Para o início dessa breve discussão sobre a arte como instrumento de coexistência, é necessário compreender o que é o espaço público, para isso recorro à classificação clássica de Habermas (1984), para quem o espaço público foi considerado o local onde as pessoas discutiam e expunham os assuntos de interesse comum, que por sua vez, eram debatidos, criticados para depois serem julgados. Um problema comum desses espaços públicos nos dias de hoje é decorrente dos profundos conflitos das sociedades contemporâneas. A desigualdade social, resultado da influência do sistema capitalista cada vez mais nítida no espaço urbano, acarreta na diminuição da possibilidade de coexistência de diferentes realidades em um mesmo local.

Diante desse complexo conceito do que é o espaço público na nossa atual sociedade, percebemos a necessidade de procurar estabelecer nos espaços públicos tradicionais – entendo aqui por tradicionais: ruas, calçadas, praças, parques – um meio de atrair os diferentes indivíduos que compõem a estrutura social do espaço urbano a fim de proporcionar uma troca de informações, conhecimentos e experiências. Diminuindo-se, assim, as fronteiras invisíveis (preconceitos, medos, intolerâncias, entre outras) e visíveis (muros de condomínios, shoppings de luxos, entre outras) existentes no nosso cotidiano, que segregam e afastam as pessoas.

Os espaços dos nossos ambientes urbanos são claramente segregados, sabemos que nas nossas cidades existem áreas que são destinadas às classes de renda baixa enquanto outras às classes de renda mais alta, isso é resultado da terra urbana como capital sujeita a influências de empreendedores imobiliários que ditam as leis que valorizam determinadas áreas. E entre esses espaços com diferentes níveis de valorização, existem locais por onde os habitantes do contexto urbano se encontram, mas sem se comunicarem, entre as caminhadas das suas vidas cotidianas. Lugares estes que são apenas passagens e não pontos de encontro, de convivência, de troca de experiências; perde-se assim a possibilidade de coexistir.

A arte (nesse caso não vou entrar na discussão do conceito e nem na diferenciação dos seus tipos) pode ser vista como ponto fundamental de encontro dos habitantes do ambiente urbano. Exposições, concertos, apresentações artísticas, enfim, todas as manifestações de arte podem ser usadas como instrumento para chamar a atenção das pessoas que passam por um espaço considerado público, convidando-as a interagir umas com as outras. A arte, nesse contexto, pode ser usada como meio de mostrar as diferentes culturas e realidades das cidades contemporâneas.

Netto, Paschoalino e Pinheiro (2010) fizeram uma reflexão a respeito da pluralidade da cidade contemporânea em relação às diversidades sociais e culturais, sendo necessário entender essa complexidade da composição urbana para evitar a segregação espacial. Como solução para inibir a separação de grupos distintos, o desenho para coexistência no espaço urbano pode ser o meio concretizador dessa ação. No caso dos espaços públicos já consolidados e obsoletos diante da contemporaneidade, temos na arte uma esperança de resgatar o significado desses locais, vislumbrada na possibilidade de um redesenho e de uma ressignificação dos nossos espaços públicos tão decadentes.

Exemplo dessa visão da arte como um dos meios de integração entre as pessoas, pode ser observado na Figura 2 de um evento realizado na cidade de Uberaba (MG), organizado pela Universidade de Uberaba com o apoio do Conservatório Estadual de Música Renato Frateschi, o Coletivo Nuvem e a Fundação Cultural de Uberaba, coordenando pelo Nomads.usp, que atraiu um público misto que pôde interagir com o que até então era evitado e desconhecido. A divulgação foi feita por meio de redes sociais e panfletos distribuídos em locais estratégicos. O evento foi realizado à noite em uma praça na área central da cidade, local este que, como muitos espaços públicos da cidade, tem passado por um processo de abandono, servindo apenas para a função de circulação e não mais um espaço do encontro e do debate do público. Durante o período da noite, os únicos ocupantes desse espaço são os moradores de rua. Esse evento atraiu por meio de uma exposição de fotos e por apresentações musicais pessoas que passavam pela praça, os próprios moradores de rua e estudantes. A arte, nesse caso manifestada pela exposição de fotos, por apresentações musicais e por imagens simultâneas em tempo real do mesmo evento acontecendo em outros locais do país, atraiu as pessoas para compartilhar aquele espaço, na presença do eu e do outro. Os comentários sobre as fotos e as músicas uniram as pessoas. Ao passar e parar no evento tive a oportunidade de observar e participar dessa interação: conversando com alunos da escola de música sobre os instrumentos e estilos musicais, comentando com um morador de rua sobre as fotografias da cidade que foram expostas em um telão, encontrando antigos amigos da Universidade de Uberaba, informando às pessoas que passavam pela praça o que estava acontecendo, pude presenciar o papel integrador da arte. Mesmo pela sua pequena dimensão e repercussão, esse evento mostrou como a arte, em suas diversas formas, pode e deve ser usada para diminuir as fronteiras entre os habitantes da cidade, e possibilitando novos usos para antigos espaços.


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HABERMAS, J. Mudança Estrutural na Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
NETTO, V. de M.; PASCHOALINO, R.; PINHEIRO, M. Redes sociais na cidade, ou a condição urbana da coexistência. V!RUS, São Carlos, n.4, dez. 2010. Disponível em: http://www.nomads.usp.br/virus/virus04/?sec=4&item=5&lang=pt Acesso em: jul. 2013.

1  Espaço público como palco das diferenças. Fonte: Acervo pessoal.

2  Arte no espaço público: possibilidade da coexistência. Fonte: Acervo pessoal.