a uma pedagogia visual política e social de mobilização das massas como Benjamin havia pressuposto. Os novos meios de se produzir e fazer circular a arte se desdobraram em diversas perspectivas a partir das apropriações feitas pelos artistas da década de 1960 e 1970, sejam estas de conscientização, interativo-estéticas e ou de ruptura com as tradições vanguardistas. As gerações seguintes puderam explorar ainda mais os efeitos destas novas formas de socialização através da arte digital, a arte-web, a arte-interativa, a vídeo-arte, além dos meios de comunicação considerados hoje tradicionais como a televisão, o cinema e o rádio. Os locais de recepção também escaparam dos tradicionais museus e galerias e passaram a incluir os ciberespaços.

Tanto Benjamin, quanto os artistas e intelectuais da nossa era política mais marcante, construíram reflexões históricas sobre a função social da arte, como ferramenta política e ideológica, que reverberaram na produção artística contemporânea. Neste sentido, a teoria da recepção coletiva da arte inaugurada por Benjamin não se esgota na aproximação histórica proposta nesta reflexão, pois a temática da função social da arte é amplamente debatida na contemporaneidade em diversas perspectivas. Cabe aqui demarcar que Benjamin inaugurou a discussão sobre os meios e modos de aproximação da arte com públicos até então ignorados e discriminados e o papel transformador desta como ferramenta política de conscientização da coletividade. Não há como precisarmos a influência de Benjamin sobre os artistas brasileiros, pois naquele período somente uma versão francesa de seus textos circulava, a original em alemão havia sido censurada e em português só existiria a partir da década de 1980. No entanto, podemos afirmar que as primeiras discussões sobre a função social da arte no Brasil carregam em parte, a utopia de uma tomada de consciência e transformação social, a partir dos meios e modos de recepção da arte na coletividade, influenciando parte da produção artística na contemporaneidade brasileira.

1  Artigo desenvolvido no segundo semestre de 2011, na disciplina Laboratório de Pesquisa em História, Teoria e Crítica de Arte, ministrada pela Profa. Dra. Icleia Cattani, do curso de Artes Visuais da UFRGS.

2  Ensaio escrito por Benjamin a partir de 1936 e somente publicado em 1955, na Revista de Pesquisa Social do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, mais conhecido como Escola de Frankfurt. O texto foi reunido no livro de ensaios deste autor, sob o título Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura, história e cultura.

3  Segundo Benjamin, foi Brecht o precursor do conceito refuncionalização para designar as transformações dos meios de produção da arte e outras manifestações intelectuais que, pela liberação de seus meios de produção, estariam a serviço das lutas de classe. No entanto, foi Benjamin quem melhor instigou os produtores a estarem engajados na luta pela transformação social. “Brecht foi o primeiro a confrontar o intelectual com a exigência fundamental: não abastecer o aparelho de produção, sem o modificar, na medida do possível, num sentido socialista” (BENJAMIN, 1994, p.127).

4  Em Dialética do Esclarecimento, Adorno e r analisam as teorias de Benjamin e a influência do Capitalismo nos modos de produção e distribuição da arte, introduzindo o termo “Indústria Cultural”. Segundo estes autores, os objetos da Indústria Cultural teriam sempre a finalidade de formar uma estética ou percepção comum, repetitiva e voltada ao consumismo.

5  Conferência pronunciada por Benjamin no Instituto para o Estudo do Fascismo em 27 de abril de 1934.

6  Texto de autoria de Hélio Oiticica e que circulou durante a exposição Nova Objetividade, ocorrida no MAM-RJ em abril de 1967. A exposição tinha por objetivo fazer um balanço do que fora produzido pelas vanguardas artísticas brasileiras nos anos anteriores, tanto dos artistas ligados ao abstracionismo, (Concretismo e Neoconcretismo) quanto os integrantes da geração da Nova Figuração que emergia naquele período. A expressão “nova objetividade” surgiu na Alemanha em 1925 como uma reação ao Expressionismo alemão, procurando então resgatar a representação realista.

7  Evento artístico que ocorreu em abril de 1970 em Belo Horizonte reunindo happenings e intervenções de cunho político. Participaram do evento Artur Barrio com as “trouxas ensanguentadas” e Cildo Meirelles com a “queima das galinhas vivas”.

8  Entre janeiro e julho de 1971, Frederico Morais convidou diversos artistas para criar formas de lazer criativo abertas ao público. As atividades realizavam-se no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

AMARAL, Aracy. Arte para quê? A preocupação social na arte brasileira 1930-1970. São Paulo: Studio Nobel, 2003.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura, história e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.

HORKHEIMER, M.; ADORNO, T.W. Dialética do esclarecimento: Fragmentos Filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

HUYSSEN, Andreas. A política cultural do Pop. In: Memórias do Modernismo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p.94-122.

JAY, Martin. As ideias de Adorno. São Paulo: Cultrix: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1998.

PECCININI, Daisy Valle Machado (org.). Objeto na arte Brasil anos 60. São Paulo: Fundação Álvares Penteado, 1978.

TEIXEIRA, Jerônimo. O liquidificador de Acarajés: Tropicalismo e Indústria Cultural. In: Antropofagia e Tropicalismo. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1993, p.41-71.

1  Hélio Oiticica, Parangolé. Anos 1960.