A mesa: superfície de onde tudo pode partir
Diante das inovadoras manifestações da arte contemporânea, processos artísticos que resistem permanentemente a critérios e definições de uma teoria da arte canônica, um retorno à obra de Aby Warburg pode ser valioso. Como historiador da arte, Warburg inaugura um modelo epistêmico cujo enfoque convocava a tradição estética a formular novas pressupostos.
Seu método analítico opunha um tempo linear e cronológico ao caráter fraturado e intempestivo dos eventos dispostos anacronicamente na história. Desse modo, ao recusar a herança cultural iluminista e as prerrogativas de uma disciplina específica de meditação sobre o belo, o historiador alemão apostou em uma releitura do mundo a partir do traço sintomático das imagens, que sobrevivem e retornam em momentos distintos da história; no conhecimento por imaginação; no exame minucioso dos detalhes, nos quais encontrava semelhanças onde um vínculo tradicional de leitura jamais poderia detectar; no procedimento de montagem, no qual a relevância dos intervalos ensejam potentes relações entre as imagens e, por fim, na recusa do quadro como superfície pictórica totalizante e definitiva de configuração da imagem.
Assim, a invenção de uma forma de dispor as imagens num atlas se mostra afim com um tempo de coerências despedaçadas como a época moderna. Warburg, atingido pela doença psíquica que custou sua vida em uma clínica, foi aquele que se mostrou capaz de levar a cabo uma tarefa: oferecer uma interpretação complexa sobre as imagens do mundo, na qual venha à luz o caráter simbólico e patológico das mesmas, cuja força não cessa de operar na história:
O atlas warburgiano é um objeto pensado a partir de uma aposta. Apostar que as imagens, agrupadas de certa maneira, ofereceriam a possibilidade – ou melhor, o recurso inesgotável - de uma releitura do mundo. Reler o mundo: vincular de diferente maneira seus pedaços díspares, redistribuir sua difusão, um modo de orientá-la e interpretá-la, sim, mas também de respeitá-la, de remontá-la sem pretender resumi-la e esgotá-la. (DIDI-HUBERMAN , 2010, p.19).
Para compreender a complexidade do projeto warburgiano e seu Atlas Mnemosyne, Didi-Huberman traça inicialmente uma oposição entre dois suportes de composição imagética: o quadro e a mesa – podendo também ser traduzido por prancha.
Ao recusar o primeiro termo para conceituar a disposição do Atlas, o filósofo francês enuncia uma ampla argumentação na qual postula que o Atlas é, na verdade, uma superfície de possibilidades infinitas, sempre pronto a ser desconstruído, modificado, em cujos espaços intervalares reside um poderoso instrumento para o sistema mnemotécnico:
O quadro consistiria, por conseguinte, na inscrição de uma obra (a grandissima opera del pittore, escrevia Alberti) que pretende ser definitiva diante da história. A mesa é mero suporte de um trabalho que sempre se pode corrigir, modificar, quando não começar de novo. (DIDI-HUBERMAN, 2010, p.18).
Nesta contraposição, tem lugar o traço dinâmico do atlas em detrimento de uma superfície encerrada em si mesma. Na grande mesa negra composta de lâminas de imagens intercambiáveis, experimentava-se a exposição visual das imbricações de imagens históricas, a partir de uma forma que é sempre aberta às possibilidades, nunca acabada.
Assim, Warburg introduz na história da arte um suporte de escrita com imagens que se porta como uma chave de leitura de um mundo, ele mesmo, esfacelado. A partir desta concepção, podemos articular o Atlas Mnemosyne a uma remota questão filosófica.
Escrita e leitura das imagens: Aby Warburg e a arte contemporânea
O tema da escrita atravessa a tradição ocidental de Aristóteles à Bartleby, o idiossincrásico personagem do conto de Melville. Muitos filósofos procuraram investigar como algo existente no pensamento ou na memória, espécie de existência em suspensão, poderia passar a uma realidade efetiva, a um ato de escrita. Destaco como importante para esta discussão a teoria aristotélica retomada por Giorgio Agamben em Bartleby, escrita da potência.
A transição do possível ao real foi ilustrada por Aristóteles na imagem de uma tabuinha em branco: uma espécie de suporte vazio em potência de onde tudo poderia advir. Como mostra Agamben:
Trata-se do passo, do livro terceiro, no qual Aristóteles compara o noûs, o intelecto ou pensamento em potência, a uma tabuinha de escrever sobre a qual nada está ainda escrito: “como sobre uma tabuinha de escrever (grammateion) onde nada está escrito, assim acontece no noûs” (De Anima 430 a). Na Grécia do século IV a.C., a escrita com tinta sobre uma folha de papiro não era a única prática corrente; mais comumente, sobretudo para uso privado, escrevia-se grafando com um estilete numa tabuinha coberta com um sutil estrato de cera. Chegado a um ponto crucial do seu tratado, no momento de indagar acerca da natureza do pensamento em potência e o modo como este passa ao ato de intelecção, é exemplo de um objecto deste género que Aristóteles recorre, provavelmente à própria tabuinha sobre a qual ia anotando, naquele instante, os seus pensamentos. (AGAMBEN, 1993, p.11-12).
Neste âmbito, a estrutura de Atlas Mnemosyne pode ser comparada com a tabuinha de escrever onde nada está escrito. Suas telas negras evocam uma superfície prenhe de vazios e lacunas, sobre a qual o historiador Warburg escreve com imagens numa montagem onde estão em jogo as repetições e os recalcamentos, as sobrevivências, os sentidos ocultos e os espaços em branco compostos de silêncio e intervalos.
A despeito de um quadro geometricamente exaurido em organização e unicidade, a mesa warburgiana grafa com sua estranha escrita por imagens – fígados adivinhatórios, ninfas, figuras astronômicas – o ainda nunca pensado da cultura ocidental, tal como o grammateiôn grego ou a tabula rasa dos latinos, como iria ser traduzida a expressão.
Esta apresentação do Atlas, cuja montagem sempre tensionada, recomeçada em diferentes direções possibilitaria uma leitura sempre precária sobre o mundo, é ressaltada por Didi-Huberman através da paradoxal fórmula benjaminiana “ler o nunca escrito”. Para o autor francês, Warburg se recusa a ser o portador de um pensamento repleto de certezas e formulações definitivas como pretendeu o racionalismo clássico e o subsequente surgimento do sujeito do conhecimento:
A partir de então, o autor de Mnemosyne viu-se confrontado com um autêntico desapossamento do pensar, no sentido elevadíssimo sugerido por Merleau-Ponty, ao escrever que “pensar não é possuir objetos de pensamentos, é circunscrever com eles um campo a ser pensado, o qual, portanto, ainda não pensamos”. (DIDI-HUBERMAN, 2013, p.391).
Diante disso, o modelo epistêmico warburgiano assumia a cisão entre o legível e o ilegível, reconhecendo como perspectiva a possibilidade de um não pensado, não rememorável, isto é, a afirmação da impossibilidade de leitura das imagens mundanas, na qual esteja em questão uma autêntica experiência moderna, cuja opacidade dos sentidos resiste a toda e qualquer interpretação. O que talvez Warburg, criando dentro de um universo patológico de loucura, tivesse compreendido era simplesmente a incapacidade de lidar com os sentidos e significações do seu próprio tempo.
Assim, a fórmula paradoxal “ler o nunca escrito” ganha uma nova tonalidade, cujo estatuto é a assunção radical de uma legibilidade fragmentária, cujos restos não assimilados continuam operando na cultura.
Neste ponto do texto, o nexo com as manifestações artísticas da contemporaneidade pode ser melhor perscrutado devido à dificuldade de interpretação que cada um de nós experimenta em qualquer museu de arte contemporânea na atualidade. O que o século XX nos legou como herança cultural foi uma profusão de inovadoras formas de arte que, de tempos em tempos, provocam rupturas definitivas e colocam à prova o sentido costumaz da arte.
Posto isso, é interessante notar como o princípio warburgiano de relação com a arte cancela a busca por sentidos denotativos e de fácil acesso, e procura esmiuçar relações inventadas, assumindo que uma significação estanque a propósito de qualquer imagem do mundo já constitui, desde sempre, uma perda. Assim, Didi-Huberman evoca este exercício na ideia de um jogo infantil, no qual a criança desativa os dispositivos da linguagem comunicativa e cria registros inesperados:
Uma criança não lê para captar o significado de algo específico, mas sim, para relacionar imaginativamente este algo com muitos outros. Temos, pois, dois sentidos, dois usos da leitura: um sentido denotativo em busca de mensagens, um sentido conotativo em busca de montagens. O dicionário nos traz sobretudo uma ferramenta valiosa para a primeira destas buscas, o atlas nos brinda certamente com um aparato inesperado para a segunda. (DIDI-HUBERMAN , 2010, p.16-17).
Desse modo, Atlas Mnemosyne se porta como uma obra de vanguarda, anacrônico por sua estrutura de temporalidades heterogêneas e montagens que descobrem novos regimes de sentido ou, para ser mais coerente, de ausência de sentido. A criança, este ser in-fante, signo da cisão mais radical entre voz e discurso, transforma a pobreza discursiva da qual é portadora e aponta uma autêntica experiência na relação das palavras com as imagens que nos cercam.
De forma análoga, tanto o atlas warburgiano quanto a arte contemporânea trazem como pressupostos aspectos semelhantes a essa dissociação posta em marcha pelo modo de ler as imagens típico da infância. A in-fância abre, portanto, uma fenda na linguagem, trazendo como possibilidade uma relação inédita, tal como um procedimento de montagem de fígados de carneiro justapostos a figuras astrológicas de Mnemosyne.
O potencial de estranhamento destes novos fenômenos artísticos se deve à tentativa de fundar um novo estatuto para a arte, na medida em que a mesma se constitui como um campo onde noções estabelecidas são dissolvidas pouco a pouco.
Sobre esta questão do valor de estranhamento das obras de arte a partir da modernidade, Giorgio Agamben (2012, p.169-171) comenta acerca de três temas benjaminianos que podem ser convocados para esta discussão. Segundo o autor italiano, Benjamin, ao explorar a questão da força de autoridade das citações e descrever a figura do colecionador e do revolucionário estaria, na verdade, valorizando o potencial de estranhamento no qual esses motivos apresentam na sua relação com o passado, a autoridade e a tradição.
A citação é o procedimento pelo qual se extrai um fragmento de um contexto vivo e o insere numa nova relação com o passado, ao qual estava vinculado. O poder particular das citações está em destruir a autoridade tradicional e atribuí-la uma nova função a partir desse novo e autêntico uso.
Desse modo, Agamben salienta que a figura do colecionador opera de modo semelhante. O colecionador dota o objeto de seu desejo de um novo valor, expelindo-o de seu contexto original e “citando-o” junto a outros objetos com os quais ele implica novos regimes de sentido.
Assim, o objeto se descola do seu valor de uso original e adquire um novo valor somente a partir de sua inclusão na coleção, mantendo com os demais objetos uma relação de pertencimento, no qual encontra seu autêntico valor na medida em que foi transfigurado e posto neste novo espaço. Agamben encerra esta análise ao dizer que a figura do revolucionário também só emerge a partir da destruição do antigo e da assunção do desconhecido e, num certo sentido, estranho.
Quando Agamben destaca estes três motivos correlatos da obra de Benjamin, é a semelhança com os procedimentos de Aby Warburg que vemos eclodir. Warburg, ao organizar suas lâminas de imagens da história e “citá-las” de modo que elas perpetrem novas significâncias, extraía violentamente cada uma delas de um contexto original e as introduzia num novo esquema simbólico.
Seguindo a linha argumentativa de Agamben, Warburg não acumula imagens sob a égide de um princípio totalizante, mas constrói com elas uma nova função. Segundo Didi-Huberman:
Portanto, era preciso inventar uma nova forma de coleção e exibição. Uma forma que não fosse classificação (que com consiste em pôr juntas as coisas menos possíveis, sob a autoridade de um princípio de razão totalitária) nem bricabraque (que consiste em juntar as coisas mais diferentes possíveis, sob a autoridade do arbítrio). Era preciso mostrar que os fluxos são feitos apenas de tensões, que os feixes amontoados acabam explodindo, mas também que as diferenças desenham configurações e que as dessemelhanças criam, juntas, ordens não percebidas de coerência. (DIDI-HUBERMAN, 2013, p.399).
Ora, esta forma a que o autor francês se refere corresponde exatamente à violência produzida pelas citações. Por sua vez, Agamben articula essa problemática benjaminiana aos procedimentos radicais da arte contemporânea que surgiram no século XX. Para Agamben, as duas manifestações mais bem sucedidas da arte – o ready-made e a pop art - se valeram de um processo análogo:
É fácil notar que a função estranhadora das citações é o exato correspondente crítico do estranhamento efetuado pelo ready –made e pela pop art. Também aqui um objeto, cujo sentido é garantido pela “autoridade” do seu uso cotidiano, perde de imediato a sua inteligibilidade tradicional para se encarregar de um inquietante poder traumatógeno. (AGAMBEN, 2012, p.170).
Desse modo, podemos inferir que Aby Warburg inaugura com seu Atlas Mnenosyne uma forma de procedimento que só viria aparecer na arte algumas décadas depois. E o fez retornando a um objeto tão prosaico quanto uma mesa. E é justamente por isso que exposições como Atlas, cómo llevar el mundo a cuestas? no Reina Sofía e Atlas, Suite no Museu de Arte do Rio continuam presentes nos dias atuais.
Posto isso, retomar as experiências artísticas do historiador alemão se mostra seminal para o estudo da arte contemporânea, na medida em que a estranha composição de Mnemosyne antecipa os objetos singulares da contemporaneidade, cujo valor artístico reside em uma possibilidade de relação com nosso próprio passado, não mais concluído e morto, mas operante nas imagens vivas que nos rodeiam.
Iconologia do intervalo: o lugar da arte
A estrutura de Mnemosyne, além das imagens espraiadas sobre as telas negras, trazia como elemento fundamental os espaços intervalares das pranchas. Nesse sentido, o Atlas articulava como problemática teórica o que seria constitutivo do processo artístico contemporâneo: a relevância dos espaços vazios para a arte.
Ao tentar agrupar a história das imagens da cultura, Warburg intuiu que a montagem dos fluxos descontínuos do tempo só poderia ser estruturalmente apresentada com suas fissuras, passagens e intermitências, a despeito de uma composição cujo princípio buscasse abarcar uma totalidade de eventos organizados teleologicamente:
Se Warburg quis gravar a palavra Mnemosyne no frontão de sua casa – de sua biblioteca -, foi por ter compreendido a natureza essencialmente mnemônica dos fatos culturais. Ora, a memória é montadora por excelência, organiza elementos heterogêneos (“detalhes”), escava fendas na continuidade da história (“intervalos”), para criar circulações entre tudo isso: zomba do intervalo entre os campos - e trabalha com ele. (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 419).
Esta rede intervalar produz uma observação sobre como ocorrem os movimentos de uma forma simbólica num determinado período ou época histórica. Didi-Huberman, em A imagem sobrevivente, compara o modo de operar da iconologia desses espaços temporais. Para o filósofo francês, seria como um clandestino ao cruzar uma fronteira: em vez de usar um caminho geograficamente definido e correr o risco de se deparar com “guardas”, o forasteiro opta por abrir fendas e usar linhas de fratura (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 418).
Neste ponto, é importante destacar que a iconologia dos intervalos funciona neste ínterim, rompendo barreiras pré-estabelecidas pelos limites entre os diversos campos teóricos e forjando seu elemento epistêmico num intermédio entre as disciplinas, organizadas por fronteiras artificiais de divisão de saberes.
Do mesmo modo, se há realmente uma topologia da reflexão sobre a arte, é esta assunção de um lugar indefinido, limítrofe, que expõe a dissociação entre texto [logia] e imagem [icono], e não sua correspondência. Diante de objetos tão díspares como os artísticos, a tarefa do historiador (ou filósofo, crítico da arte) deve ser sempre periférica, situado entre um saber e um não saber.
É este projeto de rupturas de fronteiras que se encontra mais em voga no contemporâneo. Estamos diante de objetos inclassificáveis, que, da mesma forma, trazem a exigência de um saber inominável.
Por esse motivo, embora a iconologia dos intervalos, denominada por Didi-Huberman (2013, p. 418) de instrumento epistemológico de desterritorialização disciplinar, seja um elemento fundador da teoria orquestrada por Warburg, ela não esgota as possibilidades de articulação da mesma, que permanece, até os dias de hoje, do modo como Warburg a deixou: sem nome.
Uma ciência sem nome: considerações finais
Definir o método de Warburg, capaz de congregar diversos campos do saber, se mostrou uma tarefa de difícil resolução até para o próprio historiador. Aliás, só podemos falar na existência de um método se recorrermos ao uso específico desta palavra como um conceito benjaminiano.
Benjamin, no prefácio epistemológico-crítico de Origem do drama barroco alemão, conferiu à palavra método uma outra tonalidade conceitual: “método é caminho indireto, é desvio” (BENJAMIN, 1985, p. 50). Nesta sentença, vem à luz o sentido grego da palavra [meta (o que está para além) hodos (caminho)] anunciando que todo esforço de sistematizar a via ao conhecimento é desviante, composto por paragens, intervalos e mudanças de direção que se desdobram no tempo.
Neste sentido, Atlas Mnemosyne corresponde exatamente a um projeto metodológico de exposição visual das imagens da cultura, na medida em que se configura como uma montagem permeada de deslocamentos. A leitura das imagens, para Warburg, já implicava, a priori, uma releitura, um movimento de retorno, como o desvio de um suposto alvo fictício.
Portanto, a renúncia a um caminho seguro e bem traçado da história da arte era, para Warburg, o corolário de sua postura diante das imagens da cultura. Ao retomar com fôlego incessante as montagens e desmontagens de Atlas Mnemosyne, Warburg sanciona a impossibilidade de atingir as coisas mesmas e, com isso, destrói qualquer tipo de oposição simplificadora entre original/cópia, forma/conteúdo para uma análise das imagens.
Os elementos da cultura ocidental estão como que pulverizados no tempo, sujeito às intempéries de cada período histórico no qual reaparecem e sobrevivem como fantasmas, retornando com suas significações diversas. E devido a esse motivo, sua história da arte nunca foi tomada como uma disciplina estritamente estética:
A atitude dos artistas face a imagens herdadas da tradição não eram pensáveis, para ele, em termos de escolha estética, nem de recepção neutra: tratava-se sobretudo de uma confrontação, mortal ou vital segundo o caso, com as terríveis energias que continham estas imagens, e que tinham em si a possibilidade de fazer regressar o homem em uma sujeição estéril ou de orientar seu caminho à saúde e ao conhecimento. (AGAMBEN, 2011, p.153-154).
Desperto do sonho da razão, Warburg, ao deixar inacabado seu Atlas, antecipa todo um projeto contemporâneo para a arte no que diz respeito à assunção do lugar da própria falta de sentido engendrada pelas imagens da nossa memória histórica. Marcel Duchamp, precursor da arte contemporânea, deixaria em estado de completo abandono sua obra O Grande Vidro em 1923.
Por fim, se há um lugar que se destina ao estudo da cultura e da arte, este espaço foi, de certo modo, conquistado pelo esforço de Warburg ao enunciar uma autêntica experiência da falta, da ausência de saber e das privações que cada historiador ou filósofo vivencia no corpo a corpo com seus objetos, sejam eles imagens ou obras de arte.
Em face de tantas incompletudes como a impossibilidade de nomear seu saber científico, de apreender totalmente uma história da cultura e, por fim, de organizar dados numa linha cronológica contínua, Wargurg, se tivesse conhecido Bretch, teria afixado num dos painéis de Atlas Mnemosyne os belos versos do dramaturgo: “Quanto tempo/ vão durar as obras? Vão durar/ Enquanto não estiverem prontas” (BRECHT, 1976, p. 193).