O Parque Farroupilha, também conhecido como Parque da Redenção, é um dos espaços públicos mais queridos de Porto Alegre, se não “o mais”. De todos os locais de convívio em área aberta da cidade, é no parque que a maior parte da população se encontra para passear, se exercitar e visitar as feiras de final de semana.
Tombado pelo Patrimônio Histórico Municipal desde 1997, o parque tem hoje 37,5 hectares dos 69 hectares doados originalmente pelo então governador Paulo José da Silva Gama. Essa redução ocorreu em razão de alienações e construções, tais como: os prédios do Campus Central da UFRGS, o Colégio Júlio de Castilhos, templos religiosos, posto de gasolina, alargamentos viários. Do projeto original, apenas o eixo monumental e o lago se mantiveram; o restante foi se perdendo ao longo do tempo, com alterações muitas vezes sem critério, de acordo com o gosto de cada época.
Nos dias atuais, o que significaria subtrair mais um pedaço desse parque? Não apenas isso: o que significaria introduzir no próprio espaço do parque um empreendimento imobiliário, um conjunto de edifícios residenciais? Seria tão impossível assim? Ao longo de sua história, a grandiosa área foi minguando, sendo praticamente reduzida à metade do projeto original. Hoje, com as construções constantes de novos prédios e a mudança visível do perfil dos bairros da cidade, infelizmente tal empreendimento não seria tão hipotético assim.
Se pararmos para pensar, quem não gostaria de morar no Parque da Redenção, com uma vista privilegiada? Edificações defronte a parques são muito valorizadas, como comprovam os imóveis no entorno do Hide Park, em Londres, do Central Park, em Nova Iorque, ou até mesmo do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Viver junto ao verde é um diferencial que agrega valor, especialmente quando localizado próximo às zonas centrais, em metrópoles cada vez mais verticalizadas e engarrafadas.
No momento em que a publicidade de Rédemption Parc fala “Ouvimos sua voz, criamos seu conceito”, ela está assumindo que entende das “nossas necessidades”, e que o produto por ela oferecido irá satisfazer a todos os nossos desejos. Se morar no Parque da Redenção estivesse ao seu alcance, dentro do seu orçamento, você aceitaria o “outro” preço a pagar: perder uma área pública para seu conforto? Quantos diriam não? E quantos diriam sim? Indo mais longe: quem sabe, aproveitar e cercar o parque por completo? Fechá-lo à noite, com acesso apenas aos moradores do condomínio, sem a preocupação de encontrar algum pedinte ou assaltante?
Existe um paradoxo nas chamadas publicitárias de algumas incorporadoras, que vendem a ideia de morar em um local diferenciado, ao mesmo tempo em que destroem o que o bairro tem de melhor. O exemplo mais recente desta situação pode ser visto no episódio dos casarões da Rua Luciana de Abreu, no bairro Moinhos de Vento, também em Porto Alegre: um bairro amplamente arborizado, ainda reconhecido por suas mansões dos anos 1930, mas que, pouco a pouco, são substituídas por condomínios residenciais cercados, de nomes importados.
O objetivo de Rédemption Parc foi, a partir de uma ação artística, fomentar o debate a respeito da especulação imobiliária na cidade, discutindo as fronteiras entre o público e o privado e a noção de patrimônio público como um bem de todos. Como arquiteto e urbanista, nunca fui contra o engessamento da cidade. O que sempre me interessou foram as questões relativas ao seu crescimento de forma sustentável, com qualidade de vida. Boa parte das prefeituras das metrópoles brasileiras ainda segue soluções do início do século passado para o desenvolvimento da cidade, apostando no alargamento de vias, criação de viadutos, estacionamentos no lugar de praças, pouco investimento em transporte público de qualidade, e por aí vai. Sem esquecer-se da (cada vez mais frequente) entrega de áreas públicas para a iniciativa privada, sob alegação de falta de dinheiro para investir nesse segmento, relegando assim o município de sua obrigação como mantenedor e qualificador de tais espaços. Mas como agir, como buscar um meio de se fazer ouvir?
A forma de protesto, ou melhor, de crítica social que mais me interessa é através das ferramentas que a arte me oferece. Uma arte engajada socialmente – arte política, mas totalmente apartidária – que se utiliza das próprias regras do sistema para criticá-lo; que procura contestar e provocar o cidadão, com o intuito de tirá-lo da inércia da rotina através de uma situação incomum, e fazê-lo refletir.
A ação artística que desenvolvi simula a publicidade de um empreendimento imobiliário de grandes proporções no Parque Farroupilha. A proposta consistiu, assim, em produzir os mesmos materiais efêmeros de propaganda e reproduzir as mesmas frases de efeito, imagens e conceitos utilizados pelo mercado publicitário das grandes incorporadoras, de uma forma que o resultado permanecesse dentro dos limites da crença comum. Foram distribuídos mais de mil panfletos do empreendimento na Redenção, durante os domingos dos dias 13 e 20 de outubro de 2013. Além do site www.redemptionparc.com.br, que coletava e-mails de interessados no projeto.
O nome da incorporadora do falso empreendimento, Gruppo Luther Blissett, baseia-se em um pseudônimo multiusuário que, de 1994 a 1999, foi utilizado por grupos de artistas e ativistas espalhados pela Europa, principalmente na Itália. Em razão da “dica”, muitas pessoas pesquisaram e perceberam a proposta do trabalho. Busquei me manter anônimo, porém, conseguiram descobrir a “autoria” do site ao pesquisar o dono no registro de domínio – não tive a chance de criar um falso nome, pois o sistema conferia o CPF do responsável.
A disseminação do viral na internet foi acima do esperado; diversas repercussões interessantes ocorreram. Apesar de algumas colocações “desafortunadas” de alguns políticos, o retorno dado por professores de escolas e faculdades, assim como as discussões de elevado nível provocadas em alguns sites, deixaram-me mais do que satisfeito com o resultado da ação artística. Creio que ela cumpriu com todos os objetivos, indo além, inclusive.
Considero tais formas de expressão artística ferramentas de grande potencial para a discussão e a reflexão. Uma arte que dialoga com o grande público, este um participante ativo, manipulador. A experiência artística só é completa com a co-presença deste espectador; a obra só existe pelo retorno que este público lhe dá. Interessa-me criar certas situações inesperadas e observar reações espontâneas e genuínas. Trazer um pouco de ficção a nossa tão desgastada realidade.