A Arte Conceitual foi introduzida no campo das artes visuais brasileiro em finais da década de 1960, sob forte influência de um discurso sociopolítico engajado, refletindo as dificuldades de todas as ordens impostas pela ditadura militar. Esse fenômeno esclarece a atuação engajada de artistas como Cildo Meireles e Artur Barrio, por exemplo, responsáveis por realizar, nesse período, trabalhos que ganharam grande repercussão, transformando-se, posteriormente, em ícones históricos de resistência e denúncia ao regime ditatorial. O desenvolvimento peculiar do conceitualismo, enquanto linguagem livre e essencialmente experimental, traduziu-se em uma tendência mundial, mas que, ao menos no contexto específico da América Latina2, ganhou conotações políticas marcantes.
Não só apenas no que diz respeito à questão das linguagens que se desenvolveram no período, e que continuaram sendo amplamente utilizadas e pesquisadas pelos artistas contemporâneos, mas também em muitos casos verificou-se a presença do discurso capaz de concatenar arte x vida. Em outras palavras, uma determinada parcela de artistas contemporâneos é capaz de dialogar com as políticas vigentes e com os aspectos sociais diversos, utilizando para isto práticas como o experimentalismo e o conceitualismo. Com a finalidade de exemplificar esta especificidade, enquadra-se como objeto de pesquisa o coletivo de Arte Contemporânea: Imaginário Periférico. Batizado de “Imaginário Periférico”, o coletivo de artistas surgido oficialmente no ano de 2002 é representado originalmente por seis artistas. A maioria deles se conheceram na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, são eles: Julio Sekiguchi, Raimundo Rodrigues, Deneir de Souza, Roberto Tavares, Jorge Duarte e Ronald Duarte, onde o fator comum é o vínculo direto ou indireto com as áreas de periferia do Rio de Janeiro. Essas áreas são: Fragoso, Pau Grande, Nova Iguaçu, Piabetá, Friburgo, entre outras. Dentre as pesquisas do grupo, podemos encontrar o surgimento de algumas técnicas para o uso específico de material “não nobre” – o lixo, da sociedade burguesa. Boa parte desse material é encontrado em aterros sanitários, terrenos baldios abandonados, entre outros, compondo objetos do cotidiano, ready mades descartados, que são recolhidos nas áreas da periferia. A escolha de tal materialidade que compõe boa parte das obras feitas pelos artistas do coletivo, torna visível alguns elementos da vida cotidiana nessas regiões e de onde serão retirados os elementos tipológicos para a conversão de poéticas que dialogam, sobretudo, com a questão de uma força produtiva e de um modo de produção específico, à luz de uma abordagem marxista3 . A primeira exposição do grupo, aconteceu em 2002, no Sesc de Nova Iguaçu, depois em São João de Meriti, Madureira, Nova Friburgo até o coletivo organizar uma intervenção no ano de 2003 de grandes proporções e que marcou o grupo por “descentralizar” as noções de centro x periferia. Essa intervenção emblemática ocorreu na Central do Brasil4. Em outras palavras, essa intervenção representou simbolicamente a retirada do Imaginário Periférico da posição “periférica” para a posição de “centro” ou mesmo de um centro que emanava cultura feita na periferia ou a partir da ideia de periferia.
Com a finalidade de esclarecer as propostas do coletivo, cabe primeiramente fazer uma breve definição da ideia de periferia. Que periferia é esta que o Imaginário Periférico tomou como exemplo ideológico e territorial? No seu primeiro ano de existência do coletivo, as ações se concentraram de fato numa zona classificada como “periférica”. Um dos motivos que justificam o olhar desses artistas para esta especificidade está ligado ao seguinte fator: os seis artistas criadores do grupo, Julio Sekiguchi, Raimundo Rodrigues, Deneir de Souza, Roberto Tavares, Jorge Duarte e Ronald Duarte, possuíam e alguns ainda possuem um vínculo direto com áreas da Baixada Fluminense. Por exemplo, ou moravam, ou tinham ateliês, fazendo com que cada um deles tivesse uma vivência, e aqui se entende por vivência uma experiência cotidiana, que propiciou a identificação da precariedade local e a conversão da mesma em poéticas visuais. Desses fatores emerge a construção de um possível “imaginário”, que mais se assemelharia a uma espécie de inventário metafórico da alteridade.
É necessário definir geograficamente que periferia é essa que está sendo abordada pelo grupo, podendo-se concluir então, que essa periferia se refere às áreas que se encontram fisicamente distantes do centro do Rio de Janeiro, geralmente conectadas pela malha ferroviária ou por linhas de transporte coletivo intermunicipais. Assim, localiza-se a importância do diálogo metafórico, e por vezes literal, do Imaginário Periférico com a linha do trem. Em outras palavras, a periferia de origem será aquela área onde a distância física do centro e da zona sul do Rio de Janeiro mostra-se sintomática à falta de acesso da população aos eventos culturais, por exemplo, assim como aos demais serviços como saúde, segurança e educação. Essa será uma das percepções dentro do quadro das precariedades apontadas pelo discurso dos artistas do grupo. No entanto, é importantíssimo ainda considerar, dentro desse quadro geral, que o Brasil é um país periférico em relação ao mapa geopolítico global. Portanto, o Estado do Rio de Janeiro por completo é um local de periferia, independente de possuir um centro urbanizado e áreas que ainda preservam certas características rurais ou não tão urbanizadas, como as dos municípios que compreendem a Baixada Fluminense, a Região dos Lagos e a Região Serrana. Pelo viés político, e, pensando na necessidade de ampliar o circuito da arte, que por tradição não costuma incluir em sua pauta as áreas mais afastadas do centro, ou “periféricas”, esses artistas buscavam, nesse primeiro momento, chamar a atenção das autoridades locais para a quase total inexistência de eventos culturais, estabelecendo parcerias com as secretarias de cultura e outras instituições públicas e privadas. Em seu discurso, procuraram repensar constantemente a política cultural vigente, além da integração imediata entre público e arte, eliminando qualquer hierarquia. Assim, durante a elaboração de um evento do coletivo, permitia-se a participação de todos, de forma aberta e libertária, revivendo algumas utopias da década de 1970. Pode-se dizer que era simulado um caráter anárquico para o grupo, que na verdade, estaria mais próximo de um posicionamento neodadá, estabelecendo uma ligação com algumas práticas ideológicas encontradas nos artistas conceituais. Esse fato reforça a ideia que circulava dentro do grupo, e, que foi formulada pelo artista alemão Joseph Beuys, de que “qualquer um pode ser um artista desde que se considere como tal”. Essa é uma das máximas que remetem tanto a Marcel Duchamp e aos Dadaístas, quanto aos artistas conceituais “neodadás”, como os artistas do grupo Fluxus, por exemplo, sendo possível verificar uma semelhança entre o discurso da vanguarda histórica do início do século XX, dos artistas conceituais dos anos de 1960 e 1970 e o dos artistas do coletivo em questão. Outrossim, tem-se ainda mais diretamente uma “herança” dos próprios artistas conceituais brasileiros das décadas de 1960 e 1970, que atuaram no tenso período da ditadura, fato que coincide e influencia a própria geração dos artistas que compõem o Imaginário Periférico, quase todos nascidos no final da década de 1950 e início da década de 1960. Essa geração vivenciou à sua maneira as experiências de um Brasil tolhido por um governo ditatorial. Para melhor compreender o discurso do Imaginário Periférico, cabe citar alguns trechos do Manifesto “Visão Periférica”, distribuído pelo grupo, que já se definia como um grupo de pesquisa artística inserido no contexto sociocultural contemporâneo:
O Imaginário Periférico, dentre outras propostas, coloca em questão o “Meio da Arte no Rio”. Qual a importância de pertencer e estar no “meio” da população artística e, por consequência, se existe geograficamente um local propício para que esta produção artística aconteça de forma efetiva.5
A grande questão seria, então, a busca por visibilidade e legitimação para que este “caldeirão cultural” se desenvolvesse e pudesse ser mostrado dignamente tanto nas áreas de periferia quanto nas áreas de centro, sugerindo uma luta de classes dentro do campo artístico. E conclui com a afirmação de que a proposta do grupo está muito mais ligada à intenção de reunir diversidades do que de criar nichos com especificidades culturais segregadoras, com o objetivo final de ampliar o circuito de arte contemporânea carioca.
A proposta do Imaginário Periférico não é fazer uma produção regionalista ou outro perfil específico. O grupo busca com ações efetivas ampliar ainda mais o sincretismo cultural, aterrando as trincheiras do preconceito, enquanto vai ampliando o circuito de arte contemporânea.6
Quando o coletivo começa a questionar a importância do “meio” da arte, o que se percebe na verdade é um questionamento em relação ao mundo da arte7 estabelecido. Muito mais que um mero questionamento geográfico ou mesmo territorial, esta parte do discurso denota um questionamento em relação às políticas culturais, às instituições detentoras do poder simbólico8. Porém, tal questionamento se desenvolveu de maneira ambivalente, pois ora parecia se tratar apenas de uma série de reivindicações político-sociais (quando o que estava em pauta era a localidade da periferia, e o público da periferia), ora de uma série de reivindicações feitas pela classe de artistas em luta por legitimação que possuíam ligações ou que eram oriundos desta mesma periferia.
É esta precisamente a relação entre arte x vida que sugeriram alguns artistas conceituais. Este “impasse” ou mesmo esta qualidade dicotômica de concatenar arte x social, e de utilizar a arte como ferramenta de transformação, é que fica mais claramente representado com o trecho do manifesto “Fome Zero Cultural” transcrito abaixo:
O Fome Zero Cultural vai mostrar arte. O Fome Zero Cultural quer a engenharia, a arquitetura, a medicina, as telecomunicações, a televisão, a informática, e a telemática, para os 100 milhões de famintos culturais.
Cabeça vazia não enche barriga.9
O coletivo, de maneira irônica, faz uma alusão ao Plano “Fome Zero” implementado pelo Governo Federal no comando do presidente Luís Inácio Lula da Silva. A crítica utilizada pelos artistas do Imaginário Periférico é a de que o governo deveria rever não só a questão da “fome” no país, através de um plano que absolutamente não resolvia a questão crônica brasileira, como também deveria rever a questão do desenvolvimento cultural no país. Utilizando-se do meio da arte, o coletivo envia a mensagem de que o povo não necessita só de comida, mas, também, de cultura e lazer com qualidade para um desenvolvimento digno. Essa dicotomia poderia muito bem passar de “Arte como ideia” para “Arte como discurso (político)” adaptada pelo coletivo. É possível localizar, portanto, no manifesto do grupo, as reivindicações dos artistas que carecem de apoio das instituições públicas e privadas e as reivindicações em relação às políticas culturais vigentes, que também precisam ser revistas com urgência. Algumas reivindicações do grupo ficam explícitas nesse mesmo Manifesto através das seguintes frases inflamadas:
Redistribuição urgente do capital intelectual nacional!
Pela criação de canais de circulação da produção cultural marginalizada!
Pelo fim da exclusão digital!
Pela obrigatoriedade do ensino de Artes Visuais, Música, Dança, Teatro e Televisão no Ensino Fundamental!!! 10
O que em princípio poderia parecer apenas uma atitude lúdica com o objetivo de ironizar o governo e a vergonhosa política cultural brasileira fez na verdade com que o Imaginário Periférico se caracterizasse por ser um coletivo de artistas de cunho senão político, politizado e consciente do poder de transformação que a arte (ainda) pode ter.
Sobre o impacto do Manifesto “Fome Zero Cultural”, declara o artista plástico e também fundador do Imaginário Periférico, Jorge Duarte, deixando claras as intenções do coletivo:
“Então o que a gente quer? A gente quer que se distribua melhor, que se distribua por aí, galerias, vamos abrir, bibliotecas, cinematecas, criar acesso. Daí que a gente fez até aquele Manifesto da “Fome Zero Cultural”, que é uma ironia em cima do “Fome Zero” do Lula, porque a gente acha que se você também suprir essa fome cultural, essa necessidade que as pessoas têm de mais cultura, a sociedade inteira aprende a se virar melhor”.11
Essas questões envolvendo modificações nas políticas culturais, na realidade, refletem a necessidade e a dificuldade do artista contemporâneo em obter maior autonomia perante o campo cultural saturado e repleto de disputas pelo “capital simbólico”.12 A partir da experiência do Imaginário Periférico e da sua atuação no espaço das galerias do Sesc e do espaço público como o da Central do Brasil, por exemplo, o coletivo passou a se articular para realizar suas intervenções tanto no espaço público, quanto no espaço privado. Ao longo dos anos, o Imaginário Periférico ampliou seu foco de atuação para toda a cidade, tendo realizado ações temáticas em Três Corações (em Nova Iguaçu), Central do Brasil, na Praça da Cinelândia “Feira de Trocas e Pechinchas”, na Galeria 90 “O saco é o Limite” (na Gávea), na Praia das Pedrinhas em São Gonçalo, e até mesmo fora do Brasil, como foi o caso da participação do coletivo na “Nuit Blanche” em 2005, com a proposta performática “Imaginaire Périphérique, Visages Autoportrait Périphérique Brassage dans L´art”, onde o grupo fez um intercâmbio entre os artistas periféricos do Brasil com um coletivo francês.
A primeira intervenção do Imaginário Periférico citada possui a importância de apresentar uma exposição coletiva em Três Corações, que é um local ainda mais remoto que o centro de Nova Iguaçu. Esse tipo de exposição foi possível a partir da parceria dos artistas com a Prefeitura de Nova Iguaçu e com a Associação de Moradores do Bairro de Três Corações. A ação foi executada no Galpão do Gil, um terreno baldio que se assemelhava a um assentamento “sem-terra” – Espaço Efêmero de Arte Contemporânea – e teve como característica ideológica oferecer ao público de Três Corações um espaço para que esta comunidade pudesse ter acesso à arte contemporânea, fato inédito na região. A apresentação do coletivo no meio da Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, denominada “Feira de Trocas e Pechinchas” foi realizada a partir da organização e da produção do artista Jorge Duarte e do seu contato com o também artista participante do Imaginário Periférico e diretor do centro de artes visuais, Chico Chavez, em parceria com a Funarte. Teve como tema um peculiar tipo de troca, nas palavras do artista Jorge Duarte: cada artista deveria levar uma quantidade bem grande de um múltiplo qualquer que ele poderia vender a 1 real, um preço simbólico, evidente, e trocar com os amigos13.
Esse evento reuniu um número espetacular de artistas que realizaram suas trocas e fizeram uma caminhada até o prédio que acomoda a Funarte, numa espécie de “passeata de artistas”. Mais uma vez, podia-se notar um aspecto politizado no grupo que de maneira lúdica colocava em pauta questões como: Quanto vale uma obra de arte? Quem detém o poder de avaliá-la? Quem são os colecionadores de arte atualmente? Através do discurso embutido em diversos trabalhos que foram apresentados durante a “Feira de Trocas”. Esses exemplos de intervenções mostram o amadurecimento do caráter do grupo e sua conquista de visibilidade, o que gerou parcerias não só com as instituições privadas como também com as prefeituras dos municípios onde o grupo se apresentou.
Dessa forma, o Imaginário Periférico passou a ser um ponto de emanação cultural organizado por esses artistas, conquistando visibilidade na mídia e atraindo cada vez mais outros artistas participantes, seja pelo viés ideológico ou pela oportunidade de se lançarem indiretamente no mercado de arte. Logo, as noções espaciais de centro x periferia começaram a se transmutar de acordo com a localidade em que o Imaginário se estabelecia e se apropriava, criando dessa forma sucessivas periferias, com a intenção de disseminar e também de unificar, ao menos durante a intervenção, o público e os artistas. Tratando-se de disseminações, é possível ainda afirmar que existia uma preocupação por parte de alguns artistas que compõem o grupo, em educar o público para melhor receber as informações visuais e de valor simbólico oferecidas pelos artistas do grupo. Colocavam-se em pauta questões importantes como o cuidado com o meio ambiente, por exemplo. Outro caso em que o coletivo pareceu preocupado em discutir questões tanto artísticas quanto relativas à Ecologia e ao meio ambiente foi durante a intervenção realizada na Praia das Pedrinhas, no dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho de 2005), denominada “Imaginário Periférico saúda São Gonçalo, lá na Praia das Pedrinhas”. Além das discussões, o coletivo ofereceu gratuitamente num espaço público, que era a Praia das Pedrinhas, um espetáculo de Arte Contemporânea, música, poesia e dança. Para essa intervenção, o coletivo conseguiu angariar verba através da parceria com a Prefeitura de São Gonçalo e com a Semeceltur. Em trechos do texto assinado pelo artista plástico Hélio Branco, cabe retirar algumas declarações em relação aos objetivos do Imaginário Periférico e que denotam, mais uma vez, sua preocupação com relação ao campo sociocultural:
O cerne da ideia é demarcar um outro recorte para a atuação.
Não mais o epicentro econômico dos grandes centros urbanos, mas considerar toda a região metropolitana e sua efervescência produtiva, levando em conta, sobretudo, o aspecto humano: reconhecendo anseios e vontades de quem cria e de quem gosta de arte, para experimentá-la em suas manifestações mais espontâneas e libertárias, seja onde for o lugar da megacidade que as abrigue, desde que aberto ao público.14
A exclusão social é outro tema levantado no texto distribuído pelo grupo, não apenas uma exclusão imposta pelo sistema econômico predominante a uma parcela da classe social, como também uma exclusão a uma parcela da classe de artistas. Logo, mais uma vez o discurso do Imaginário Periférico se desdobra em dois tipos de reivindicações: uma em relação às comunidades de periferia, e outra em relação aos artistas que se encontram numa situação de “periferia das artes”, como foi dito acima.
Outro pensamento que circula dentro do coletivo é o de que a arte contemporânea está sendo oferecida, através do esforço do grupo, com o mesmo nível de qualidade para a massa popular, da mesma forma que também é oferecida às elites. Dessa forma é colocado que se a massa popular não será o público comprador, ela tem o direito de ser ao menos um público apreciador da arte. Quanto a essa questão de comunicabilidade com o público, respondem sob diferentes aspectos dois dos artistas formadores do coletivo em entrevistas coletadas:
“(...) quando as pessoas veem que aquilo é uma produção artística, na maioria das vezes, pelo que eu me lembro, todas as exposições que a gente fez nas áreas mais afastadas mesmo do centro, é que as pessoas viam e traziam até os trabalhos pra gente vê, não existia por parte deles essa relação do que era considerado estético ainda mais quando a gente falava que era aberto, até mesmo o que a gente considera como artesãos vinham com suas obras pra poder participar”.15
Já na opinião do artista plástico Roberto Tavares, essa preocupação se define da seguinte maneira: “É, eu acho que nós temos essa preocupação mesmo, até porque eu acho que é uma questão de visibilidade do grupo”.16 De certa forma, ambas as respostas falam sobre a necessidade de obter uma visibilidade dentro do campo cultural, tal visibilidade, no caso do Imaginário Periférico, ganhou força justamente pela liberdade de participação dos artistas, fazendo do coletivo uma espécie de organismo capaz de agregar artistas das mais diversas linguagens (e interesses).
A prática de reunir grandes quantidades de artistas se desenvolveu através das chamadas “convocatórias” realizadas por e-mail. O coletivo conseguiu atingir o número impressionante de 400 artistas que, em algum momento, participaram de alguma exposição, intervenção ou evento do Imaginário Periférico, fato que certamente fez aumentar a rede de contatos do grupo, que desde sua formação jamais parou de crescer. Muito embora a maioria das ações parta de uma ideia inicial, que seria o tema, há relatos de casos em que muito desses artistas que participaram do grupo ou do tipo de evento proposto pelo Imaginário Periférico, apresentaram trabalhos completamente desvinculados a essas temáticas. Além de existir uma “regra” ou “convenção” dentro do coletivo, que informa que o artista que propuser qualquer tipo de intervenção, exposição, ou evento será também responsável por sua produção, ou seja: conseguir verba, divulgar, organizar, viabilizar o projeto que normalmente passa por todas essas etapas. Esse tipo de medida, na opinião dos seis artistas formadores do Imaginário Periférico, e que foram constatadas nas entrevistas, se justifica exatamente com a finalidade de afastar do coletivo alguns artistas ou projetos irresponsáveis ou inviáveis para a estrutura do grupo. No entanto, a livre entrada de artistas no coletivo, e o fato curioso de nunca ter havido uma recusa de trabalhos, também funcionou como uma estratégia para manter o discurso do grupo coerente com uma ideia libertária mais fiel aos conceitos da coletividade, fato que facilitaria o processo de agregação e renovação da participação dos artistas no grupo. Em entrevista cedida pelo artista plástico e um dos fundadores do Imaginário Periférico, Raimundo Rodriguez, sobre a questão de o coletivo ser capaz de aglutinar tantos artistas, a resposta foi a seguinte (informação verbal): “Eu acho que é a liberdade. O que mantém o grupo unido é a liberdade, porque como não tem curadoria basta que a pessoa se intitule um artista e tenha um trabalho realmente (...) só mesmo conhecendo, quem conhece sabe como estou falando. Eu acho que a liberdade é que junta essas pessoas, porque muitas vezes a gente é convidado pra algum evento, algum trabalho, pra participar em algum lugar e a gente detecta que a proposta não é, que a proposta não tem a ver com nossos propósitos, que não condiz com nossos procedimentos, e aí acaba que não acontece. Ou ele acontece ou não acontece, de forma sempre natural.”17
Portanto, partindo de máximas como: “Arte como ideia” ou “Arte como discurso”, como foi visto na transição discursiva do Imaginário Periférico, o coletivo se torna um exemplo de como os artistas contemporâneos são capazes de elaborar estratégias criativas, irônicas, e não menos engajadas de inserção direta e indireta no concorrido circuito de arte. O desenvolvimento de uma rede de colaboradores também parece ser uma arma, que é bem utilizada pelo coletivo e que vem viabilizando as ações tanto nas periferias quanto nas áreas centrais. Através da sua multiplicidade de elementos humanos agregados, o grupo consegue desenvolver conexões que abarcam tanto as instituições públicas como as instituições privadas, conseguindo o mínimo de apoio para realizar suas ações e ainda assim, na maioria das vezes, mantendo uma curadoria própria.
Com isso, o Imaginário Periférico vem escapando do processo de institucionalização, que possivelmente faria com que o grupo tivesse que implantar uma série de limitações em seu formato, e que talvez o conduzisse a sua própria derrocada. Ou, como diria o artista plástico Raimundo Rodrigues: “...no momento em que nós nos registrarmos, passaremos a ser concreto, então seríamos ‘Concreto Periférico’ não mais ‘Imaginário Periférico’, eu defendo muito que a gente não seja absolutamente nada, nós somos uma ideia, que se materializa, mas não como forma de ONG...”18