Em dezembro de 2013, a Direção Geral das Artes (DGArtes) – órgão responsável por coordenar e executar as políticas de apoio às artes em Portugal – fez um anúncio onde divulgou o conceito e os responsáveis pela representação nacional na aclamada Exposição Internacional de Arquitetura da 14ª edição da Bienal de Veneza: sob o título Homeland | Less Housing More Home, a ideia da exposição surgiu da parceria entre o arquiteto e curador Pedro Campos Costa e a Trienal de Arquitetura de Lisboa, com o apoio da DGArtes.
Designada para representar o país num dos maiores eventos culturais do mundo – que, na edição de 2014, teve como curador-geral o arquiteto holandês Rem Koolhaas – a representação portuguesa propunha um debate sobre a questão da habitação, partindo da ideia de moradia "como elemento essencial e primário da construção urbana e territorial”, funcionando também como reflexo dos aspectos sociais e culturais de quem habita. Eram essas, pelo menos, as linhas gerais apresentadas ao público em finais de 2013.
Entretanto, o cenário ganha outros contornos em março de 2014, há pouco menos de três meses da abertura da exposição. Anunciou-se que a representação não iria seguir os modelos realizados anteriormente, quando ocupava determinado espaço físico cedido pela Bienal:1 naquele ano, optou-se por transformar o Pavilhão Português em um jornal, batizado de Homeland: News from Portugal.
A primeira resposta dada a essa arriscada proposta foi que a decisão havia sido tomada, principalmente, por questões e problemas orçamentários, pelo que a verba disponibilizada para a edição de 2014 (150 mil Euros) representava metade do valor cedido em 2012. A DGArtes e o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, afirmaram que esse não havia sido o único ou maior critério para a escolha. Ainda que se reconheça que o projeto surgiu como uma adaptação frente às circunstâncias econômicas vividas em Portugal, era garantido que a abordagem e o conteúdo apresentado no jornal não fariam uma má representação do país.
O curador Pedro Campos Costa foi além ao sustentar tal decisão, garantindo que, ainda que houvesse mais dinheiro disponível, manteria o formato não tradicional da mostra. Disse também que o formato jornal insere-se conceitualmente na resposta à curadoria da Bienal, que, aos pavilhões nacionais, propôs o mote Absorbing Modernity: 1914-2014, instigando uma reflexão sobre o desenvolvimento do movimento Modernista em cada um dos países representados. Ele explica essa posição citando Beatriz Colomina, historiadora e teórica de arquitetura, que diz que “os arquitectos modernos não existiriam sem os media2”. Por esse motivo, optaram por elaborar “um jornal, hoje quase um objeto arqueológico, que simbolizasse essa relação com a modernidade e que refletisse sobre o que é ela hoje”.3
Ainda segundo o curador, o formato de jornal permite a apresentação de textos numa linguagem mais direta e assertiva, sem deixar de lado a dimensão reflexiva e crítica das exposições sobre arquitetura. Acredita-se que essa configuração concede ao visitante a oportunidade de levar a exposição consigo, aumentando potencialmente a divulgação do conteúdo apresentado a outros públicos e locais, extrapolando assim os limites geográficos e temporais da Bienal de Veneza.
No que diz respeito ao conteúdo do jornal, manteve-se a temática central da habitação em Portugal. Optou-se por tratar o assunto através de duas abordagens distintas: uma reflexão cronológica e uma reflexão propositiva. No primeiro caso, a intenção é apresentar a evolução da moradia no país nos últimos cem anos através de pequenos estudos que apontam para diferentes pontos de vista, dando especial destaque à estreita relação entre as transformações sociopolíticas e o surgimento de novos paradigmas na área da habitação. Já na segunda abordagem, seis grupos de arquitetos4 são convidados a intervir em seis cidades portuguesas (Porto, Matosinhos, Loures, Lisboa, Setúbal e Évora), realizando projetos urbanísticos durante o período de duração da Bienal a partir da definição de seis tipologias habitacionais (temporária, informal, unifamiliar, coletiva, rural e reabilitação).
Para gerar o conteúdo das três edições do jornal, que conta uma tiragem total de 165 mil exemplares, reuniu-se uma equipe multidisciplinar composta por profissionais da arquitetura, do design, da fotografia, da economia, da sociologia, da geografia, da história e da antropologia, com a intenção de abordar a disciplina arquitetônica não somente pelo viés do projeto e do desenho, mas também através de suas implicações e relações sociais, culturais e políticas. Para o curador, é necessário discutir e repensar a postura da arquitetura atual, que encontra-se “isoladamente fechada, focada nos limites dos terrenos ou na especulação acadêmica e ilusória”.5
Com o projeto Homeland: News from Portugal, pretende-se abrir uma discussão para os desafios que a disciplina enfrenta, especialmente perante o momento econômico crítico vivido no país, e reivindica-se uma posição mais aberta e ativa por parte dos profissionais da área, sugerindo a criação de novas relações entre o arquiteto e a sociedade contemporânea. Desse maneira, além de possibilitar novos modos de praticar arquitetura, abre-se caminho para pensarmos, também, em outras maneiras de expô-la.