O PROJETO

O nome é CUBO BRANCO/BURACO NEGRO. A estratégia é simples: alugar uma “loja comercial” no hipercentro de Belo Horizonte e disponibilizá-la vazia, gratuitamente, todos os dias, de 9h às 18h, para qualquer uso. Qualquer uso mesmo: seja como igreja, dormitório, loja, bar, espaço cultural, galeria de arte... pode, inclusive, não ter nenhum uso. Tudo dependerá da vontade do “espectador”, “consumidor” ou “usuário”. O “artista” ou “locatário” não fará nenhuma intervenção.

INSERÇÕES: CUBO BRANCO

O presente projeto pretende operar em dois níveis, um artístico e outro político, levantando problemas estéticos e intervindo em problemas culturais. Estes dois níveis, entretanto, se interpenetram. Para Cildo Meireles, a interpenetração remonta ao readymade. Ao propor a arte como fenômeno do pensamento, ele aproximava-a da cultura e, logo, da interferência política, “porque se a estética fundamenta a arte, é a política que fundamenta a cultura” (2009, p.22).

 Figura 1 – Projeto de instalação: cubo branco/buraco negro.

A instalação inspira-se nas Inserções em Circuitos Ideológicos de Cildo. Em Inserções em Jornais: Clareiras, o artista, primeiro, limitou-se a comprar um espaço nos classificados onde se inscrevia apenas “área no. 1”. Num outro momento, também nos classificados, escreveu: “Áreas – extensas. Selvagens. Longínquas. Cartas para Cildo Meireles. Rua Gal (...)’. Sobre a segunda, disse: “Mas não era venda, não era compra, não era aluguel. Era essa frase sem verbo. Texto sem verbo” (2009, p.248). Essas áreas abertas – seja a nível visual, seja gramatical – irrompendo no meio da circulação incessante de informação de um jornal, continham a potência de tornar clara a noção de circuito. Por um momento, foram ali o intervalo no ritmo das trocas comerciais que permitiu ver seu acontecimento ininterrupto a arrastar todo o espaço social em seu fluxo. Os classificados marcam o input e o output das coisas no circuito.

Como em Clareiras, CUBO BRANCO/BURACO NEGRO pretende introduzir no circuito da arte e no circuito comercial um intervalo.

Para o circuito de arte, C.B./B.N. pretende ser seu intervalo vazio. Porém, como vimos no pavilhão vazio da 28a Bienal de São Paulo, uma galeria vazia não esvazia-se, só por isso, da pressão de exibir arte. Se Lyotard (2002) diz que os jogos de saber exercem um controle nos “lances de linguagem” que recebem, validando apenas os que se conformam em suas regras, uma pixação basta para encher por completo o “vazio” da Bienal. Mesmo que nas ruas seja exatamente a pixação que marque a saturação e os vácuos invisíveis, senão invivíveis – e, ao fazer isso, acaba indicando a possibilidade de uma nova ocupação –, ali na Bienal, era só uma interferência indesejável nos jogos perceptivos esperados.

Figura 2 – Foto da Direita: Pichação de "Cossi" na Av. Amazonas, em BH (Fonte: dastenras); Foto da Esquerda: Hotel "Beira Rio", inacabado, na Av. Contorno em BH (Fonte: poesiadarua.wordpress.com). [Comentário] Curto-circuito: "Venda-me se for capaz" era o nome da matéria de João Perdigão inspirada em Cossi, fazendo alusão à política da prefeitura de conceder espaços publicitários para aqueles que se dispuserem a apagar as pichações em prédios e monumentos públicos." />


Como na fábula “as novas roupas do imperador”, as interações, as ocupações e as perguntas ao redor de C.B./B.N. só serão “visíveis” como arte para aqueles já inseridos no circuito da arte e que conhecerem a obra a partir da sua ideia. A estratégia de se esquivar da pressão do circuito da arte passa por confundir o cubo branco da galeria com um espaço comercial por vir – “será que vão abrir uma farmácia ali?”. Mesmo os “iniciados” terão de descobrir de todas as salas vazias – e de todas as ocupadas – no hipercentro qual é C.B./B.N.

Sobre o circuito comercial, há um problema fundamental para pensarmos uma inserção de um intervalo: ele expandiu-se de tal forma que confunde-se com a própria cidade. Via de regra, trata-se de uma supressão do público em favor do privado. Aí, tudo é organizado de forma a priorizar a circulação funcional do capital: no lugar do pedestre, o automóvel; no lugar do flaneur; o consumidor; do desocupado, o usuário; da criança, o adulto. Como num shopping center, a rua torna-se um corredor que leva de um ponto A a B – e os eventuais intervalos de percurso (as praças, bancos, jardins, em suma, os espaços que ainda são públicos), nunca possuem valor em si. É pra descansar das compras, do trabalho. Não é para andar de skate nem dormir – alertam os policiais que controlam a Praça Sete de BH. O funcionamento deve caber no circuito desenhado; mesmo o espaço público deve ter uma função. O “Isoporzinho”, movimento cultural do RJ que consiste em levar cerveja de casa para a rua, para evitar o circuito de bares caros, é uma versão espontânea de C.B./B.N.

Para inserir no circuito comercial um intervalo, C.B./B.N. tem como estratégia gerar uma “zona cinza”: não se pode determinar se ali se trata de um lugar público, ou privado; que tem função, ou não. “É uma loja? Eu posso mesmo abrir uma loja aí, de graça? Por que você deixou ela abrir uma loja, não seria melhor se fosse um teatro?”. Assim, espera engendrar no intervalo que gera um espaço caótico de expectativa e de ocupação, para que o circuito perca sua capacidade de determinar os inputs e os outputs.

BURACO NEGRO

Para Cildo Meireles, todo gueto funciona como um buraco negro. Para dar conta da situação de excluídos, os moradores do gueto passam a fazer circular informações tanto sobre suas condições psicológicas quanto sobre o caráter do algoz, que os ignora. A massa de informações circuladas variam de densidade sem alterar o volume; atingindo um alto grau elas podem, como num buraco negro, tornar-se anti-matéria ou anti-informação. Engolindo toda a matéria circundante, o gueto poderá, em algum momento, reverter a situação de excluído.

C.B/B.N. também poderá, em algum momento, condensar-se em um buraco negro. Permanecendo como um ponto cego no sistema, poderá acolher uma intensa troca de informações que, com sua força específica e evitando resolver o paradoxo entre arte e comércio, entre privado e público, entre função e vazio, talvez seja capaz de atingir o Sistema com um novo zero: uma nova hipótese de habitação do espaço.

Para assegurar a máxima “ocupação” de C.B/B.N, prevê-se um cronograma de “exposição”: 1a Fase – O Por Vir: 10 dias sem contar a ninguém o que é o espaço aberto; 2a Fase – Pressão Econômica: 10 dias divulgando em classificados; 3a Fase – Pressão Cultural: 10 dias divulgando em circuitos culturais; 4a Fase – Agonística: 10 dias divulgando no boca-a-boca no hipercentro.

Uma possível exposição de memorabilia de C.B./B.N. poderá ocorrer em contexto de galeria. Neste caso, limitar-se-á na exposição de todos os documentos, contratos, consultas legais, trocas de e-mail e/ou telefone, extratos bancários, boletos para depósito, taxas, notificações municipais, laudos de vistoria, etc, que o “locatário” e/ou “artista” necessitou “produzir” para viabilizar a “abertura” e o “fechamento” do espaço escolhido.

MEIRELES, Cildo; SCOVINO, Felipe (org.). Encontros. Rio De Janeiro: Beco do Azougue, 2009.

LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: José Olympio, 2002.

1  Projeto de instalação: cubo branco/buraco negro.

2  Foto da Direita: Pichação de "Cossi" na Av. Amazonas, em BH (Fonte: dastenras); Foto da Esquerda: Hotel "Beira Rio", inacabado, na Av. Contorno em BH (Fonte: poesiadarua.wordpress.com). [Comentário] Curto-circuito: "Venda-me se for capaz" era o nome da matéria de João Perdigão inspirada em Cossi, fazendo alusão à política da prefeitura de conceder espaços publicitários para aqueles que se dispuserem a apagar as pichações em prédios e monumentos públicos.