A cópia que se desprende do modelo: O simulacro
Como pendurar um objeto em um desenho? Ou um desenho em uma sombra? Como a luz de uma lâmpada poderia produzir a sombra de um desenho? Ou ainda, como sustentar uma pesada pilha de livros de história e crítica de arte através de um apoio virtual?
Com a exposição (V) e (F) - a efetivação de relações impossíveis buscamos forçar disjunções entre o que se vê e o que se espera do que se vê, através de operações visuais e espaciais que desfazem um sistema que fixa identidades naquele que vê e naquilo que é visto. Tanto o objeto deixa de ser o que era aos olhos do observador ativo, quanto o observador aos olhos do objeto. Suas identidades, portanto, são postas em questão. Ao desenho são conferidas atribuições de um objeto ou escultura, como o volume ou, ainda, a indiscernibilidade entre objeto, desenho e sombra.
Com a criação de zonas de indiscernibilidade entre estes elementos, questionam-se as noções de falso e verdadeiro ou mesmo o pensamento que opera com um primado do modelo sobre a cópia. Entendemos aqui o simulacro como procedimento artístico.
Com efeito, por simulacro não devemos entender uma simples imitação, mas sobretudo o ato pelo qual a própria ideia de um modelo ou de uma posição privilegiada é contestada, revertida. O simulacro é a instância que compreende uma diferença em si, como duas séries divergentes (pelo menos) sobre as quais ele atua, toda semelhança tendo sido abolida, sem que se possa, por conseguinte, indicar a existência de um original e de uma cópia. (DELEUZE, 1988, p.124).
Trata-se não apenas de copiar um modelo, mas de copiar a cópia, tornar-se uma cópia tão degenerada, de modo que a própria representação é traída. Quando a representação se desprende do modelo ela não copia uma lógica de funcionamento, mas, ao contrário, cria a própria lógica, condição de sua existência. Aí emerge o simulacro, com toda a sua potência de criar relações impossíveis.
Light, perspective & site specificNão apenas especificidades do lugar, mas da luz e da perspectiva do observador. A existência dos trabalhos apresentados demanda uma perspectiva, um ponto de vista específico, onde se coloca, mesmo que de forma apenas sugerida, a perspectiva visual do espectador e ainda um ponto de luz sobre a composição. Em determinados trabalhos estes pontos coincidem e em outros estes pontos diferem. As obras, portanto, incluem e abarcam o espaço topológico da experiência do espectador como lugar dos acontecimentos propostos, dependem desse espaço para fazerem sentido (concebendo o sentido como multiplicidade e não como algo que aponta para uma direção única) e para lançarem-se como relações corpo/espaço/tempo.
As dimensões dos trabalhos, dessa forma, dependem das dimensões do espaço de montagem e apresentação. Assim, a forma final de cada trabalho proposto considera o momento da sua montagem como momento da realização do light, perspective, site-spefic work.
Cada trabalho constitui-se apenas na relação entre a posição do olhar do espectador, o espaço físico no qual o trabalho acontece e os efeitos da luz sobre a composição. A luz é fundamental na construção de muitas das obras que integram esta série, e por vezes, não se difere do ponto do olhar. Não apenas a luz encontrando o olhar, mas emanando deste.
Ágon ou sobre conversas
Há muitas maneiras de se conversar com. Uma conversa é com alguém ou algo (pessoas, coisas, temas, músicas, pensadores, artistas, amigos, desconhecidos, espaços e tempos, etc, qualquer tipo de coisa) e não sobre. Conversas tratam de forças em embate, de forças em relação, de jogo, de lúdico, de ágon. Vontade de diferir de si mesmo. V e F nasce de conversas de muitas naturezas distintas. Como cada um de nós já era muitos, atravessaram a conversa e o processo de criação: artistas, filósofos, pensadores da arte, questões relativas aos acontecimentos mais recentes, etc. Não uma mostra que reúne obras de distintos artistas, mas antes de um processo de criação constituído de modo conjunto e indissociável. É certo que muitos dos elementos da exposição já se encontravam presentes nas produções de ambos os artistas (o princípio do falso em tensão com o verdadeiro – representação e objeto em um mesmo sistema visual, as distorções da anamorfose, os jogos conceituais entre o sentido perceptivo e os sentidos semióticos, a incorporação do espaço e do espectador enquanto instalação site-specifc, etc.), porém esses emergem aqui como um encontro que faz surgir novas formas de criação poética.
Entendendo o lúdico como um modo de criação poética, é o elemento agonístico que motiva e movimenta o próprio desdobrar do jogo através do embate de forças, fazendo do jogo o movente de um diálogo lúdico e poético. Emerge aí uma modalidade de embate na qual as forças em relação se fortalecem e colaboram de forma produtiva entre si ao se afetarem mutuamente.
Ao pôr em relação todos esses elementos, pensamos o trabalho de arte como um instante que se desdobra, se transforma, distancia-se da lógica de um modelo para propor a sua própria. Desta forma, a exposição cria sistemas em constante tensão. Cabe, portanto, ao espectador-participante a ação de organizar e desorganizar o sistema, realizá-lo ou aceitá-lo enquanto ilusão ou desfazê-lo enquanto discurso construído.