Pensar a cidade contemporânea é pensar sobre o caos. Permitir-se participar de um espaço sinestésico que nos atinge por todos os lados. Nossos cinco sentidos são pouco, ou quase nada, diante da quantidade de informações e sensações que nos rodeiam. Todavia, em sua essência, o ser humano vive, também, uma completa sensação. Sentir-se vivo já é uma maneira de estar, de habitar o mundo, e já denota uma qualidade específica de presença. A grande tarefa da arte contemporânea parece consistir na descoberta de uma maneira em que se faça possível trabalhar tendo como base apenas uma sensação, sem que seja necessária alguma mediação racional, a fim de gerar uma vivência outra naquele que participa do evento. Dessa maneira, é possível construir um ambiente de cruzamento de sensações, percepções e linguagens, onde o resultado parece apontar para a concretização de uma verdadeira experiência e abre espaço para um imenso campo de possibilidades.

Num dos textos mais conhecidos sobre o verdadeiro significado da palavra experiência, Bondía (2002, p. 21) propõe:

A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. Walter Benjamin, em um texto célebre, já observava a pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara.

Sendo a verdadeira experiência uma complexa raridade no mundo contemporâneo, cabe à arte a operação de resgate desse tesouro perdido. Essa operação, por sua vez, traduz o objetivo de inúmeros artistas, coletivos e grupos existentes no fazer artístico da atualidade. Aqui, o enfoque será colocado sobre um grupo em especial.

Fundado em 2005, o grupo OPOVOEMPÉ desenvolve espetáculos e intervenções artísticas, aproximando as fronteiras entre a arte e a vida. São cinco atrizes e uma diretora, sem contar a equipe de produção. Seis mulheres que se propõem a trabalhar a partir das próprias dinâmicas da cidade, propondo um espaço de cruzamento com o cidadão nas suas situações mais cotidianas. Numa intervenção feita pelo grupo chamada “Pausa para respirar”, uma pessoa qualquer podia ser surpreendida por uma mulher com um jaleco branco, pedindo para que ela se desse uma pausa para respirar. A pessoa, então, sentaria num banco e começaria a ouvir os seus batimentos cardíacos, por meio de um estetoscópio, enquanto seus pés, descalços, pisariam num pequeno recipiente de vidro, recheado de grama. Nessa intervenção, a pessoa é levada a simplesmente estar verdadeiramente naquele determinado momento, sem maiores preocupações. A simplicidade da intervenção é a chave para que se chegue a uma catarse coletiva. O grupo propõe justamente aquilo que o ser humano já não é mais capaz de fazer: uma pausa. Um momento onde é possível se escutar e lembrar: “eu existo!”.


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Mas não se consegue tudo somente por meio de pausas. Há também um tempo de aceleração. A rapidez e a lentidão são duas faces de um mesmo conjunto. E é nesse espaço de Poupa-papa-tempo, utilizando a mesma expressão que a diretora do grupo, Cristiane Zuan Esteves, utilizou em entrevista concedida à Luciana Romangnolli1, que se passa o espetáculo “A Festa”, já apresentado tanto dentro quanto fora de São Paulo.

Logo após entrar no teatro e saber, por meio de um cálculo preciso das atrizes, o seu número de dias já vividos, o público é convidado a embarcar numa verdadeira máquina do tempo. O espetáculo apresenta-se como um grande evento coletivo onde todos que ali se encontram presentes são constituintes essenciais. O espectador abandona seu posto passivo e é chamado a adentrar o jogo que se passa em sua frente. O resultado é, novamente, uma completa catarse coletiva. O teatro manifesta-se como um verdadeiro instrumento de transformação cuja condição essencial é apenas a própria presença, a simples atitude de estar e viver o momento presente.


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O grupo OPOVOEMPÉ é uma verdadeira máquina de transformação. Transformação essa que só se faz possível principalmente pela sua simplicidade. Ela é fruto de uma suspensão. A catarse gerada no espectador vem pela oportunidade a ele concedida de se afirmar como ser humano e viver o momento presente. Basta existir para ser transformado! A verdadeira experiência de viver o tempo presente já é um ato transformador. O nosso modo de habitar o mundo é transformado por uma sucessão contínua de presentes que passam a todo instante. Uma complexa sucessão de agoras. E é no reconhecimento da própria existência, no ato de lançar-se no tempo presente, que o ser humano alcança a sua maior experiência.

1  Entrevista realizada durante a passagem do grupo em Curitiba, lugar onde apresentou dois dos seus espetáculos: “O espelho” e “A festa”. Essa entrevista pode ser conferida na própria página online do grupo: http://opovoempe.org/site/.

BONDÍA, Jorge Larrosa. “Notas sobre a experiência e o saber de experiência”. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, 2002.

1  Foto tirada durante a intervenção “Pausa para respirar”, ocorrida, nessa ocasião, na Praça da Sé, em São Paulo. Esta foto se encontra disponível na página online do grupo.

2  Foto tirada por Guilherme Sanchez, durante a apresentação do espetáculo “A festa”. Esta foto se encontra disponível na página online do grupo.