Aproveitando a ocasião da organização de uma exposição num espaço chamado Artists Space, em Nova Iorque, Lucy Lippard lançou um convite a artistas e demais interessados em se juntarem ao empreendimento da formação de um arquivo e, ao mesmo tempo, uma rede de informação voltada a projetos de arte com “preocupações sociais”. Desde esta chamada realizada no meio do ano de 1979, o projeto não sairia do papel até 24 de fevereiro de 1980, quando foi realizada a primeira reunião, na qual aproximadamente cinquenta pessoas compareceram à Printed Matter – livraria fundada em 1976 por Lucy Lippard, Sol LeWitt e outros artistas com a proposta de distribuir livros de artistas e algumas outras publicações e múltiplos, seguindo também a vontade de fornecer um meio àqueles interessados em produzir trabalhos que se colocassem como alternativas ao mercado e ao sistema de exposições mais tradicionais. Interessante observar, no entanto, que na ocasião desta primeira reunião o projeto teria sido batizado por Clive Phillpot, então diretor da biblioteca do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), a mesma instituição que abriga os arquivos do PAD/D desde que estes foram organizados e doados, em 1989, por Barbara Moore e Mimi Smith (duas outras integrantes do coletivo).
Nascido como PAD, o coletivo agregou o último D (distribuição), por volta de um ano após aquela reunião, pois teriam sentido a necessidade de não só coletar informações sobre as ações interessantes para o grupo e a comunidade de “trabalhadores da arte”2, mas também produzir arte e discussões em torno dos possíveis modos de pensar a produção artística como forma potente de trazer questões sociais nacional e internacionalmente relevantes. Nas palavras de Lippard, “o segundo D foi adicionado quando o ativismo foi adicionado ao arquivismo” (LIPPARD, 1993/4). A noção de arte com relevância social promovida pelo coletivo pretendia abarcar questões bastante variadas, como problemas de discriminação da comunidade negra e latina nos Estados Unidos, ecologia, feminismo (lembrando também que Lucy Lippard foi uma das importantes figuras envolvidas com esta questão no país, integrante também do coletivo Heresies), gentrificação, investimentos militares do estado, despejos de moradores ou, mais amplamente, “outras formas de opressão humana”.
Os principais meios de discussão fomentados pelas ações do PAD/D além do arquivo eram outros três: a publicação do newsletter, as reuniões realizadas nos Segundos Domingos e um grupo de estudos. A principal publicação do coletivo primeiramente chamado de 1st Issue e que muda de nome para Upfront na sua terceira edição era um meio de expansão das discussões realizadas pelos membros nas reuniões dos Segundos Domingos, onde se dava a comunicação presencial que avaliava as ações e planejava as organizações do coletivo, sendo este também aberto ao público e servindo igualmente para a abertura de novas contribuições para formar a rede de contatos. Já o grupo de estudos promovia encontros com café para discutir textos e exposições.
Além de publicar o newsletter e promover encontros, uma das formas de desenvolver o potencial do segundo D adicionado ao nome do coletivo era fazer ações públicas onde se pudesse veicular as ideias de alguns artistas por meio de trabalhos performáticos ou múltiplos, os quais tivessem uma característica efêmera e estivesse nestes potencializada a distribuição, diferentemente de um objeto artístico único. Quatro destas ações públicas foram: Death and Taxes (abril de 1981) (Figura 2), No More Witch-Hunts (1981), Image War on the Pentagon (1981) e Not For Sale: A Project Against Gentrification. (1983 e 1984). Os três primeiros abordavam temas problemáticos da organização do governo, trazendo críticas a sua militarização, às leis antiterrorismo, às intervenções nos países da América Central, respectivamente. No More Witch-Hunts contou inclusive com a participação de ativistas religiosos, além da performance de membros do coletivo Group Material, em que estes vestiam uniformes que traziam a cor vermelha remetendo à cor da organização Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, de El Salvador, um dos países que sofriam intervenção do governo norte-americano. A segunda edição do newsletter 1st Issue apresentava o projeto Death and Taxes: um dos trabalhos participantes desta ação era Blood Money, no qual Liliana Dones propunha a mesma lógica do trabalho Inserções em circuitos ideológicos de Cildo Meireles, realizado mais de dez anos antes; ao também se propor “Gravar informações e opiniões críticas nas cédulas e devolvê-las à civilização”3, a artista seguia a ideia ampla do projeto do PAD/D de criticar o uso de impostos para altos investimentos militares: gravando em notas de dólar a frase “Metade desta nota poderia ser usada para melhorar suas cidades... em vez disso, ela vai ser usada para melhorar o exército”.
O espaço público era considerado pelo coletivo como um verdadeiro espaço alternativo de exposição. A segunda edição de Not For Sale aconteceu em 1984 e contou com a instalação de pôsteres nas ruas, procurando chamar atenção dos pedestres às questões relacionadas aos problemas da gentrificação em Manhattan (Figura 3). Como sua função de arquivo, o PAD/D também manteve uma coleção de pôsteres que inclui trabalhos relacionados com artistas e grupos diversos, sendo alguns bastante conhecidos hoje, como: ACT UP, Allen Kruger, Coalition for a People's Alternative in 1980, Dona Ann McAdams, Elizabeth Kulas, Greg Sholette, Guerrilla Girls, Heresies, Jerry Kearns, Keith Haring, PAD/D, Printed Matter, War Resisters League, Yoko Ono and John Lennon, e outros.
Um dos documentos datilografados, encontrado no arquivo, tem uma nota manuscrita onde se lê: “O documento seguinte não representa uma lista do que esta organização pode realmente fazer; é uma tentativa de trazer as questões que surgem a partir da existência do PAD, e explorar as ramificações econômicas e culturais destas”. A impressão que a maioria dos documentos passa é de uma forte vontade de organização das ações para gerar discussões em torno dos problemas sociais, não tanto uma busca de experimentação como é recorrente observar em outros grupos que propõem práticas alternativas (Figura 4). Nessa lista datada de outubro de 1980, os pontos também incluem busca de conhecimento das formas mais tradicionais de organização do sistema de arte para disso tentar aprender de que forma foram eficientes em interferir na sociedade. Assim, a proposta seria aproveitar este conhecimento para produzir uma ação que tende a se opor aos meios tradicionais, mas também não parece manifestar-se com intenção de ruptura completa em relação a estes. O que se mostra de interesse aí é a busca de uma abertura maior e de incentivo ao tipo de arte voltada para o social e para o contato com a comunidade, a qual normalmente não era incluída nos circuitos mais comerciais e/ou de grandes instituições. O mesmo documento apresenta uma preocupação relacionada aos meios de financiamento que seriam então adotados pelo coletivo, uma preocupação bastante recorrente em grupos que buscam trabalhar em condições geralmente nomeadas como independentes ou autônomas. Conscientes de que o financiamento está quase sempre atravessado por questões de poder, questionam-se como seria mantida a coerência com a intenção de oposição à cultura dominante:
financiamento tem a ver com dinheiro/arte como commodity. Questões surgem sobre arte política sendo vendida como commodity. Como podemos lidar com esta questão e ainda manter um padrão de vida para nós? Se arte política deve ser verdadeiramente revolucionária, deve esta parar de ser arte quando parte do “mundo da arte”?
Gregory Sholette, um dos membros do PAD/D, ao fazer uma retrospectiva dos principais pontos das ações do coletivo em seu texto A Collectography of PAD/D, menciona algumas fontes de incentivos financeiros recebidas por eles e como também conseguiam financiar ações de artistas a partir desta renda; uma dessas seria a ajuda de alguns artistas já mais “consagrados” nos anos de 1980, como Hans Haacke, Jenny Holzer, Nancy Spero e Barbara Kruger (alguns desses conhecidos por ter o trabalho aproximado ao que ficou conhecido na história da arte como Crítica Institucional). O autor e ex-membro do grupo relata também que o PAD/D havia ganhado um edital da National Endowment for the Arts de um pequeno incentivo que serviria para custear uma edição da Upfront, mas o diretor da instituição, Frank Hodsoll, então recém apontado para o cargo pelo governo Reagan, resolveu retirar o financiamento federal de tal edital (o qual, segundo Gregory, também haveria comtemplado o coletivo feminista Heresies).
Alguns pensamentos sobre o caráter político desta situação é uma análise de Adrian Piper em que ela procura apresentar, em 1983, seus interesses na arte de sua época e uma análise do campo da arte onde “o princípio ‘arte pela arte’ está sendo gradualmente substituído pelo princípio ‘arte pelas pessoas’” (PIPER, 2009). Ao recapitularem os esforços do PAD/D, Lucy Lippard, Barbara Moore e Mimi Smith declaram no boletim da biblioteca do MoMA que a organização foi vítima de seu próprio sucesso. Tal declaração é feita após o fim do coletivo já nos anos de 1990, considerando que desde meados dos anos de 1980 a arte de cunho político, antes isolada das grandes instituições e galerias comerciais, estaria sendo então incorporada por estes meios. Como concluiu Andrea Fraser, hoje já um nome também consagrado no “mundo da arte”, que seja interessante pensar e agir considerando este mesmo universo ele próprio uma instituição e, assim, partir da crítica institucional (Institutional Critique) à instituição da crítica. Assumindo a consciência de que a arte pode ser usada para efeitos alheios a motivações puramente estéticas – como vemos no trabalho de Hans Haacke – pode-se também fazê-la ter outras finalidades ou métodos que não estejam limitadas a preocupações formais.
O seguinte link oferece um arquivo digital dos newsletters/revistas publicados pelo coletivo: http://darkmatterarchives.net